Zita Seabra: “Parecemos um Museu, ainda temos um partido comunista”

Zita Seabra foi comunista, social-democrata e agora é liberal. Quer o fim do estadismo e olha com preocupação para o declínio da Europa.

Zita Seabra foi, em tempos, uma das figuras mais proeminentes do comunismo em Portugal. Hoje em dia, anuncia a morte do PCP, mas também do PSD, do CDS e do BE. Só sobram o PS, o Iniciativa Liberal – da qual foi mandatária em 2019 – e o Chega. Com um pé em Portugal e um no mundo, olha com atenção para a política internacional, acusa o declínio na Europa e lamenta a forma como o país lidou – e lida – com os seus idosos, nomeadamente na altura de discutir a eutanásia, proposta à qual se mostra completamente contra, tal como a regionalização.

O Iniciativa Liberal cresceu exponencialmente nestas eleições. Esta conquista dos oitos deputados é um acordar do país para o liberalismo, ou se é só um sinal dos tempos?

Eu não posso falar em nome do IL. Fui apenas mandatária nas eleições de 2019, mas acompanho com o maior interesse toda a atividade do IL, porque é um partido novo que fazia falta em Portugal, de quadros, num país completamente estatizado e estatizante, em que tudo depende do Estado. Haver quadros jovens, muitos deles ligados diretamente a empresas, portanto ao mundo laboral, muitos deles no estrangeiro, com grande atividade e grande informação nas redes sociais, muito informados e muito qualificados, é algo que é muito importante para Portugal, e que fazia muita falta. O PSD é um partido que envelheceu, e foi pena, porque mudou de geração com Pedro Passos Coelho, e tinha exatamente este tipo de jovens quadros. Depois, voltou aos seus quadros mais ‘anos 60’, e isso teve consequências, estão à vista no resultado destas eleições. Creio que o IL vai marcar uma grande diferença no Parlamento. Primeiro, porque são bons quadros, e depois porque trabalham muito e são muito ativos. E estudam muito as coisas. Sempre que falam, mesmo nas redes sociais, quando acontece alguma coisa, é sempre interessante ir ver o que eles dizem, porque normalmente estão muito bem informados.

Mas sobre essa questão dos quadros jovens e formados… também o Bloco de Esquerda teve disso…

O Bloco de Esquerda é passado. Foi uma esquerda radical que morreu. Às vezes os partidos morrem e não dão por isso. O que está a acontecer noutros países é que o radicalismo de esquerda deixa de ter um partido próprio e transforma-se numa ala do partido socialista lá do sítio. Aconteceu nos Estados Unidos e com os trabalhistas ingleses. É um fenómeno que há de chegar cá. As coisas chegam cá com atraso, mas chegam. Nestas eleições as pessoas ficaram completamente fartas dessa ala radical, extremista e estadista do Bloco e votaram PS .

Pode-se dizer que o tiro saiu pela culatra ao Bloco, ao dar a mão ao PS?

Sim, claro que sim. António Costa tinha um problema entre a ala radical de esquerda dentro do PS e a ala radical de esquerda dos partidos à sua esquerda com quem, em mau momento, resolveu fazer a ‘geringonça’. Jogou neste sentido, e aliás fez um tweet logo que foram convocadas as eleições dizendo que procurava maioria absoluta.

Gosta muito do Twitter, utiliza muito?

Gosto, sim. Hoje, é fundamental para estar a par do que se passa, não só cá. Eu gosto de usar o Twitter quando há eleições noutros países e acompanhar essas eleições através dos próprios candidatos. Também gosto de ler a imprensa estrangeira, mas não precisamos de ver a RTP, a SIC, porque, com o Twitter, ficamos a par do que se está a passar, e com mais rigor do que quando é filtrado por alguém.

Mas há esta ideia de que o Twitter por vezes cria uma ‘bolha’. Não tem receio disso?

Mas as bolhas são ótimas. Repare, há poucos dias houve uma bolha sobre esta informação de que Rui Tavares contratou primeiro oito e depois nove assessores. Nunca se saberia da mesma maneira, se não houvesse a bolha com toda a gente a investigar se é verdade ou não. Depois a SIC foi verificar e os jornais também, mas partiu disso, da atenção de alguém. Essas bolhas são importantes. Algumas, percebe-se que não correspondem à realidade e rapidamente desaparecem, mas outras ficam na memória.

Falou da questão de o PSD ter envelhecido e perdido a geração que vinha com Passos Coelho… mas o que aconteceu para acabar por uma boa parte do eleitorado migrar para o IL ou para o Chega?

Acho que estava na cara que isso ia acontecer. Algum jovem de 30-40 anos, mesmo do interior ou do litoral, que trabalha em Madrid ou Paris, se ia identificar com aquilo que foram as propostas do PSD durante esta campanha eleitoral, após todas as purgas que foram feitas? Era impossível. E os partidos envelhecem e morrem. Neste momento, o PSD morreu. É capaz de renascer, ou não é? Essa é a questão. Mas isto tem acontecido na Europa toda. Só não acontece nos países como os Estados Unidos ou a Inglaterra, onde ou se ganha à direita, ou se ganha à esquerda.

A distinção é clara entre trabalhistas e conservadores ou entre republicanos e democratas. Esse é um sistema de democracias liberais muito bem estruturado porque permite que os próprios partidos se renovem a si próprios, o que é muito importante. Isso não acontece em países como França, Espanha ou Portugal. Eu estou a acompanhar com interesse as eleições regionais em Castilla y León, onde exatamente o PP está numa posição curiosa.

É uma geração jovem, com Casado, mas diferente de duas grandes políticas espanholas que eu acho fantásticas: a Cayetana Alvarez de Toledo e a Isabel Ayuso, que estão de fora. E ele propõe a velha solução de «Nós iremos ganhar sozinhos, não nos aliamos a ninguém, porque o Vox não sei o quê…», ao contrário do que fez Ayuso em Madrid, que foi um terramoto, e que disse «Se for preciso, alio-me a quem for preciso para tirar os socialistas do poder». O PSD não fez isto em Portugal, perdeu com isso, e agora é muito curioso ver o que vai acontecer em Castilla y León.

Pode servir de papel químico?

Claro. É muito a imagem do que se irá passar cá. Mas não de imediato, já que vamos ter um Governo de maioria socialista. É curioso ver se a ala radical de esquerda do PS tem ou não  força e que pastas ministeriais é que vai ter. Acho que é a única curiosidade que há neste momento. Vai ser muito interessante ver se o PS vai responder ou não ao desafio que a existência do IL coloca no Parlamento como oposição, e mesmo o Chega, ou se não.

Onde mais na Europa tem os olhos postos?

A Europa está em decadência, isso é óbvio e evidente. Sobretudo a Europa do Sul. E vamos ficar mais perante as taxas de juro, inflação, dívida pública… mas há um país que está a seguir um caminho curioso e está a sair disso, num estilo de ‘milagre’ do ‘Super Mario’. Estou a falar de Mario Draghi em Itália, que fez uma coisa muito eficaz. Meteu no Governo – com toda a sua experiência europeia – toda a gente. O partido de Salvini, correspondente ao Chega lá do sítio, tem três ministros. Só não meteu a esquerda mais radical, e com isso tem conseguido fazer as reformas fundamentais, da Justiça à Política, passando pela Economia.

A Itália, que se previa dois meses depois não tinha dinheiro para pagar salários, agora fala-se quase numa espécie de ‘milagre económico’. Acho que António Costa devia pôr os olhos em Mario Draghi e deixar-se destas coisa de dizer «Com estes governo, com aqueles não governo», e ter a grandeza que tem o ‘Super Mario’ em Itália e olhar para os resultados que está a ter.

Há quem diga que tem havido boicote e ostracização ao Chega… é válido?

É um disparate, porque só faz crescer o Chega, que corresponde a um protesto de certa gente, muitos dos quais foram a base eleitoral fundamental do PSD, que, de repente, se transformou num partido fundamentalmente de reformados. Mas não era assim, nem no tempo de Sá Carneiro nem no tempo de Cavaco. A pessoa na província, como em Lisboa, que investia no negócio próprio, que corria o risco e criava uma empresa, essa gente era o eleitorado fundamental mais ativo e mais vivo do PSD. Deixou de ser, e desviou-se para o Chega. Isto é um perigo para a democracia.

Por que razão diz que é um perigo para a democracia? O Chega é uma ameaça?

Não. Acho que não envolver o Chega numa solução é que é uma ameaça. Hoje, os protestos não estão no Partido Comunista, que também está morto, já só tem os reformados. O país está velho, idoso e reformado e o PCP tem o que lhe sobra na cintura industrial de Lisboa de gente que em tempos trabalhou e que hoje está reformado, mas não é o descontentamento de hoje. O descontentamento de hoje que vai aparecer aqui é o mesmo que está a aparecer noutros países. Eu estava em Paris e, sem querer, acabei por atravessar a manifestação dos Coletes Amarelos.

Fez-me muita impressão, porque são velhos reformados franceses, pessoas que perderam poder de compra, estatuto, que tinham uma mercearia, uma oficina, e que saíram à rua para se manifestar e criaram aquele movimento, que é um movimento real e que corresponde às necessidades da população. Os descontentes estão aí, e estão nas novas profissões e nos novos trabalhos, até porque eu acho que as relações laborais mudaram completamente com a pandemia, e estão a aparecer novos fenómenos muito curiosos. As pessoas mudaram e mudaram a forma como veem o trabalho.

E isso também pode mudar a forma como estão descontentes com o trabalho…

Claro. Cria novas situações e novos problemas. Veja-se a América, que está neste momento a ser atravessada por greves. Não são os velhos sindicatos que tinham acabado há 30 anos. São dos novos quadros. O número de gente que se despediu dos McDonald’s deste mundo… que não querem trabalhar com baixíssimos salários, explorados diariamente, sem horários nem garantias, não querem. Portanto, despediram-se e foram procurar outra coisa, é um fenómeno muito curioso que agora está no Canadá, está um pouco por todo o lado, e vai chegar cá. Os novos proletários são os miúdos que atravessam as cidades de bicicleta, sem contrato, sem horas de trabalho, diariamente, a entregar os Uber Eats deste mundo. 

Mas os comunistas não têm sabido adaptar-se a esses novos problemas?

Não têm nada a ver com isso. Comunistas já só há em Portugal…

Portanto, partilha essa ideia de que o PCP, de alguma forma, é dos últimos na Europa ainda com uma mentalidade soviética?

É… é o nosso atraso. É o atraso português, parecemos uma espécie de Museu, ainda temos um partido comunista para mostrar ao mundo. Agora já pequenino, com a direita toda a gostar muito deles e a dizer que são muito simpáticos, queridos e presentes na Comunicação Social… Quer dizer, isto já não existe, não tem nada a ver com o mundo atual.

E foi isso que levou à sua ‘morte’, como pronunciou há pouco?

Claro. 

Por terem saído das ruas?

Mas não tem nada a ver com sair das ruas. E não terem nada a ver com o mundo hoje, que não é marxista nem leninista. Não tem um plano de coletivização dos meios de produção. Embora a influência do Partido Comunista, ou da ideologia comunista radical de esquerda, em Portugal tem muita força. Ainda temos um Serviço Nacional de Saúde, um Ensino onde não há liberdade de escolha nem nenhuma maleabilidade… ainda estamos baixo uma herança comunista que, ou o Partido Socialista se liberta, ou o nosso país fica mais atrasado. Até porque basta olhar para os países que se libertaram, em que essa ideologia era poder e hoje integram a Europa e nos estão todos a ultrapassar.

Há quem diga que os extremos se tocam. No Alentejo, o Chega tem crescido exponencialmente. O que leva a que estas populações mudem de uma ponta para a outra em poucos anos? É o tal descontentamento?

Também mudou a geração. Hoje, são os filhos e os netos daqueles que fizeram a reforma agrária, que lutaram contra os latifundiários, e que foi muito importante a luta que travaram na altura… o Alentejo teve uma geração muito explorada, as pessoas eram tratadas, no tempo do antigo regime, de uma forma absolutamente lamentável, sem nenhum direito, nem nada. Essa geração agora acabou, e hoje são outras. Há uma Universidade em Évora, há gente nova no Alentejo, há gente a investir imenso na agricultura… O Alentejo até de paisagem mudou.

Há toda uma nova geração que não tem a ver com o PCP. Provavelmente respeita os avós e a luta que travaram, como eu respeito, também fiz parte dessa luta e gosto que seja respeitada… mas isso é o passado, hoje não tem nada a ver com isso. Já lá vai o tempo em que atravessávamos o Alentejo e víamos as terras todas por cultivar, e depois chegávamos a Espanha e estava tudo cheio de azeite e laranjas, e tínhamos um grande sentimento de frustração e pensávamos «Quando é que este país faz o mesmo».

O PCP pode chegar mesmo a desaparecer do Parlamento?

Sim. Claro. São outros fenómenos hoje. Os radicalismos de esquerda não estão aí, estão noutros fenómenos que atraem os jovens também em muitos casos. Alguns estão dentro, como disse e insisto, do próprio Partido Socialista.

Essa ala mais radical pode criar algum atrito interno nessa maioria absoluta socialista?

Essa ala mais radical estava a pressionar muito António Costa, e acho que esse foi um dos motivos pelos quais ele forçou as eleições. Mais medo do que do Bloco e do PCP ele tinha da sua própria ala radical. Estou curiosa para ver a composição do Governo para perceber até que ponto é capaz de avançar uma perspetiva que eu acho que é aquilo que ele quererá… uma perspetiva mais europeia que, no fim destes anos de governação, lhe permita sair para um lugar europeu. Ou, pelo contrário, uma cedência a radicalismos estatizantes que nos levam para uma situação económica dramática.

Aliás, nós temos, neste momento, uma situação económica dramática em Portugal. A inflação a chegar, as taxas de juro, estamos endividados… e ninguém fala disso. Está tudo à espera que o turismo volte e tape tudo. Mas o turismo não resolve tudo, e era importante que se percebesse que o turismo vai e vem, como aconteceu agora com a pandemia… estar só dependente do turismo não nos leva a crescimento como nós precisamos de ter em Portugal e em todo o Sul da Europa.

Fora o ‘Super Mario’, está o Sul da Europa a cair nisso então?

Isto leva a uma situação curiosa também, que é outro caso que me parece curioso. Em França, aconteceu o mesmo com Macron. Neste momento, a esquerda não tem nenhum candidato à Presidência da República. O candidato com mais votos é Mélenchon e a seguir a Hidalgo, mas não chegam sequer aos 7% nas sondagens. À direita, há três candidatos fortes.

Portanto, estamos a perceber que há uma reorganização da Direita, porque as pessoas estão cansadas. A França está em decadência e eu tenho pena. Nos números da economia, no desenvolvimento, em tudo, até na cultura. Vamos ver o que é que acontece nas eleições, qual dos três candidatos vai à segunda volta com Macron, e, se tiverem algum bom senso, há a hipótese de Macron perder.

Então, diga-me: o CDS morreu, o PCP morreu, o PSD morreu, quem é que continua vivo na política portuguesa?

O Partido Socialista, que ganhou a maioria absoluta, o Iniciativa Liberal e o Chega. São os partidos, neste momento, determinantes. O PSD vai demorar um tempo, é preciso que rapidamente mude de líder. A pior coisa que aconteceu ao PSD foi esta incapacidade de aproveitar os bons quadros que tem, um deles até é presidente da Câmara de Lisboa neste momento, Carlos Moedas. Mas teve, no tempo de Passos Coelho, em que conseguiu pôr o país a crescer e a acompanhar aquilo que se estava a passar no mundo.

Hoje o PSD vai ter um Grupo Parlamentar… eu não conheço a maior parte das pessoas que lá estão, mas tenho muita pena que muitos dos quadros de 30-40 anos do PSD não estejam lá, porque tinha as condições para ter um magnífico Grupo Parlamentar e não vai ter. E o CDS morreu também. Isto foi um terramoto em que nos próximos quatro anos o PS vai governar e vai ter como oposição fundamental os liberais e o Chega, isso é óbvio.

O CDS morreu e com ele a Direita tradicional no hemiciclo?

No hemiciclo sim, a Direita tradicional era constituída pelo CDS e pelo PSD. E morreu porque não foi capaz de fazer oposição. Sempre com a ideia de que era preciso governar ao centro… esta ideia do centro, que é uma ideia, para mim, que nasceu com o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa teve sempre a tese de governar ao centro, que é uma ideia para mim muito reacionária. Não é conservadora, é muito reacionária, porque governar ao centro não é nada. Não é assim que as democracias liberais prosperam. Portanto, toda a tentativa do CDS e do PSD de governar ao centro teve este resultado que está á vista. E o PS não quis governar ao centro, quis governar com as suas próprias propostas. Espero que, pelo menos, se impeça a regionalização.

Não é fã dessa proposta?

Só nos faltava isso. Nós somos um país pequenino, não precisamos de mais gente no Estado. Chega. Aqui o Chega não quer dizer o partido. [risos] Nós temos é de diminuir o Estado. Temos de libertar a sociedade portuguesa desta enorme dependência que tem do Estado. Se não, ficamos calmamente só à espera do turismo e vamos servir pequenos-almoços e algumas comidas gourmet aos turistas que nos visitam.

Como se foi caindo nesta dependência do Estado?

É simples, não fomos capazes de nos desenvolver economicamente. A geringonça era isso mesmo, as suas grandes bandeiras foram sempre o Estado estar em todo o lado. Dou-lhe um exemplo: há pouco, estava a ler algo sobre a Caixa Geral de Depósitos. Só faz sentido ser um banco do Estado se ajudar os idosos, se servir para ajudar os velhos que estão em Portugal e cuja reforma depende do Estado, e não criar taxas aos idosos. A maior parte das pessoas de mais de 80 anos vive num lar fechado. Foi uma brutal imagem que ficou da pandemia, e, ou o Estado serve para isso, ou então não faz sentido nenhum. Então, privatize-se a CGD, que custa muito caro.

A questão da demografia é um problema também…

Os jovens estão a emigrar, e agora foi terrível porque não os deixaram votar. Foi uma vergonha o que se passou com a votação da emigração. Isto é tudo um grande disparate e desrespeito absoluto pelos jovens que estão fora a ganhar a sua vida. Há dois desafios para este Governo fundamentais, e um deles é tratar os idosos. O abandono em que as pessoas ficaram durante a pandemia, fechados em lares, sem ninguém que os visitasse, abandonados à sua sorte, foi uma imagem absolutamente dramática do que é Portugal. Acho que é inesquecível, essa imagem tem de nos ficar na memória. Foram meses de pessoas sem ser visitadas por ninguém. Esta capacidade de tratar dos velhos é muito importante, mas é preciso também tomar medidas para aumentar a demografia.

O IL tocou num ponto fundamental – lá está, uma bolha que depois toda a gente pegou – que foi a questão do salário médio. A Esquerda, armada sempre em Pai Natal… António Costa é o Pai Natal-mor, e passamos o ano inteiro a prometer coisas para aqui e para acolá. Tudo, menos aquilo que é fundamental fazer-se, que é pôr o país a crescer economicamente e a desenvolver-se, permitindo que os quadros não saiam.

Os enfermeiros estão todos a ir embora, os médicos jovens também… qualquer dia, o país todo é um lar de velhos com os netos todos fora. É preciso tomar medidas para aumentar o salário médio, para pôr as empresas a produzir. Conheço uma série de jovens quadros na área das tecnologias que criam uma empresa na Roménia, ou na Albânia, porque lá pagam menos impostos, e trabalham a partir de Portugal no seu computador.

Uma das coisas que também veio com a pandemia. O teletrabalho tem esse poder de mudar o panorama económico?

Isto, hoje, é uma realidade. Estão muitos jovens a fazer isso, a trabalhar em qualquer casa simpática… até porque os jovens também descobriram que é bom ter casa e comer bem.

Mas é difícil para um jovem ter uma casa em Portugal…

Se criar uma empresa e tiver a sede na Roménia, na Albânia ou na Estónia, não é assim tão difícil. Eles arranjam soluções. É preciso é estar atento ao que se está a passar e ser capaz de libertar o país… não sei se o Partido Socialista é capaz de fazer isto. Vamos assistir a um agudizar de todas estas situações, porque o PS não é capaz de não ter uma conceção socialista e estatizante da vida portuguesa. Tem muitos boys, muito Estado, e pensam logo em lugares como aconteceu agora com o vereador sem pelouros da Câmara Municipal de Lisboa.

Não demorou muito até haver uma polémica…

Claro, e vão haver mais. Só nos faltava com a regionalização ir meter mais gente no Estado… Não é nada disso que é preciso para desenvolver o interior, é o contrário. É preciso que o jovem que monta uma empresa na Roménia para pagar menos impostos, possa fazer isso em Portugal e crie a empresa em Bragança para pagar menos impostos. E que não venha a correr a extrema-esquerda dizer que são fascistas exploradores.

Mas como é que se vira esse estatismo? Com maioria absoluta socialista, não se prevê que nos próximos quatro anos isso se altere… é possível que a legislatura não chegue ao fim?

Não sei se chega ao fim ou não. Sei é que os problemas, se continuarmos neste caminho, se vão agudizar, e vamos gastar o dinheiro que vem da Europa e ficar mais longe dos europeus, apenas vendendo sol e mar.

E servindo pequenos-almoços…

Exatamente. Se formos por esse caminho, tudo se vai agravar. Espero que rapidamente Espanha e França saiam dessa situação, porque isso depois empurra Portugal. Podemos ir em último mas somos empurrados. Aliás, hoje, há muitos portugueses, quadros que saem das universidades ou das empresas tecnológicas  que vão para Madrid, e daí partem para o mundo. Há uma coisa muito importante. O PS pode ter maioria absoluta, mas, aqui usando uma famosa expressão de Lenine: Os portugueses também sabem votar com os pés, ou seja, ir embora.

Isso já se tornou quase uma ‘sina’ portuguesa… está romantizada esta ideia de pegar na mochila e ir para França procurar uma vida melhor. O que tem sempre levado os portugueses a ter de emigrar?

Há uma diferença, é que nos anos 60, os portugueses partiam a pé, sem sapatos. Ainda me lembro de como era a monte, e chegavam a França sem saber uma palavra de francês e conseguiam sobreviver e fazer uma vida. Hoje, Portugal é o mundo, os jovens são do mundo, e não há essa noção fronteiriça que havia até há 40 ou 50 anos atrás, e isso faz toda a diferença. O mundo mudou. Nos anos 60 era grande, agora é pequeno.

Há pouco falávamos da ‘morte’ do PSD… Rui Rio já anunciou a sua demissão…

Mas é por isso que rapidamente a questão se resolva, que não se arraste no tempo.

Mas há algum dos candidatos de que goste mais? Montenegro, Pinto Luz, Moreira da Silva, Rangel?

Eu sou amiga de vários deles. O Montenegro foi líder parlamentar no tempo do Passos Coelho e foi um bom líder parlamentar. Qualquer um deles. [risos] Porque mudam de geração. Para mim, o fundamental é mudar de geração. O PSD conseguir ter alguém que vá buscar gente jovem, que estão um pouco por todo o lado e que, neste momento, estão de costas viradas para o PSD. É uma pena as pessoas que se perderam nisto. Eu acho que alguém que congregue seria importante, sob pena de que o PSD, se não for assim, não sobreviva.

Estaria aqui um caminho aberto para um eventual regresso de Passos Coelho?

Passos Coelho seria um excelente líder para o PSD, talvez o melhor de todos para regressar rapidamente porque exatamente ele fez isso em Portugal. Depois do que ele fez, só se têm feito disparates. Por exemplo, com a TAP. Quer melhor exemplo?

O Governo de Passos Coelho privatizou a TAP, o Partido Socialista chegou mais o Bloco e nacionalizaram a TAP, e agora estamos com a TAP nas mãos a gastar milhões para nada. Eu editei recentemente um livro do Carlos Guimarães Pinto chamado Milhões a Voar, sobre o caso TAP, e é um estudo muito interessante a mostrar os números, o disparate que foi feito. Acho que Passos Coelho é uma boa memória, foi um dos grandes quadros da sua geração. 

Falando do fim da Direita tradicional no hemiciclo… no tema, por exemplo, da eutanásia, sem o CDS no Parlamento, quem representará os portugueses que são contra a eutanásia e acreditam nos valores da vida?

A eutanásia é, na minha opinião, e aqui eu cito um grande artigo do Michel Houellebecq, de quem gosto muito, no Figaro, dizendo que um país que aprova a eutanásia é um país que não pode olhar para si próprio. O Parlamento português aprovar uma lei da eutanásia quando os velhos estavam metidos em lares a morrer com a pandemia foi uma coisa horrível, mas foi o retrato do que é o país. Há uma Direita que não é capaz de, nestas questões que marcaram durante muito tempo a agenda política com o Bloco, fazer frente. A eutanásia foi uma coisa horrorosa.

Tínhamos imagens terríveis do que se estava a passar no país, nos lares, que foram – e são, ficou foi à vista – depósitos de pessoas cuja família em muitos casos abandonou e nem sequer teve a preocupação de ir visitar. Não há ninguém que goste de morrer, a morte é sempre uma coisa que nós afastamos da vista. Ninguém quer encurtar a vida. Houellebecq diz isso no seu artigo: hoje a dor física não é um problema. Desde a Primeira Guerra, quando foi desenvolvida a morfina, que a dor começou a ter solução. A dor moral, essa sim, a sensação de abandono, depressão, solidão, essa sim é uma dor sem limite.

É essa que muitas vezes leva ao desespero que pode levar a alguém a querer a eutanásia. Ou o abuso da eutanásia, a que estamos a assistir em países onde foi legalizada, como a Holanda e outros. «Faz falta uma cama num lar? Está ali uma pessoa que tem 90 e tal anos, que não tem ninguém que a acompanhe, vamos libertar essa cama». Isto é sinistro.

Sem o CDS no Parlamento, quem é que fica para defender essa posição? É o Chega que vai assumir esse papel?

Não sei se o Chega chega. [risos] O IL tem em relação aos costumes posições, como na eutanásia, das quais eu não gosto e não assino por baixo. Mas o PSD tem responsabilidades nesta área, e espero que seja capaz de, no fundo, herdar a herança judaico-cristã que fez da Europa Ocidental aquilo que hoje é, ainda, e que leva muita gente em todo o mundo a querer viver nela. Se não conseguir fazê-lo, não vai ser durante muito tempo esse modelo.

Mas mesmo o PSD numa das votações teve uma parte da bancada que votou a favor da aprovação…

É por isso que eu digo que espero que o PSD volte à sua tradição judaico-cristã que deixou a sua marca em matéria de valores e da defesa da sociedade Ocidental. O PSD foi assim no tempo de Sá Carneiro, de Cavaco Silva, Passos Coelho. Em Portugal, eu acho isto curioso: tivemos três primeiros-ministros que tiveram a morte dramática com uma doença terminal das suas mulheres. Todos foram exemplares.

Passos Coelho foi com Laura, António Guterres com Luísa, que morreu ao fim de uma doença terminal, mas sempre acompanhada pelo seu marido, apesar do tempo que isso lhe levava como primeiro-ministro. Mas também Durão Barroso. Estes são exemplos de três políticos que foram exemplares e que nunca disseram «O melhor é resolver isto com eutanásia e acabou o sofrimento».

Portugal deve-se orgulhar dos três neste aspeto. A mim, pessoalmente, alegra-me um país que tenha tido três primeiros-ministros que viveram estas situações com uma grande ética e capacidade… provavelmente com muita dor, e alguns conheci de muito perto, mas que foram capazes de ultrapassar. Esses para mim são os exemplos, e não quem vai à eutanásia.

Com os debates televisivos prévios às legislativas fez-se muito esta comparação: muita gente diz que já não há figuras políticas como há algumas décadas, como Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal… concorda com essa comparação? Tem havido declínio na qualidade dos políticos?

Não. Há muitos bons políticos em Portugal, e políticos fracos, como em todo o lado. A questão é: está a Europa em declínio porque não tem líderes à altura, ou não está? Quem são os grandes políticos que marcam a Europa e que nos podem servir de exemplo para que não desapareça do mapa? A única coisa que os políticos europeus neste momento fazem, por exemplo, é uma guerra enorme aos ingleses.

Estão furiosos de eles terem saído da Europa e terem dito que já não lhes interessa porque já não tem ninguém interessante. Se a Europa não for capaz de encontrar esses líderes políticos capazes de a tirar deste declínio, isso vai acontecer. Então sim. Se a Europa conseguir encontrar alguns – não são precisos muitos – líderes políticos à altura deste desafio europeu… para dizer a verdade, neste momento não me parece que tenha muitos.

Há pouco falava de Mario Draghi…

Draghi tem 74 anos. [risos] É da velha geração, não é o exemplo ideal. Macron esteve á altura? Eu tenho dúvidas que tenha estado. Nalguns aspetos até esteve, mas não conseguiu tirar a França do declínio nem a Europa. A Alemanha está em declínio… há 50 anos que está a fazer os mesmos Mercedes. A senhora Merkel deixou uma herança terrível. Mas acho que as democracias liberais encontram sempre os seus líderes. Passa por momentos assim mas depois aparecem.

A Europa tem fantásticas mulheres. Há pouco falei de duas aqui em Espanha. Em França apareceu a Valérie Pécresse, vamos ver se é ela que passa à segunda volta ou não, mas há uma série de mulheres que estão a aparecer e que dão essa frescura e essa novidade à Europa.