20 personalidades e a guerra

O semanário Expresso publicou na semana passada uma ‘carta aberta’ de 20 personalidades – professores, jornalistas, músicos – sobre a guerra na Ucrânia, insurgindo-se contra o ´pensamento único’.

Eu próprio tenho feito a mesma crítica, noutras ocasiões.

Já fui vítima de bullying na internet, alvo de ameaças e até de processos por defender pontos de vista opostos ao tal ‘pensamento único’.

E ainda recentemente publiquei um artigo dizendo que mesmo aqueles que defendem abertamente Putin têm todo o direito de o fazer.

Vivemos num país livre; todas as opiniões, desde que expressas de um modo correto, devem ser respeitadas.

Não me lembro, porém, de algum dos signatários da carta me ter defendido quando fui vítima de ataques na TV, na imprensa e nas redes sociais por artigos que escrevi.

Mais: lembro-me de, muitos deles, terem feito parte do ‘pensamento único’ em várias ocasiões, atacando quem pensava de forma diferente.

E vi alguns apoiarem regimes onde o pensamento único é imposto pelo Estado e qualquer veleidade de pensar doutro modo é proibida e punida.

Mas passemos à frente.

Revoltam-se os signatários da carta contra o facto de, nesta guerra, toda a comunicação social só apresentar o ponto de vista da Ucrânia.

Têm razão.

Mas como poderia ser de outro modo, se a Rússia não admite jornalistas do seu lado? E se mesmo aqueles que longe da guerra, em Moscovo, procuram manter alguma independência de opinião, são expulsos do país?

Apesar de tudo, nos nossos canais de televisão ainda aparecem militares a fazer comentários que não são propriamente desafetos à Rússia.

E transmitem-se briefings diários do porta-voz militar do Exército russo.

E até excertos de conferências de imprensa de Putin – e, nos últimas dias, uma longa entrevista ‘cúmplice’ feita por Oliver Stone.

Não sendo a informação equilibrada, é mil vezes mais aberta do que aquela que vigora na Rússia.

Isso é incontestável.

As 20 personalidades signatárias da carta condenam a guerra mas dizem que é preciso ver as razões que levaram a Rússia a desencadeá-la.

Ora, isso é contraditório: ver as razões que levaram Putin a invadir a Ucrânia é estar na prática a justificar a guerra.

Tentar ‘compreender’ os argumentos de alguém é o primeiro passo para os ‘aceitar’ – já dizia Salgado Zenha.

Todas as guerras têm antecedentes.

Também Hitler teve as suas razões.

Mas teria algum sentido, a meio da 2.ª Guerra Mundial, durante o avanço nazi, estarmos a explicar os motivos que haviam levado Hitler a desencadear a guerra?

Teria algum sentido estar a explicar que a Alemanha fora humilhada após a 1.ª Guerra Mundial e tinha necessidade de uma revanche? E estar a esmiuçar os motivos por que os judeus eram vistos como um povo ruim?

Mesmo que as 20 personalidades achem que Putin teve motivos para iniciar a guerra e invadir a Ucrânia, não é crível que aceitem o que lá está a passar-se.

Ora, ao tentarem, neste momento, ‘perceber’ a guerra, estão implicitamente a justificar todo o rol de atrocidades que lá estão a acontecer – a destruição maciça, as execuções sumárias, as valas comuns.

As 20 personalidades, ao mesmo tempo que tentam compreender a Rússia, criticam a União Europeia e a NATO pois, ao apoiarem a Ucrânia com dinheiro e armamento, estão a contribuir para alimentar a guerra e não para promover a paz.

Mas qual era a alternativa?

O que deveria o Ocidente fazer perante a invasão russa?

Ficar a ver a Ucrânia ser ocupada e destruída?

E o que deveriam fazer os ucranianos?

Não deveriam defender-se, mas sim deixar a Rússia ocupar pacificamente o seu território, mudar o Governo e pôr no seu lugar um poder ‘razoável’?

De facto, nestas circunstâncias, não haveria guerra.

Seria então esta, para os 20 signatários da carta aberta, a ‘boa solução’?

Se estas personalidades têm todo o direito de pensar pela sua cabeça, e isso é saudável, se têm o direito de pugnar por uma informação isenta, também têm de admitir que as suas opiniões sejam objeto de crítica.

E o que parece não verem é que, nesta guerra, não estamos perante ‘posições simétricas’.

Não estamos perante uma guerra entre dois países – estamos perante a invasão de um país por outro.

Não estamos perante uma guerra entre dois exércitos – estamos perante um Exército que invadiu um país soberano, que tenta defender-se como pode dentro das suas fronteiras.

Estamos perante um agressor e um agredido.

Se neste caso, como noutros, todas as opiniões são legítimas, devemos também ter presente que nem todas as opiniões são certas.