Família ucraniana refugia-se em Portugal. “Partiram estradas. Partiram pontes. Na rua onde morávamos partiram tudo”

Ruslan Korbernik veio para Portugal em setembro de 2021 e não estava com a sua família há seis meses. A guerra juntou-os, mas o reencontro não contou com abraços. Agora, num novo país, tentam ajustar-se a uma outra realidade e a viver um dia de cada vez. No coração fica a preocupação e um sentimento…

Levar o mais importante, pegar nos filhos e ir embora: foi de manhã cedo, às 6h30 do dia 23 de fevereiro, que Olga Korbernik deixou a sua casa, em Zhytomyr, cerca de 120 quilómetros de Kiev, com os dois filhos, para começar a viagem que os ia levar a Portugal. Apanhou boleia do irmão de Ruslan Korbernik, o seu marido, e ficou a 40 quilómetros de Hrebenne, na fronteira com a Polónia.

As rodas deram jeito, mas ainda tinham um longo caminho pela frente. Anna Korbernik, com 12 anos de idade, e Kiril Kobernyk, com 8, acompanharam a mãe e andaram cerca de 16 quilómetros até que conseguiram finalmente apanhar um autocarro que os levou até à fronteira. Estavam quase. Mas tal como esta família, outras centenas tentavam fugir do terror que mal tinha começado. Esperaram a noite toda para entrar na Polónia.

Com frio, medo e fome mantiveram-se firmes. As crianças estavam a um autocarro de distância de ver o pai, que os esperava em Varsóvia. E quando chegaram à capital polaca, pelas 15h00 de sábado, a família ficou reunida. "Não houve um abraço. Não havia a felicidade de ver uma pessoa de que gostamos passado meio ano. Havia um alívio", conta António Neves, que acompanhou Ruslan Korbenik e acolheu a família no Carregado, concelho de Alenquer, em declarações ao Nascer do Sol.

Após seis meses separados, família ucraniana reúne-se em Varsóvia, Polónia, antes de voarem para Portugal.

A história de António Neves, empresário, com a família recém-chegada a Portugal não é nova. "Já conheço o Ruslan desde 2013, já trabalhamos juntos. Fui à Ucrânia no verão passado e estive com ele. Perguntou-me, nessa altura, se havia trabalho em Portugal, que assim voltava para cá. E havia. Tratamos dos documentos e as coisas foram-se desenrolando. A família de Ruslan já tinha a ideia de vir para aqui, mas só depois de acabar o ano letivo na Ucrânia. Não estava à espera que fosse tão depressa", confessou António. "As tenções aumentaram, as crianças já não estavam a ter aulas. Falei com eles e disse-lhes para fugirem já."

Confrontos e explosões na cidade de Zhytomyr, cerca de 120 km de Kiev.

Um míssil de cruzeiro russo atingiu um bloco residencial na cidade de Zhytomyr na terça-feira passada. O ataque causou um incêndio e matou quatro pessoas. Segundo disse um conselheiro do ministro do Interior ucraniano, o ataque teve origem na Bielorrússia e seria destinado a uma base aérea próxima. Os dias passam, as tenções continuam e a guerra está longe de acabar. "O meu filho mais novo não percebe o que se passa. A mais velha já tem alguma noção. Tenho lá [na Ucrânia] a minha mãe e o resto da nossa família. E a Olga tem um filho de 21 anos que ficou para combater", explica Ruslan Korbernik, enquanto se esforça para tentar falar português da melhor forma possível.

Olga Korbenirk não fala português, apenas ouvia a conversa e tentava distrair as crianças. Mas a sua preocupação maternal estava presente no rosto, assim como no do marido. "Mantemos contacto com eles, mas estamos preocupados. Eles ouvem bombas. Mal ouvem as sirenes, vão para a cave", conta, enquanto suspira. "Desculpe, é muito difícil falar sobre isto".

Ucrânia está longe. O resto da família está longe. A segurança e o bem-estar dos filhos são só possíveis em terras lusitanas. Mas e a nostalgia? A cultura, as paisagens e a comida? A família e os amigos? Voltar para Zhytomyr é uma opção? "Não sei se vamos voltar. É difícil saber. E se voltarmos… Vamos para onde? Partiram estradas. Partiram pontes. Na rua onde morávamos partiram tudo. Não sei o que se passa na minha casa. Se for, é só para ver o resto da minha família. Sem ser isso, já não há lá nada", diz Ruslan Korbernik. “Há pessoas que estão a aproveitar a guerra para roubar as casas vazias das pessoas que estão a fugir. Chegaram a prender ladrões a postes de eletricidade. E passam lá a noite”, conta.

Anna Korbernik, com 12 anos de idade, à espera de poder passar a fronteira com a Polónia.

Não fez uma semana desde que estão cá, mas António Neves já tem "uma garagem cheia" de oferendas para ajudar a família ucraniana. E deixa claro: "sempre disse que, para virem, tinham de ter o mínimo de condições. Quando Ruslan Korbenik veio, já tinha um quarto. Quando veio a família toda, conseguiu-se — com a ajuda de alguns contactos — arranjar um apartamento, no qual vão estar durante um mês. O objetivo é conseguir arranjar outro com mais espaço. Quero que consigam ter uma vida normal e que consigam ser independentes. Não quero as pessoas a dormir na rua ou no chão. Já é mau saírem do seu país e deixarem tudo”.

A onda de solidariedade chocou o empresário. "Tem havido muita ajuda por parte das pessoas. Não estava à espera que isto acontecesse. No que toca aos bens materiais, já têm tudo", conta. "Mais logo vamos a Vila Franca de Xira a uma loja que se ofereceu para dar roupa, por exemplo". E quanto ao recheio da casa, "só falta um micro-ondas".

Kirik Korbernik, com 8 anos de idade, à espera de poder passar a fronteira com a Polónia.

Estão previstos mais refugiados virem para os concelhos de Alenquer e Vila Franca de Xira. E graças à ajuda das pessoas, os bens guardados vão servir para os ajudar. "Agora vamos esperar e ver se chega mais pessoas, para que também as possamos encaminhar", conclui António Neves.