Calor vai matar mais do que o frio a partir de 2051

A investigadora Mónica Rodrigues diz que, relativamente à prevenção das mortes provocadas pelo calor e frio extremos, “as medidas devem ser reavaliadas para acompanhar o declínio da população nas próximas décadas”.

A mortalidade associada ao calor extremo vai aumentar e aquela que está diretamente ligada ao frio extremo vai diminuir nas próximas décadas: é esta a principal conclusão da tese de doutoramento de Mónica Rodrigues, investigadora no Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT) da Universidade de Coimbra (UC), sendo que este trabalho projeta o impacto das alterações climáticas na mortalidade em território nacional a curto e a longo prazo.

Sabe-se que, em particular, os idosos estão expostos a um risco mais elevado no âmbito do impacto das alterações climáticas sobre as doenças do aparelho circulatório, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. “Em primeiro lugar, identifiquei os grupos mais vulneráveis e as tendências futuras da mortalidade. As doenças circulatórias são a principal causa de morte e, entre os anos de 1991 e 2005, dei conta das variações sazonais nos dados históricos”, explica, em declarações ao i, a investigadora.

Segundo Mónica_Rodrigues, citando desta vez a informação que havia partilhado em comunicado, “prevê-se um aumento da temperatura, quer no verão, quer no inverno, com maior frequência de ondas de calor, tendo influência na mortalidade”, ilustrando que “na Área Metropolitana de Lisboa, durante os meses de verão, observa-se um aumento da mortalidade associada ao calor extremo, em todas as idades, na ordem de 1,58% e 0,10% em ambos os períodos (2051-2065 e 2085-2099, respetivamente), comparativamente ao período histórico (1991-2005)”.

Por outro lado, “a mortalidade associada ao calor extremo é mais elevada no grupo +65 anos do que no grupo <65 anos, nomeadamente 2,22% vs. 1,38% em 2085-2099, comparativamente ao período histórico. Porém, na Área Metropolitana do Porto, só o grupo +65 anos é que evidencia impactos significativos com a mortalidade associada ao calor de 0,23% em 2051-2065 para 1,37% em 2085-2099”, elucidou a agora doutora que é também mestre, pela Universidade de Aveiro, com a dissertação “O Impacto das Alterações Climáticas nas Doenças Crónicas em Portugal”.

“Aquilo que nos interessa é sempre termos a modulação feita em termos climáticos e em saúde para podermos apoiar a formulação de políticas públicas. Existem áreas em que vemos que a investigação contribui para a saúde pública – cálculo da temperatura, dos extremos de temperatura, etc. –, mas também a quantificação dos riscos para a saúde da população”, explica a investigadora ao i, adiantando que “os resultados podem auxiliar a formulação de políticas numa abordagem preventiva”.

“Há muita iliteracia climática, tal como em saúde pública, e isso deve ser tratado a nível local, pois a mensagem não pode ser só difundida pelo poder central. A própria utilização de climas modelados, do passado ou do futuro, permite ver os óbitos associados ao calor, ao frio, mas os requisitos e os recursos referentes a uma adaptação boa dos mesmos podem ser cada vez mais limitados à medida que os indivíduos e sistemas de saúde vão enfrentando as consequências das alterações climáticas”, explica. Por todos estes motivos, “devemos compreender de forma mais profunda os efeitos crónicos” destas alterações.

“E se há mais população concentrada no Litoral, o risco é maior, apesar de termos igualmente temperaturas extremas no interior do país. Temos de estudar aquilo que acontecerá no futuro. As pessoas idosas vivem isoladas, muitas das vezes nem sabem ler, como é que vão aceder à informação? Estão mais expostas aos riscos, precisam de maior proteção”, aponta, lembrando a grande conclusão dos Censos 2021, isto é, tal como o i noticiou no final de julho do ano passado, que somos menos e concentramo-nos no litoral.

À época, sabia-se que é no litoral que vive a maior parte da população, principalmente junto à capital, na medida em que a Área Metropolitana de Lisboa concentrava 28% dos habitantes em território nacional, tendo ganho 49 mil habitantes em dez anos. Dos 31 municípios que concentram aproximadamente 50% da população residente em Portugal, os 10 mais populosos eram Lisboa, com 544.851 habitantes, Sintra (385.954), Vila Nova de Gaia (304.149), Porto (231.962), Cascais (214.134), Loures (201.646), Braga (193.333), Almada (177.400), Matosinhos (172.669) e Oeiras (171.802).

 

Ainda se morre de frio em Portugal

Naquilo que diz respeito aos meses de inverno, o estudo estima, para a Área Metropolitana de Lisboa, uma diminuição da mortalidade associada ao frio extremo na ordem de 0,55% para 2051-2065 vs. 1991-2005 e 0,45% para 2085-2099 vs. 1991-2005. Na Área Metropolitana do Porto, o cenário não é muito distinto: calcula-se uma diminuição da mortalidade associada ao frio na ordem de 0,31% a curto prazo (2051-2065) e 0,49% a longo prazo (2085-2099), comparativamente ao período histórico (1991-2005).

“A terceira idade merece tanto carinho e não podemos esquecer o envelhecimento acentuado. Esta faixa engloba uma grande percentagem de indivíduos com doenças crónicas, mas também carenciados. Por vezes, a baixa perceção do risco pode dificultar a ação populacional”, lamenta a investigadora, cuja tese de doutoramento foi destacada num dos mais relevantes relatórios acerca da temática, o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) – “Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability (IPCC, WGII)” –, o principal organismo mundial que estuda as alterações climáticas.

“Futuramente, o que queremos?”, questiona. “É importante que cada área metropolitana possa incluir nos seus planos de prevenção indicadores para monitorizar riscos relacionados com alterações climáticas, sempre baseando-se em modelos climáticos regionais”, adiciona, elucidando que “se conhecermos o perfil epidemiológico das temperaturas extremas, sabemos que os planos de prevenção são eficazes, mas devem ser mais específicos e ambiciosos concentrando-se no bem-estar da população”.

“Quando falamos em prevenção, é neste sentido. Portugal é um dos países com climas mais temperados e, se olharmos para o espaço europeu, é um dos países onde mais se morre de frio”, diz, alinhando-se com o Instituto Nacional de Estatística (INE). De acordo com o último inquérito às condições de vida e rendimento, o INE mediu a chamada “privação material” e concluiu que um dos indicadores passava pela capacidade de manter a casa quente. Quase 19% das famílias não conseguem fazê-lo – em 2007, este valor era de 41,9%.

Segundo um estudo da Universidade de Dublin, “países com climas mais temperados tendem a ter baixa eficiência térmica nas habitações e, por isso, é mais difícil manter estas casas quentes quando chega o inverno”. Ou seja, quase dois milhões de portugueses não têm como manter as suas casas quentes devido ao preço da eletricidade, e estes dados são corroborados pelo Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia, que em janeiro de 2020 avançou que 19,4% dos portugueses dizem que não conseguem aquecer as habitações durante o inverno por não terem dinheiro para pagar as contas.

“Há medidas que têm vindo a ser implementadas, mas o último relatório publicado pelo Eurostat e os Censos 2021 mostram que a população europeia está a envelhecer. De acordo com estudos publicados, a expansão das cidades leva a uma maior exposição a estes eventos devido à falta de infraestruturas devida e atempadamente preparadas. Para responder a este aumento, a eficácia dos sistemas de saúde pode ficar em causa”, declara a investigadora. A título de exemplo, no início do ano passado, a Câmara Municipal de Oeiras decidiu entregar 150 euros a todos os idosos do concelho que fossem portadores do cartão 65+ para “garantir que nenhum idoso que esteja em isolamento em casa passe frio”, como avançou em comunicado. A medida começou em janeiro e terminou em março. O investimento foi de 1,2 milhões de euros para o total de 2.000 beneficiários numa fase inicial.

“A divulgação dos planos de adaptação às alterações climáticas é essencial e as escolas têm um papel importante porque as crianças são transmissoras de informação. E algumas instituições fazem-no muito bem”, afirma a investigadora. “Aquilo que lhes ensinamos é fundamental para que depois seja difundido em casa e outros locais que possam frequentar. Habituam-se a ter essa educação, transmitem-na aos filhos, aos netos e por aí adiante. Devemos ser os transmissores de informação seja a amigos, familiares, etc. Os bons cidadãos têm essa função”, remata Mónica Rodrigues.

No inverno, em Portugal, verifica-se 28% de excesso de mortalidade, sendo um dos países onde mais se morre devido ao frio. Esta percentagem corresponde, nos anos anteriores a 2020, ao registo de 100 a 150 óbitos diários a mais do que nas outras estações. Nos três últimos dias de novembro e quatro de dezembro, do ano passado, morreram mais 295 pessoas no país do que seria expectável perante a realidade dos últimos anos, registando-se de novo um período de mortalidade acima do esperado mesmo com menos mortes associadas à covid-19 do que em 2020.

O balanço podia ser consultado na plataforma nacional de vigilância de mortalidade (EVM) do Ministério da Saúde, que dava a conhecer um novo período de excesso de mortalidade, menor do que acontecera no ano do surgimento do novo coronavírus, mas acima do que pode ser considerado o expectável face aos registos dos últimos cinco anos.

Há um ano que não é divulgado um balanço sobre o excesso de mortalidade que tende a verificar-se em períodos de maior frio. A última informação veiculada podia ser lida num comunicado da associação ambientalista Zero. Datado de 17 de janeiro, nele era indicado que Portugal tinha um “parque edificado obsoleto” e, consequentemente, um dos níveis de pobreza energética mais elevados da Europa, ficando apenas atrás da Eslováquia, Hungria e Bulgária.

“Em Portugal, o frio presente nas habitações estará na origem de quase 25% das mortes no Inverno, sendo os idosos os mais afetados. Nos próximos dias, é fundamental um acompanhamento, principalmente pelas autarquias e serviços mais próximos, das famílias com maiores dificuldades para assegurarem um conforto minimamente adequado”, alertava, alinhando-se com Mónica Rodrigues. “Todas as medidas”, sublinha, “devem ser reavaliadas para acompanhar o declínio da população nas próximas décadas”.