Por Joana Mourão Carvalho e José Miguel Pires
Aproximava-se a reta final da campanha eleitoral, muito antes de se sequer imaginar os resultados que viriam a dar a maioria absoluta ao PS nestas legislativas, e António Costa declarava a sua disponibilidade para dialogar com todos os partidos com assento parlamentar, à exceção do Chega, de forma a “garantir uma boa solução governativa para o futuro”. Agora indigitado primeiro-ministro, com uma estabilidade governativa bem embasada no voto dos portugueses, a intransigência com o partido de André Ventura, que elegeu 12 deputados, mantém-se.
Já recuperado da covid-19 e depois de cumprido o período de isolamento, António Costa retomou a agenda habitual ontem. Durante os próximos dias, reunirá com representantes institucionais dos setores da sociedade civil, parceiros sociais e, finalmente, com os partidos parlamentares – exceto o Chega – na próxima terça-feira.
Sem dar uma razão clara e inequívoca sobre o porquê, não reunirá com a terceira força política previamente ao início do próximo ciclo político, numa ação que se junta a um ambiente de ‘boicote’ em uníssono da Esquerda à candidatura de Diogo Pacheco de Amorim à vice-presidência da Assembleia da República, por parte do Chega.
“Um sinal muito preocupante de início de mandato para o primeiro-ministro”, reagiu André Ventura, defendendo que esta exclusão “significa que [António Costa] entende que há 400 mil eleitores, um partido que é a terceira maior força na Assembleia da República que nem merece ser ouvido pelo primeiro-ministro”.
Baile Este “jogo sujo” entre André Ventura e António Costa é, para o politólogo João Pereira Coutinho, um autêntico “baile de máscaras previsível e entediante”. E acrescenta: “É do interesse de todos os participantes – estou a falar do Chega e do PS – que a peça decorra exatamente como está a decorrer”, começa por explicar o politólogo ao i, dando conta dos “benefícios” que tanto André Ventura como António Costa tiram desta “encenada” luta. “Para o Chega, propor Diogo Pacheco de Amorim é a garantia de que o nome será recusado, e isto permitirá a André Ventura fazer a sua vitimização habitual, que até ao momento tem rendido votos, notoriedade e deputados. Para o PS, existe toda a lógica nesta encenação, porque, com este comportamento de não falar com o Chega, de o colocar, no fundo, para lá de qualquer diálogo, entendimento ou conversa democrática, está a contribuir para o crescimento do Chega, e consequentemente para roubar espaço à Direita tradicional.”
Uma “velha” tática política, que, na ótica de Pereira Coutinho, é inspirada no contexto político francês de há três décadas. “Esta é uma técnica que foi tentada com François Mitterrand, que, através da sua reforma eleitoral, ao dar maior protagonismo aos pequenos partidos da Direita radical, conseguiu empobrecer e emagrecer a Direita clássica francesa”, explica, concluindo que “quer o Chega, quer o PS estão a cumprir os seus papéis na perfeição”.
Também o comentador político Marques Mendes reconhece, em declarações ao i, que “a esquerda usa o Chega como forma de dividir e enfraquecer a direita moderada”. Já, do outro lado da bancada, o partido de André Ventura “aproveita-se disso para se fazer de vítima”, o que o ajuda na sua tarefa de ir ‘engolindo’ o eleitorado dos partidos tradicionais.
O prometido é devido Se é certo que André Ventura questiona o processo democrático que leva Costa a excluir das conversações um partido eleito democraticamente pelos portugueses, há quem defenda que o primeiro-ministro indigitado está a ser “honesto” e “rigoroso” com a sua palavra.
“A única coisa que António Costa está a fazer é cumprir com aquilo que prometeu durante a campanha eleitoral. Nestes termos, pode ser mais ou menos correto, mas não é antidemocrático”, expressou fonte próxima da atividade política nacional ao i, lembrando que esta iniciativa de ouvir os partidos não é algo a que António Costa esteja obrigado, uma vez que ainda não tomou posse.
“Não o vai fazer na sua qualidade de primeiro-ministro em funções. Vai fazê-lo na qualidade de primeiro-ministro indigitado. Não podemos umas vezes dizer que os políticos não cumprem e depois, quando cumprem aquilo que dizem, estar a atacar”, argumenta a mesma fonte.
Contudo, ressalva: “Se daqui a uns meses, já nomeado primeiro-ministro, fizer este tipo de exclusão, isso sim já é criticável e seria um erro enorme”.