Um pouco por todo o mundo, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra as ações do Governo russo, e Portugal não foi exceção. Em Lisboa, frente à Embaixada da Federação Russa, os manifestantes – ucranianos, portugueses, e não só – exigiram o fim da invasão russa da Ucrânia, apelando à paz e ao diálogo.
No local, rapidamente se identificaram várias figuras políticas: desde João Cotrim Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal (IL), até Inês Sousa Real, porta-voz do PAN. Alexandre Poço e Francisco Camacho, respetivos líderes da JSD e da JP, estiveram também presentes na manifestação, onde Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, não faltou à chamada, bem como Rui Tavares, do Livre.
De uma forma geral, a maior parte das forças políticas do país esteve presente nestas manifestações para condenar a violência na Ucrânia. Ainda assim, estiveram sempre estes partidos tão veemente contra o Presidente russo e as suas decisões relativamente ao país vizinho?
Desde a declaração de independência unilateral das regiões de Donetsk e Lugansk por parte do Governo russo até às movimentações militares nas próprias fronteiras com a Ucrânia – tanto do lado russo como do lado bielorrusso – o que não faltavam eram sinais de que os dois países estariam à beira de entrar num conflito armado.
Procurando fortalecer a economia ucraniana e, assim, a sua situação geopolítica, foi proposto na Comissão Europeia (CE), no início deste mês, um pacote de Apoio Macrofinanceiro de Emergência (MFA), no valor de 1,2 mil milhões de euros, que procurava “reforçar a estabilidade macroeconómica e a resiliência global da Ucrânia no contexto criado pelo aumento acentuado da incerteza geopolítica e do seu impacto na situação económica”.
A proposta acabou por ser aprovada, mas não sem alguma hesitação por parte dos eurodeputados portugueses da Esquerda. José Gusmão e Marisa Matias, do BE, abstiveram-se na votação desta proposta, e os comunistas Sandra Pereira e João Pimenta Lopes votaram contra.
José Gusmão tem partilhado, nos últimos dias, vários apelos à paz na Ucrânia, condenando a violência no país e marcando mesmo presença na manifestação do passado domingo. No Twitter, quando questionado sobre o porquê de se ter abstido na votação deste pacote de apoio à Ucrânia, o eurodeputado respondeu: “O pacote de assistência financeira, que defendemos, vinha com a habitual condicionalidade à qual sempre nos opusemos. Por isso nos abstivemos.” Uma resposta que vai de mãos dadas com a justificação de voto publicada nas plataformas oficiais da CE, onde acusam “os condicionalismos neoliberais destes mecanismos de assistência macroeconómica”, argumentando: “A assistência financeira da UE por via do MFA é complementar ao de instituições internacionais, como o FMI. As condicionalidades macroeconómicas estão nos acordos do FMI e são reafirmadas no memorando de entendimento com a UE.”
O BE tem feito bandeira, nos últimos dias, da condenação da violência na Ucrânia, marcando presença em peso na manifestação do passado domingo, e levando a sua coordenadora, Catarina Martins, a apelar à UE para aplicar sanções duras contra a invasão, “doam elas à oligarquia russa ou a interesses ocidentais”, como a mesma explicou numa publicação no Twitter.
Se é certo que os bloquistas têm condenado a violência na Ucrânia e o imperialismo de Vladimir Putin, o partido tem levado avante também uma extensa campanha, iniciada semanas antes da invasão da Ucrânia, acusando o Ocidente de “precipitar o evitável”. Ao mesmo tempo que o BE condena Putin e as suas ações, não deixa de o fazer sem acusar os EUA e a NATO de serem as influências por trás dessas ações.
“Enquanto a Rússia (e as autoridades ucranianas) continuam a afastar a hipótese de uma invasão, os porta-vozes do Ocidente parecem querer precipitar o evitável. O responsável pela Defesa dos EUA anunciou uma invasão iminente, o primeiro-ministro britânico mencionou, sem provas, a existência de agitadores russos na Ucrânia e o Presidente Biden quis competir com Putin em arrogância e temeridade”, acusava Mariana Mortágua, num artigo de opinião no Jornal de Notícias, a 15 de fevereiro.
Ainda assim, a condenação às ações de Putin não é homogénea dentro do BE. Na Assembleia Municipal de Setúbal, a 25 de fevereiro, os bloquistas juntaram-se aos comunistas no voto contra a uma moção apresentada pelo IL que condenava a “agressão russa” à “soberania da Ucrânia”. Pedro Guerreiro, deputado municipal único do BE, argumentou que o seu partido também considera que a invasão russa da Ucrânia é “uma afronta para a democracia e para a paz mundial”, mas o facto de “misturar-se PIB per capita com paz” tê-lo-á levado a votar contra.
PCP ‘corrige’ A 22 de fevereiro, dois dias antes do arranque da invasão russa na Ucrânia, o PCP publicava um comunicado dando conta da sua visão do conflito, e acusando, principalmente, as “décadas de política de tensão e crescente confrontação dos EUA e da NATO contra a Federação Russa”. Os comunistas não condenaram inequivocamente Vladimir Putin pelas suas ações na Ucrânia – mesmo quando incentivados diretamente por Augusto Santos Silva, no plenário – e têm, ao longo dos últimos dias, apelado ao fim da guerra, preferindo a via diplomática.
A polémica continua, ainda assim, girando em torno do ex-deputado comunista Miguel Tiago e de um polémico tweet. Nessa rede social, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, revelou ter falado com Marcelo Rebelo de Sousa, agradecendo-lhe o apoio. Nessa mesma publicação, Miguel Tiago deixou um comentário, que lia “Não em meu nome.” A resposta gerou polémica e o comunista acabou por apagar a mensagem minutos depois, gerando uma onda ainda maior de retaliação por parte dos internautas.
Hostilidade unificadora Sobre a evolução dos discursos tanto do BlE como do PCP, o politólogo João Pereira Coutinho opina que os dois partidos “partem do pressuposto que ainda estamos a viver em 1956, ou em 1968 quando os soviéticos invadiam outros territórios e era possível justificar certas condutas porque não havia o grau de informação nem conhecimento que existe hoje”.
Ao i, Pereira Coutinho é taxativo: “O que une o PCP e o BE é uma hostilidade ao Ocidente, à democracia e ao pluralismo, que, neste contexto trágico que estamos a viver, voltou a vir à tona.”
Ainda assim, encontra uma diferença no discurso dos dois partidos. O Bloco, argumenta, “foi mais rápido que o PCP a tentar sair do buraco”. “O PCP não só não foi capaz de sair do buraco, como foi cavando vários buracos. Depois de condenar o Ocidente, a NATO e os EUA, defendendo Vladimir Putin, sem se aperceber que Putin é uma das referências da direita radical atual, o PCP só condenou Putin devido às críticas que ele fez a Lenine”, acusa o politólogo, disparando:
“Eu compreendo que o PCP tenha afirmado que, no fundo, todos são culpados, porque isso é a típica atitude de quem não percebe o que está em causa, nunca percebeu, e dificilmente irá perceber.”
PSD na retranca Não só à esquerda as posições perante o conflito armado na Ucrânia são, no entanto,… conflituosas. Rui Rio, líder do PSD, manteve um pé dentro e um fora relativamente aos pacotes de sanções a aplicar à Rússia. Depois de ter condenado a invasão russa da Ucrânia, Rio alertava a Europa para os possíveis efeitos contrários dos pacotes de sanções aplicados à Federação Russa.
“Podemos estar a destruir bastante da economia russa. Temos de medir exatamente o que é que isso significa. Ao mesmo tempo temos de preparar aquilo que possam ser as contra medidas ou o antídoto que possamos arranjar para proteger a economia europeia”, revelou o líder social-democrata. Isto ao mesmo tempo, no entanto, que, sobre o bloqueio da Rússia do sistema SWIFT, Rio argumentava ser uma medida “violenta”, mas em que “se se puder ir mais longe, ainda se deve ir mais longe”.