Rússia sai derrotada da cimeira da ONU, mas não está tão isolada como parece

China, Moçambique, Angola e Guiné-Bissau abstiveram-se na resolução pelo fim da guerra na Ucrânia.

A Rússia mais uma vez deu por si isolada na assembleia geral da Nações Unidas, que votou avassaladoramente pelo imediato cessar das hostilidades na Ucrânia. Houve só cinco votos contra – da Rússia, Bielorrússia, Síria, Coreia do Norte, Eritreia, tudo estados autoritários, descritos como párias – e 140 a favor. Mas também se viram 38 abstenções, incluindo da China e de vários Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), nomeadamente Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. 

Não espanta que estes países lusófonos sigam a batuta de Pequim. A China tem ganho uma influência económica cada vez maior em África, oferecendo empréstimos com juros baixos – analistas acusam o regime chinês de “afogar em dívida” países africanos, para ganhar controlo político – e investimento em infraestrutura ou extração de matérias-primas.
Olhando para votações avassaladoras como a desta quinta-feira, seria tentador assumir que a Rússia está praticamente isolada. De facto, entre os países da NATO e os seus aliados, tem havido uma reação visceral à invasão russa da Ucrânia. “Ainda assim, a maior parte do mundo ficou à margem, à espera de ver como corre”, apontou Edward Luce, autor de livros como The Retreat of Western Liberalism (2017), na sua coluna no Financial Times. “Não pela primeira vez, o Ocidente está a confundir a sua própria unidade com um consenso global”.

A questão é, que se observarmos os países que se têm abstido nas votações de condenação à invasão da Ucrânia, deparamo-nos com gigantes como a China, Índia, Vietname, África do Sul, Irão, num bloco com quase metade da população global.

A importância de Pequim para contornar as sanções ocidentais a Moscovo é bem conhecida. Mas a Índia – que tem uma velha amizade com a Rússia, o seu principal fornecedor de armamento – também tem um papel. As refinarias indianas já quadruplicaram a sua importação de crude russo, comprando pelo menos 13 milhões de barris desde o início da invasão, segundo cálculos da Bloomberg, aproveitando que estão em desconto.

Quanto aos apelos de Washington, para que Nova Deli pense “onde quer estar quando os livros de história forem escritos sobre este momento”, nas palavras da porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, têm servido de pouco. “Ao que parece, a Índia tem preocupações mais prementes do que pensar sobre o seu lugar nos livros de história ocidental”, comentou Ashutosh Pandey, editor de economia na DW. 

E não são só os países que se abstêm que têm mostrado alguma abertura a minar as sanções à Rússia. Até a Arábia Saudita, um dos principais aliados dos americanos no Médio Oriente, está a considerar aceitar o pedido da China para comprar petróleo em renminbi, enfraquecendo o dólar. Ao mesmo tempo que recusava os apelos de Joe Biden para que aumentasse a sua produção petrolífera, de maneira a diminuir os impactos da crise energética agravada pelo rescaldo da invasão da Ucrânia.