Em crónica anterior, contei como eu e o meu irmão mais velho, António Manuel, deixámos de dizer palavrões. Quando tal aconteceu, ele teria 17 e eu 13 anos. A partir dessa altura desabituámo-nos por completo de o fazer, mesmo em locais onde isso era comum.
De facto, naquela época, os palavrões ferviam entre os rapazes – e, nos ambientes masculinos (como a tropa ou o futebol), em cinco palavras diziam-se três palavrões. É certo que neste particular o país não progrediu grande coisa. A situação hoje não é muito melhor. Pelo contrário: o uso dos palavrões alastrou ao ‘sexo fraco’, que os integrou na linguagem corrente e os diz com a maior naturalidade.
Tratou-se de uma consequência (pouco edificante) da procura da igualdade entre os sexos…
Hoje trago a esta coluna um tema que, de certo modo, se liga com o anterior. Refiro-me à ‘verdade’. Ao modo como lidamos com a verdade e a mentira.
Eu e o António Manuel fazíamos quatro anos de diferença, mas tínhamos um irmão muito mais novo, o Pedro. Tinha menos 10 anos do que eu. Ora, como o nosso pai estava exilado no estrangeiro e a minha mãe era professora e passava muito tempo fora de casa, fomos nós que assumimos em boa parte a sua educação.
E esta responsabilidade obrigou-nos a várias coisas, designadamente a dar-lhe bons exemplos. Ora, um deles era não dizermos mentiras.
Seguimos isso à risca. Mas como levar uma criança a não o fazer?
A mentira, por assim dizer, é natural na espécie humana. Quando alguém se sente acossado, o instinto de sobrevivência leva-o a tentar safar-se seja de que maneira for. E isto tanto vale para os atos como para as palavras… Não é natural um indivíduo dizer espontaneamente qualquer coisa que o incrimine.
A verdade é, pois, um produto da educação.
Nesse sentido, adotámos em relação ao Pedro uma estratégia que nos pareceu a mais inteligente: mesmo quando suspeitávamos que ele não estava a falar verdade, fingíamos acreditar. Nunca lhe dizíamos: «Não mintas! Diz lá a verdade!». A ideia era responsabilizá-lo. Levá-lo a confrontar-se com a sua consciência. E resultou em cheio: aconteceu dizer-nos num dia uma coisa e, tempo depois, vir confessar-nos: «Eu disse aquilo, mas era mentira…».
O Pedro habituou-se a falar sempre verdade, mesmo quando a verdade o culpabilizava e ele sabia que iria ser castigado por isso.
Posso dizer, sem grande receio de errar, que a mentira foi praticamente erradicada de nossa casa.
Depois da ‘experiência’ com o Pedro, adotei com os meus filhos o mesmo princípio. Nunca lhes disse que não acreditava no que me diziam. Mesmo quando tinha a certeza de que não falavam verdade, fingia que acreditava. E também aconteceu virem-me dizer mais tarde: «Ó pai, eu disse-te aquilo mas não era verdade…». Tal e qual como acontecera com o Pedro! E esse arrependimento levou-os a não quererem repetir a situação.
E com os meus netos também já se passou o mesmo.
Assim, incomoda-me muito ver um pai ou outro familiar dizer a uma criança: «Não mintas! Não digas mentiras! Diz a verdade!».
Quando uma criança sente que um adulto não acredita nela, a sua tendência será para o tentar enganar sempre que puder. «Já que não acreditas em mim, eu vou mesmo enganar-te…» – é o que a criança instintivamente pensará. E entre a criança e o adulto estabelecer-se-á uma indesejável relação de desconfiança.
Por isso, apelo a todos os pais e avós: nunca digam aos vossos filhos ou netos que não acreditam neles. Finjam que confiam na sua palavra. Deixem que sejam eles a arrepender-se por terem mentido. Que sejam eles a ficar com esse peso na consciência – ou a assumirem-no abertamente. Essa é a melhor pedagogia para se tornarem pessoas verdadeiras.
Os bons comportamentos devem resultar de uma consciência assumida interiormente e não do medo da repressão. Se forem assumidos, ficarão para sempre; se resultarem do medo, serão subvertidos sempre que este se desvaneça.
Resta-me dizer que a verdade é quase sempre o melhor caminho para tudo. «Que explicação devo dar a tal pessoa por ter feito isto?» – perguntam-me às vezes. E eu respondo: «Diga a verdade».
Quando falamos verdade, mesmo que nos comprometa, a outra pessoa percebe que fomos sinceros e tenderá a aceitar.
Pelo contrário, quando arranjamos uma falsa ‘desculpa’, o outro muito provavelmente não acreditará, pelo que a desculpa não servirá de nada. E além disso passaremos por mentirosos.
Em suma: a mentira, além de reprovável, em geral não compensa.