O que fica dos debates?

Apetece afirmar que os comentadores foram as grandes estrelas dos debates televisivos. Não pelo que diziam, mas porque tinham mais tempo para falar do que os protagonistas.

No debate com Rui Rio, António Costa cometeu um erro colossal: a grande novidade que tinha para apresentar era… o Orçamento que foi chumbado e conduziu a estas eleições.

Não lembrava ao careca!

E deu a Rio a oportunidade de dizer que Costa só tem para oferecer mais do mesmo. Ou seja: quer continuar a política que tem levado Portugal a ser paulatinamente ultrapassado por quase todos os que estavam atrás de nós na UE. «Como é que, com a mesma receita, quer conseguir resultados diferentes?» – perguntou Rio ao adversário. 

Com essa estratégia, para lá de ter perdido o confronto com Rui Rio, António Costa enterrou-se a si próprio.

Dito isto, apetece afirmar que os comentadores foram as grandes estrelas dos debates televisivos.

Não pelo que diziam, mas porque tinham mais tempo para falar do que os protagonistas.

Estes tinham de se despachar a correr, para não desperdiçarem tempo – e depois vinham os comentadores, refastelados nas suas cadeiras, partir pedra durante horas e repetir várias vezes as mesmas ideias. 

Outro facto que fez dos comentadores as estrelas dos debates é que atribuíam por vezes as vitórias e as derrotas independentemente do que se passara no confronto entre os líderes. 

Víamos um dos intervenientes esmagar o outro – e depois vinham os comentadores dizer que fora este o vencedor.

No debate entre António Costa e André Ventura passou-se uma coisa curiosa. 

Entrevistados à saída do estúdio, Ventura mostrava-se satisfeito, descontraído e confiante, enquanto Costa estava manifestamente tenso e desiludido.

Os rostos de um e de outro não deixavam dúvidas sobre quem vencera. 

No entanto, à mesma hora, noutro estúdio, os comentadores diziam que António Costa ganhara o debate.

André Ventura foi o principal protagonista desta série de debates televisivos, como já tinha sido nas últimas presidenciais. 

Mesmo os comentadores que davam a vitória aos seus adversários, passavam depois a maior parte do tempo a falar dele: «Ventura não apresenta propostas, Ventura só tem meia dúzia de soundbites, Ventura para aqui, Ventura para ali». No debate com o primeiro-ministro, em que era suposto ser este a estrela, os comentadores passaram depois 80% do tempo a falar de Ventura, só dedicando a Costa uns parcos 20%.

André Ventura venceu a maior parte dos debates em que participou, porque é rápido a reagir, tem as ideias na ponta da língua, perde muito pouco tempo a defender-se e passa com grande facilidade da defesa ao ataque, encurralando os adversários.

Não tem defeitos, fragilidades?

Claro que sim. 

É por vezes pouco sério nos argumentos e exageradamente agressivo, e o facto de ter um estilo muito marcado provoca uma sensação de déjà vu depois de vários debates seguidos. Esta ideia é agravada por só querer falar de meia dúzia de temas (corrupção, subsídiodependência, impostos, imigração e pouco mais). 

Mas, neste momento, é o grande animal político da política portuguesa. E o único que tem coragem para abordar temas ‘proibidos’ mas de que muita gente fala às escondidas, como a dita subsidiodependência ou a imigração. 

O que mais se aproximou de Ventura foi Francisco Rodrigues dos Santos, que travou com ele o debate mais espetacular de todos, ao ponto de a CNN o prolongar para lá do tempo previsto. Pode até dizer-se que, se Ventura foi o protagonista principal nestes debates, Rodrigues dos Santos foi a grande revelação. 

Julgo, entretanto, que as vitórias ou derrotas nos debates não influirão nada no voto dos eleitores.

A minoria que via os debates televisivos era uma faixa da população interessada pela política e que, em geral, já tinha a sua opinião formada. Não estava ali para se elucidar, mas sim para ver como se comportava o líder que apoiava (e os seus adversários). 

Assim, o mais importante que ficou destes debates foi a imagem que cada um dos líderes projetou.

António Costa quis apresentar-se como o primeiro-ministro compenetrado e responsável, que deseja a estabilidade e só está preocupado com as soluções para o país. Assim, apareceu sempre com uma cara séria, a expressão sisuda – muito longe daquele homem que andava sempre a sorrir e mesmo a rir, levando-me uma vez a escrever: «Este homem ri de quê?». Querendo significar que o momento é grave, até por causa da pandemia, António Costa apresentou-se ao país de rosto fechado. Mas também pareceu muito cansado, o que foi particularmente evidente no debate final.

Rui Rio foi um pouco o contrário. Nos debates estava quase sempre a sorrir ou mesmo a rir, até quando era atacado. Quis mostrar bonomia e confiança, nele próprio e no resultado eleitoral. E sendo por vezes acusado de arrogância, adotou uma postura humilde. Ao incentivar ao voto nele, adiantava: «Não por eu ser melhor do que os outros, mas porque sou a única alternativa a António Costa». Nunca foi agressivo. Respeitou as opiniões dos adversários. Com esta postura, perdeu alguns debates – mas projetou a imagem de um homem tranquilo e simpático, no qual se pode confiar. E que não quis vender banha da cobra.

Quanto aos atores secundários, de André Ventura já falei o suficiente. Quis mostrar que não é igual aos outros. Que não quer deixar tudo como está, quer fazer ruturas, quer verdadeiramente mudar um sistema que (na sua opinião) não nos vai permitir sair da cepa torta. 

Catarina Martins mudou de postura. Apresentou-se mais calma, mais pausada, quase doce. Abandonou a atitude de acusadora pública e apresentou-se numa pose ‘cristã’, citando sem ironia o Papa Francisco. Quererá fazer passar a imagem de que, no futuro, será parte da solução e não parte do problema. Ou seja: deseja estar no Governo.

Cotrim Figueiredo não tem um ar simpático. Não pretende falar para o povo mas para as supostas elites, e a sua postura um tanto altiva reflete isso. Não se parece muito com um político: parece mais um professor a dar uma aula. Foi pedagógico e no geral mostrou-se bem preparado. 

Jerónimo de Sousa, no único debate em que participou, esteve igual a si próprio. Burro velho não aprende línguas. Parece conformado com a realidade: sabe que o partido perderá votos de eleição para eleição, e não vale a pena mudar. Já não tendo muitas ilusões sobre o futuro, salva o que é possível salvar: o PCP cairá mas não trairá a doutrina.

Francisco Rodrigues dos Santos fez jus ao epíteto de Chicão. Calmo, incisivo, agressivo quando era necessário, com alguns trocadilhos bem achados e as ideias bem arrumadas na cabeça, tornou sempre interessantes os debates em que participou. O debate com Ventura foi um grande momento. 

Inês Sousa Real e Rui Tavares estão nesta campanha um pouco para se oferecerem aos outros, a ver se alguém os quer. Género: «Quem quer casar com a Carochinha?». Cumpriram o seu papel de fazer olhinhos àqueles que os podem aceitar – e atacar os outros. 

Além disso, Rui Tavares esteve para estes debates como Tiago Mayan estivera para os das presidenciais: foi muito elogiado pelos comentadores, mas de pouco lhe servirá. 

E é tudo por hoje.