Gouveia e Melo vai ter em conta recuo de capelão exonerado

Chefe do Estado-Maior da Armada enfrenta a primeira crise interna na Marinha desde que tomou posse, com exoneração de capelão a levar antigos fuzileiros a convocar protesto para dia 10 de abril. “Errei”, assumiu ontem o padre Licínio Luís, capelão na Marinha há 25 anos.

Fuzileiros envolvidos nas agressões que se revelaram fatais para um jovem polícia da PSP, um discurso duro de Gouveia e Melo ao corpo de elite sobre as linhas vermelhas para se estar na Marinha e críticas contra a disciplina exigida aos fuzileiros na semana passada verbalizadas publicamente por um protagonista inesperado: o capelão militar da Marinha, há mais de 25 anos nessas funções e Capitão-de-Fragata Graduado , que numa publicação nas redes sociais desculpabilizou o comportamento dos fuzileiros na noite e criticou diretamente o chefe da Marinha e seu superior hierárquico, pedindo por duas vezes e no Facebook a Gouveia e Melo “juízo” antes de julgamentos. “Os jovens estavam a divertir-se e foram provocados. Um deles é campeão nacional de boxe, no seu escalão, foi atingido à falsa fé e reagiu. Quem não o fazia. É selvagem por isso? O senhor Almirante nunca foi para a noite? Nunca bebeu uns copos? Juízo com os nossos julgamentos”, escreveu o capelão. Com um aspeto singular: é conhecido no meio militar e publicamente após várias entrevistas que Gouveia e Melo é abstémio.

Como o i avançou ontem à tarde, a publicação no Facebook levou Gouveia e Melo a convocar o padre Licínio Luís, capelão militar na Marinha há 25 anos, para uma reunião ainda na segunda-feira, onde o padre pediu desculpa. O post foi eliminado, mas a replicação já era viral e a decisão de exoneração, tomada naquele mesmo dia, caiu mal entre os fuzileiros, inclusive antigos, que ontem se mobilizavam nas redes sociais – palco desta primeira crise interna de Gouveia e Melo enquanto Chefe do Estado Maior da Armada (CEMA) – para um protesto no dia 10 de abril, na cerimónia dos 400 anos dos fuzileiros marcada para o Mosteiro dos Jerónimos. 

“Juntos com as nossas boinas iremos mostrar a nossa força, o nosso espírito e alma de guerreiro, que não abandona o camarada ferido em circunstância alguma!”, lia-se na convocatória posta a circular. “Como tal e face ao desrespeito e desconsideração demonstrado por este Corpo de Tropas Especiais, nomeadamente com a destituição do nosso capelão, gritaremos mais uma vez presente”, insta a mensagem, propondo que durante a alocução de Gouveia e Melo às forças em parada os militares, civis e na reserva lhe virem as costas.

Segundo o i apurou, a contestação às linhas vermelhas traçadas no discurso da semana passada aos fuzileiros sem uma retractação pública, pondo em causa as suas orientações diretas aos militares, levaram Gouveia e Melo a exonerar o capelão com efeitos imediatos, depois de na semana passada ter deixado claro o que exige aos militares sob a sua chefia desde dezembro: “Não quero arruaceiros na Marinha; não quero bravatas fúteis, mas verdadeira coragem, física e moral; não quero militares sem valores, sem verdadeira dedicação à Pátria; não quero militares que não percebam que na Selva temos que ser Lobos, mas em casa cordeiros, pois isso é a verdadeira marca de autodomínio, autocontrole e de confiança dos outros em nós”, declarou na altura Gouveia e Melo, considerando que independentemente do que vier a ser apurado pela justiça, os acontecimentos daquele sábado “mancharam as nossas fardas, independentemente do que vier a ser apurado”. 

 “Não te deixes levar pelas primeiras impressões. Aguarda pelos que fazem o caminho certo. A justiça que siga o seu caminho…”, ripostou o capelão nas redes sociais. “O senhor Almirante, que aguarde pela justiça. Julgar sem saber não corre nada bem”, continuava o capelão, dando voz a críticas internas ao discurso.

Ontem, 24 horas depois da exoneração, o capelão publicou um pedido de desculpa:  “É muito importante reconhecer perante vós e perante a Marinha, enquanto militar, que errei ao dirigir-me de forma incorreta, inapropriada, interpretativa e pública ao almirante CEMA”, escreveu, informando que tinha relido o discurso de Gouveia e Melo na internet. Seguiu-se um recuo em toda a linha: “Não tenho dúvidas, agora mais a frio, que tomou a única posição possível e ética ao traçar para toda a Marinha uma linha vermelha de comportamento”. 

Dirigindo-se aos militares “como vosso capelão”, pediu mesmo desculpa por não ter defendido bem a posição cristã. O i tentou ontem contactar o sacerdote, sem sucesso. Já fonte oficial da Marinha Portuguesa confirmou que o capelão teve uma audiência com o CEMA, encontrando-se à data de ontem exonerado.

Segundo o i apurou, o pedido de desculpa público era uma das condições para Gouveia e Melo poder equacionar uma readmissão, uma avaliação que ontem estava em curso. Outro cenário é um outro capelão militar poder vir a suceder ao padre e capitão-tenente de 52 anos, ao serviço da Marinha desde que foi ordenado em 1996.