Falências à vista na banca após bloqueio do sistema de pagamentos SWIFT

O Sberbank, com ativos de mais de 400 mil milhões de euros, é o primeiro a sentir esta ameaça, mas analistas contactados pelo i admitem que cenário de falência poderá repetir-se noutras instituições. Também o setor petrolífero russo já está a sofrer um verdadeiro abanão. Primeiro foi a BP a anunciar saída, depois a Equinor…

A banca russa já está a tremer com o bloqueio da Rússia ao sistema de pagamentos internacional SWIFT – serviço que permite que as instituições financeiras troquem de forma rápida e eficiente as mensagens eletrónicas necessárias para levar a cabo transferências bancárias ou ordens de pagamento. E um dos que já mostra sinais de fraqueza é o Sberbank Europe AG, na Áustria, e as suas subsidiárias na Croácia e na Eslovénia, que, de acordo com o Banco Central Europeu (BCE), estão em falência iminente ou já estão mesmo insolventes. 

Segundo o organismo liderado por Christine Lagarde, os próximos passos dependem do Mecanismo Único de Resolução, afastando, no entanto, que não há medidas que possam salvar estas entidades no espaço europeu. Recorde-se que o Sberbank Europe AG é detido na totalidade pelo Sberbank da Rússia, que pertence ao Estado russo, que conta com ativos de mais de 400 mil milhões de euros e mais de 280 mil trabalhadores. Para já, há apenas uma garantia: só os depósitos até 100 mil é que estão garantidos, tal como se verifica em qualquer outra situação de falência de uma banco.

Uma situação que não surpreende os analistas contactados pelo i. Para Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, a perceção de risco em relação aos bancos é cada vez maior, nomeadamente com o bloqueio ao SWIFT aos principais bancos russo. E, face a esse cenário, admite que “poderemos assistir a situações de bank run [corrida aos bancos] em filiais de bancos russos na Europa, impulsionadas pelas dificuldades de liquidez em satisfazer todos os levantamentos de depósitos, num regime de reservas fracionárias, ademais pressionado pela inibição a plataformas de pagamentos internacionais”.

O responsável admite que a situação poderá “apertar” ainda mais se aumentar a perceção de dificuldades nos bancos russos, uma vez que é provável que os seus clientes tentem resgatar os seus depósitos. Ainda assim, lembra que a moeda russa, o rublo, que iniciou o dia de ontem a cair cerca de 30% – seria necessário 110 rublos para comprar um dólar americano – foi durante o dia recuperando parte das perdas e o câmbio é de 95 rublo por cada dólar.

Também Henrique Tomé, analista da XTB, frisa que o Sberbank está numa situação sensível e acena com hipótese de falência caso a situação se prolongar no tempo. E vai mais longe: “O sistema financeiro russo tem um grande dependência do exterior e esta medida prejudica em grande escala a banca e o setor financeiro do país, podendo alastrar-se esta situação para outras instituições”.

Em relação às outras instituições financeiras, o analista afirma que tudo dependerá de quanto tempo é que esta situação se irá manter, mas reconhece que, “se durar demasiado tempo, pode levar à insolvência de outros bancos”. 
Uma opinião partilhada por Mário Martins, membro do conselho de administração da corretora ActivTrades, ao defender que esta situação de fragilidade já era de esperar, uma vez que o braço europeu do banco estatal russo Sberbank estava dependente da casa mãe, que está hoje sobre forte pressão, devido às sanções impostas pelos EUA, UE e de vários outros países. 

E afirma que as consequências poderão não ficar por aqui. “O sistema bancário não sobrevive com a desconfiança, algo que domina neste momento no sistema bancário russo, tendo levado a uma ‘corrida’ a vários bancos, nomeadamente na procura por divisas estrangeiras, o que ajudou a afundar o rublo”. O mesmo é garantido pelo gestor do Banco BiG Steven Santos, que reforça que a falta de confiança levou a uma corrida dos depósitos, uma situação que acaba por criar dificuldades de liquidez. 

Petrolíferas desinvestem Mas as baixas não ficam por aqui. Depois de a britânica BP ter anunciado no domingo que iria sair do capital da russa Rosneft, onde detinha uma participação de 19,75%, ontem foi a vez da norueguesa Equinor seguir os mesmos passos. A Equinor, que é propriedade a 67% do Estado norueguês, tinha 1,2 mil milhões de dólares (cerca de mil milhões de euros) de ativos na Rússia no final de 2021, onde tem uma parceria, desde 2012, com o grupo petrolífero Rosneft, mas o gigante energético anunciou que iria deixar de investir na Rússia e retirar-se das joint-venture no país, em resposta à invasão da Ucrânia pelos militares russos.

Poucas horas depois foi a vez da Shell, gigante anglo-holandesa, revelar que vai vender as suas participações nas joint-ventures com a Gazprom, gigante energética russa controlada pelo Estado, incluindo uma posição de 27,5% numa fábrica de gás natural liquefeito. E o impacto não fica por aqui. A petrolífera pretende ainda acabar com o seu envolvimento no Nord Stream 2, o gasoduto que ligará a Rússia à Alemanha, dos quais foi um dos financiadores. Isto depois de o Governo alemão ter revelado que já tinha suspendido o projeto. A decisão deverá refletir-se negativamente nas contas da Shell, com as parcerias com a Gazprom avaliadas em cerca de três mil milhões de dólares.

Mais uma situação que não surpreende os analistas. Paulo Rosa considera que, no caso da BP, o impacto desta saída será provavelmente duradouro. As contas são simples, explica o responsável, a Rosneft respondeu por quase um quinto dos lucros de 12,8 mil milhões de dólares da BP em 2021, no seu último conjunto de resultados anuais, contribuindo com cerca de 2,7 mil milhões de dólares. É certo que a petrolífera britânica quando anunciou esta decisão admitiu que irá ter um “impacto material” nas suas contas do primeiro trimestre de 2022, que serão apresentadas ao mercado em maio.

Também para Henrique Tomé não há margem para dúvidas: as consequências são vastas. “Primeiro, mancham a imagem da empresa aos olhos dos mercados internacionais e de certeza que prejudicará na captação de capital de novos investidores. Além disso, as consequências financeiras também são significativas”, refere ao i.

E, para aquele responsável, a BP deu um passo importante e poderá encorajar outras grandes multinacionais a tomarem medidas semelhantes. Exemplo disso é o que se passa com a multinacional francesa Total, que também tem uma grande participação na Novatek, o segundo maior produtor russo de gás natural, “e começam a surgir rumores de que a empresa poderá seguir os mesmos passos que a BP”.

Já Mário Martins acredita que tudo dependerá da forma como vai ocorrer essa saída, que, no seu entender, “na prática, pouco muda no panorama global, mas é um passo importante para isolar Putin, através da pressão sobre as principais empresas russas”. No entanto, reconhece que estas saídas têm “sido uma avalanche de distanciamentos em todos os setores da sociedade, desde o desporto, à economia e até mesmo no lóbi político, algo que deverá continuar enquanto se mantiver a incursão militar russa na Ucrânia”.

Em contraciclo está a Arábia Saudita, que já veio reafirmar o seu compromisso com a Rússia na OPEP+. E aqui a opinião é unânime junto dos analistas contactados pelo i: “É de todo o interesse da Rússia manter os níveis de produção de petróleo em linha com as metas estabelecidas pela OPEP, sobretudo nesta altura em que as sanções continuam a aumentar sobre a economia russa”.

E acrescentam ainda que “para já todos têm interesse em que o mercado do petróleo se mantenha o mais estável possível, uma guerra interna entre os membros da OPEP+ só iriam agravar o preço do petróleo no curto e médio prazo”.

É certo que poderá haver novidades na próxima quarta-feira, já que haverá reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo.