‘Se a situação se complicar muitos vão vender a casa’

Para o presidente da APEMIP o aumento da oferta depende sempre da vontade de vender a casa. E diz que ‘não é como o mercado da fruta, em que se acabam os morangos e o vendedor manda vir mais’.

‘Se a situação se complicar muitos vão vender a casa’

Quais as atuais dinâmicas dos distritos? Os preços têm subido muito?

É muito impreciso identificarmos passos regionais de âmbito distrital. Vejamos uma coisa: o distrito de Lisboa abrange concelhos como, por exemplo, Sobral de Monte Agraço ou Lourinhã, onde as dinâmicas de mercado não têm qualquer comparação com as do concelho de Lisboa ou da Amadora. É algo muito ambíguo querermos ter referências que tenham, em termos geográficos, a dimensão distrital. Os fenómenos das dinâmicas estão muito mais concentrados em termos geográficos. A procura significativa, os movimentos significativos, o número de transações mais significativo está a ocorrer em primeiro lugar na Área Metropolitana de Lisboa e, em segundo, na Área Metropolitana do Porto. 

Fala-se numa quebra nos imóveis disponíveis para venda…

Insisto que as realidades no país são muito díspares e corremos sempre o risco quando dizemos que em Portugal há poucas casas à venda. Isto é um dado mas que não tem qualquer valor. É muito difícil encontrar casa na Amadora? É, é muito difícil. Mas em Bucelas é muito fácil, há muitas à venda. E em Moimenta da Beira ainda é mais fácil. O que está a acontecer e é natural que aconteça, é que as zonas que tiveram maior pressão, onde houve mais procura – Lisboa, Porto, algumas zonas do Algarve, Comporta – resultaram em transações imobiliárias. O mercado imobiliário tem uma particularidade diferente do mercado da fruta. No mercado da fruta, quando se acabam os morangos, o senhor que os vende manda vir mais. As casas não funcionam assim. Os imóveis são ativos cuja reposição é muito lenta porque passa, no caso dos imóveis usados, por momentos da vida das famílias e das pessoas, que decidem que querem vender uma casa. No caso da edificação nova demoram anos a serem construídos. O que tivemos? Como temos tido uma pressão imobiliária grande – insisto, nalgumas localizações – essa pressão escoou parte significativa do que havia em oferta e, como não há possibilidade de repor num estalar de dedos, a reposição é lenta e, por isso, a oferta diminuiu e vai continuar a diminuir com significado. 

E temos a ameaça da subida das taxas de juro. Vai ser um problema?

Não sei se vai ser um problema para quem compra casa. É seguramente um problema para quem já comprou casa, para quem tem processos de crédito a decorrer e está no limite da sua capacidade de endividamento. Situação diferente é a de quem vai enfrentar uma nova aquisição e vai enfrentar uma prestação mais alta para o mesmo valor que tinha há uns meses e das duas uma: ou consegue fazer face a esse valor, mesmo com uma prestação mais alta ou vai ter de comprar uma casa mais barata porque os juros subiram.

O BCE dá esta subida  como certa…

Claro. Acho que as pessoas, independentemente das taxas de 0,5 ou 0,75 ou até de 1%, quando iniciam o recurso a um crédito hipotecário, não era má ideia terem como referência a do Banco Central Europeu que é de 2%. O que significa? É pensar que se um dia a taxa for 2%, acrescida do spread, se tenho condições para fazer face ao meu financiamento? E não tomar decisões com base com aquilo que são as taxas neste momento que, tendo já subido, previsivelmente vão subir ainda mais.

As novas regras do Banco de Portugal para o crédito à habitação estão a afetar a compra?

Não, isto leva-nos sempre ao mesmo sítio. A consequência dos prazos de maturidade é que, sendo eles menores, a prestação vai ser um pouco mais alta. E aí ou tenho capacidade financeira para enfrentar essa prestação mais alta ou então tenho de procurar uma casa mais barata. E pode dizer-me: ‘não há casas mais baratas’. Isso é que há. Não estão é em Lisboa, nem no Porto, nem na Comporta.

A solução nunca passaria pelo arrendamento?

Acredito que no futuro a tendência por arrendamento vai aumentar mas por questões relacionadas com as jovens famílias que dão mais importância à mobilidade e não querem estar algemadas a uma casa, querem terem a sua mobilidade. Claro que para isso também é preciso que a oferta aumente, que as rendas se tornem mais acessíveis, etc.

Chegou a admitir que a pandemia não foi suficiente para baixar os preços. Que consequências terá a guerra?

Esperemos que não afete. O tema aqui não é Portugal. Se, do ponto de vista da economia, a situação se complicar para muitas famílias, a consequência será termos muita gente a querer vender a casa porque é através da sua venda que a generalidade das famílias consegue alguma liquidez.

E mais este problema da inflação…

Se a inflação subir para níveis muito elevados e, numa altura, em que as poupanças que estão depositadas nos bancos nunca foram tão grandes, as pessoas vão querer tirar o dinheiro dos bancos. E vão tirá-lo para o colocar onde? Nos imóveis. O imobiliário é como uma reserva de valor. Por vezes, questionamo-nos porque é que os russos arrasam com aqueles prédios todos, porque é que destroem as casas? Porque quando destroem as casas, destroem o último recurso das pessoas. Estão a destruir a reserva de valor. E quando vimos aquelas aldeias e cidades a serem arrasadas, sabemos que essa é a forma de arrasar a reserva de valor.