Real-Barça. Até caíram os presidentes

O clássico de Espanha mais controverso de sempre, com vitória do Madrid por 11-1 para a Taça do Rei. Um mundo de boatos, ameaças e maquinações.

Em Barcelona havia gente que não tinha dúvidas: jogadores do clube tinham-se deixado comprar. Não podia ser de outra maneira! Depois de uma vitória na primeira mão da meia-final da Taça do Rei (3-0), ainda por cima vitória cómoda e convincente, como se explicava a catástrofe de Chamartín? 11-1? Não cabia na cabeça de ninguém. Nem nunca alguma vez se vira algo assim. Como nunca mais se voltou a ver.

O ambiente de ódio criado em redor dos dois jogos, com declarações supinamente agressivas por parte de ambos os presidentes, levou a uma consequência imediata: por pressão governamental foram obrigados a demitir-se. Eram eles o marquês da Mesa de Asta (Barcelona) e Santos Peralba (Madrid). Os seus substitutos, respetivamente José Antonio Albert i Muntadas e Santiago Bernabéu passaram a ter em mãos uma tarefa imediata: a de organizarem um Encontro da Paz entre os dois clubes desavindos. 

O problema é que o governo de Francisco Franco, El Caudillo (que assumira o poder quatro anos antes), não ficava, de maneira nenhuma, à margem dos acontecimentos. Em Barcelona levantavam-se vozes iradas contra a influência exercida sobre o árbitro, Celestino Rodriguez, e vários jogadores catalães. Já no jogo de Les Corts o ambiente fora de cortar à faca. E a imprensa madrilena não teve qualquer pejo em deitar achas para a fogueira da inimizade. No diário Ya, com muita força na altura, Eduardo Teus, antigo jogador do Real, escreveu duramente contra o ‘caldeirão fervilhante’ de Les Corts: «Ni fútbol, ni juego, ni monsergas. Choques y violencias recíprocas, con una desventaja enorme para el Madrid: cada vez que algún jugador azulgrana sufría que él consideraba falta, los gestos, los aspavientos, la carrera en busca del árbitro para exponerle las quejas mientras el público, ¡naturalmente!, respondía a las excitaciones con la vehemente protesta de chillidos y voces». E exortava os adeptos de Madrid a darem a resposta adequada no jogo que se seguiria.

As intimidações
Já depois do jogo ter terminado, os jogadores do Barça acusaram o chefe da segurança de Chamartín de ter entrado na cabina catalã mal chegaram ao estádio, acompanhado por polícias, aconselhando-os a não criarem problemas. Acusaram-no também de ter intimidado o árbitro no momento em que este deu ordem para a entrada em campo. A resposta foi dada, mais tarde, pela imprensa madrilena: que não acontecera nada disso, que houvera somente um aviso, feitos aos jogadores das duas equipas, para atuarem sem violência e não provocarem a ira do público. «Está bem mas não temos», como diria o meu velho e querido amigo Viriato Mourão. Se Les Corts foi descrito como um «caldeirão fervilhante», Chamartín foi, nessa tarde, um vulcão em despejo de lava constante. A pressão do público – cada bilhete comprado dava direito a um apito de brinde – tomou proporções assustadoras. E, aí, há que dizer que a tremideira dos barcelonistas foi de tal ordem que, ao intervalo, já o resultado estava em 8-0, com três golos de Barinaga, outros três de Pruden, cabendo os outros a Botella e Alsúa.

Um jovem jornalista catalão chamado Juan Antonio Samaranch, não teve a pena leve ao descrever o massacre do Barça: «Dava verdadeiramente pena aquele espetáculo de um Barcelona completamente atado pela coação do público e esmagado por um alegre Madrid a cujos jogadores tudo corria pelo melhor. O Barcelona não existiu, como sucederia a qualquer outra equipa, pois naquele ambiente e com um árbitro que só se preocupava em não ter problemas, era humanamente impossível jogar futebol».

Miró, guarda-redes dos blaugrana, afastava-se o mais possível da sua baliza, sempre bombardeado por garrafas e moedas; Josep Valle e Francesc Calvet, dois dos seus companheiros de equipa, afirmaram numa entrevista ao La Vanguardia, que tomada a decisão de não regressarem ao campo após o intervalo, foram ameaçados por um coronel da Guardia Civil: «Ou jogam ou vão presos!».

Samaranch viria a ser presidente do Comité Olímpico Internacional. Em 1943, com apenas 23 anos, foi convidado, se o eufemismo cabe aqui, a deixar o seu cargo de jornalista no periódico La Prensa, e proibido de exercer a sua profissão até 1952. «Muitas críticas poderia fazer à equipa doBarcelona. Mas direi apenas que aceitou a violência contida nas bancadas e a cumplicidade do árbitro com um sorriso, como que dizendo: ‘Já que não podemos jogar, joguem vocês da maneira que quiserem’».