Refugiados da Ucrânia, sim, mas só os brancos

A solidariedade, o acolhimento, o respeito pelos seres humanos, são traços da civilização ocidental de matriz humanista e cristã.

A Guerra na Ucrânia tem revelado o melhor e o pior da sociedade portuguesa. O melhor na atenção, na rejeição da invasão russa, na mobilização na ajuda à Ucrânia e no apoio e acolhimento aos refugiados desta guerra. O pior na posição hipócrita e dissimulada daqueles que não distinguem o agressor do agredido ou que procuram justificações para desculpar o agressor.

Em geral, em Portugal, com as poucas exceções de alguns comentadores e do PCP, a sociedade assumiu uma posição comprometida e empenhada contra a invasão da Ucrânia e no apoio ao povo ucraniano. Agora, foi assumida uma outra posição, tão condenável quanto a dos defensores do regime russo: o Chega faz depender o acolhimento dos refugiados da Ucrânia da sua nacionalidade e cultura de origem.

Nesta semana, na Assembleia Municipal de Lisboa, a Câmara Municipal foi questionada sobre o acolhimento de refugiados da guerra, colocando em causa a receção de pessoas que, sendo residentes na Ucrânia, são de outras nacionalidades, num registo que se confunde, obviamente, com racismo e xenofobia.

Já sem surpresa foi, claro, o Chega, que defendeu a desumanidade da rejeição em Portugal de refugiados, mesmo que fugindo à guerra, por serem do Bangladesh ou do Nepal (exemplos verbalizados).

Talvez a xenofobia e o racismo não expressassem com tanta clareza a posição assumida pelo Chega:

«Para o Chega, uma coisa é receber todos os refugiados de guerra que vêm da Ucrânia. Outra coisa é receber (e nós somos completamente contra) gente que vem do Bangladesh, do Nepal e de outros países que nada têm q ver com esta questão. Estes senhores vêm da Ucrânia mas nós não temos que os atender são de outros países, não são ucranianos».

Trata-se de uma afirmação intolerável. Observar pessoas a fugir da guerra e do sofrimento, mas rejeitá-las em razão da cor da pele ou da cultura de origem é desumano. Deixar pessoas à porta da cidade, do país ou da dignidade, como sendo pessoas de condição infra-humana, é repugnante.

Perante o esclarecimento de que se trata de refugiados vindos, como os demais, da Ucrânia, embora com diversas nacionalidades, residentes nesse país, a justificação foi a seguinte:

«A Câmara confunde racismo com defesa dos contribuintes. Aquilo que nós estamos aqui a falar é que nós não temos recursos para todos.» E ainda: «A nossa exceção é para os verdadeiros ucranianos».

Com clareza, o presidente da Câmara assumiu que a sua visão do mundo é aberta e multicultural e a vereadora Laurinda Alves rejeitou a voz que exprime racismo e afirmou que a sua opção é pelos verdadeiros seres humanos… Foi tranquilizador escutar estas posições.

As atitudes referidas não surpreendem e são mais comuns do que se pode julgar. O egoísmo é uma reação frequente perante as dificuldades. O que é grave é que os partidos deveriam contrariar esses sentimentos, em vez de os promoverem e deles beneficiar.

A solidariedade, o acolhimento, o respeito pelos seres humanos, independentemente da sua nacionalidade ou origem cultural, são traços da civilização ocidental de matriz humanista e cristã. Cada um escolhe de que lado quer estar.

Perante atitudes como a relatada, a escolha é simples e resume-se a uma pergunta: como gostaria de ser tratado se isto acontecesse comigo?