Mês de maio com a mortalidade mais elevada pelo menos desde 1980

Pela primeira vez nas últimas décadas registaram-se mais de 10 mil mortes no mês de maio, um balanço mais comum nos meses de inverno. Foram mais 1500 mortes do que na média dos últimos cinco anos. Covid-19 fez 863 vítimas mortais – 18 vezes mais do que há um ano – mas não explica tudo.  

A mortalidade por todas as causas em Portugal registou em maio o nível mais elevado das últimas décadas para este mês do ano. Segundo o balanço disponível na Plataforma Nacional de Vigilância de Mortalidade, que recebe dados dos certificados de óbito emitidos diariamente no país, morreram em Portugal no último mês por todas as causas 10 315 pessoas – um balanço mais comum nos meses de inverno, habitualmente com maior mortalidade do que os meses de primavera e verão mas inédito para maio pelo menos desde 1980, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, que o i consultou. É possível recuar mais mas para isso é preciso analisar as estatísticas demográficas do INE ano a ano. 

A mortalidade por covid-19 explicará parte do excesso de mortalidade que voltou a registar-se nas últimas semanas, mas não explica todas as mortes a mais no mês de maio face ao que era comum. 

18 vezes mais mortes por covid-19 do que há um ano  Ainda assim, comparando com a primavera de 2021, a sexta vaga de covid-19, com o levantamento das restrições e a entrada em circulação de uma sub-linhagem da Omicron mais transmissível do que as anteriores, acabou trazer o mês de maio mais negro desde o início da pandemia. Os dados finais do mês divulgados ontem pela Direção Geral da Saúde, que o i consultou, mostram que em maio foram declaradas pelos médicos 863 mortes  com a covid-19 como causa principal, 18 vezes mais do que em maio do ano passado, quando foram atribuídas 49 mortes à covid-19. 

Em 2020, no mês de maio e depois do pico de mortalidade nos primeiros meses, registaram-se 325 mortes devido à doença. Na altura o país estava ainda confinado e sem vacinas, mas a transmissão do vírus era muito menor do que a que foi agora. Os dados do INE mostram que maio de 2020 registou um nível de mortalidade também superior ao habitual (9 581 óbitos quando habitualmente são inferiores a 9 mil neste mês do ano), mas na altura vivia-se uma quebra significativa das idas às urgências, o que foi associado a uma diminuição de cuidados urgentes noutros casos. Uma das causas de morte que aumentou no primeiro ano da pandemia, soube-se recentemente a partir dos dados do INE, foram as mortes por AVC. Este ano, pelo contrário, a procura às urgências registou níveis elevados para maio, superando o pré-pandemia (ver ao lado).

Mesmo contando com esse maio atípico de 2020, nos últimos cinco anos registaram-se uma média de 8864 óbitos no mês de maio, pelo que no mês passado houve mais 1500 mortes do que o histórico, não explicando assim a mortalidade associada à covid-19 a totalidade deste acréscimo. Ainda assim, aumentou o peso da covid-19 na mortalidade global: em abril, as 592 mortes atribuídas à covid-19 tinham representado 5,8% do total de óbitos no país, percentagem que em maio subiu para 8,4%. Abril já tinha registado um número de mortes por todas as causas elevado, acima de 10 mil óbitos, mas aquém do registo do primeiro ano da pandemia.

O i questionou a Direção Geral da Saúde sobre se o aumento da mortalidade em maio está a ser analisado, não tendo obtido ontem resposta. A plataforma EVM permite perceber que o maior acréscimo se verificou na população mais velha, em particular nos maiores de 85 anos, grupo etário em que se registam mais 1183 mortes do que em maio do ano passado. Desde o início do ano e até ao fim de maio morreram em Portugal 53 994 pessoas, menos do que nos primeiros cinco meses de 2021, marcados por 10 mil mortes por covid-19 em janeiro e fevereiro, mas ainda mais do que no primeiro ano da pandemia e nos anos anteriores, mesmo com uma época gripal moderada. 

Fontes hospitalares têm descrito ao i o aumento de doentes com quadros de descompensação e diagnósticos em estado mais avançado, o que poderá contribuir também para um aumento da mortalidade.  

Para Filipe Froes, pneumologista que coordenou o gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a covid-19, a evolução da mortalidade no país mostra que o impacto da Omicron continua a ser significativo e superior ao da gripe, que este ano regressou mas em níveis inferiores e a esta altura praticamente já não circula. “Vem alertar-nos que o vírus continua a ter um impacto significativo”, sublinha o médico, defendendo que os dados sobre a mortalidade devem ser “devidamente analisados para gerar conhecimento que contribua para uma melhoria das práticas”.