Olhem para o doutor Nabeiro

Sem estudos mas com saber de experiência feito, Nabeiro terá certamente muito mais para nos ensinar do que muitos catedráticos com borla e capelo, sem qualquer desprimor para a Academia que tão justamente o soube reconhecer e receber.

«Sou um homem que sonha todos os dias em fazer algo de diferente». A frase é de Manuel Rui Azinhais Nabeiro, o mais recente doutor honoris causa da Academia da mais velha universidade portuguesa e uma das mais antigas da Europa e do Mundo, a de Coimbra.

Distinguido pelo seu ‘compromisso com visão humana’, o dono dos cafés Delta e senhor de Campo Maior recordou com emoção a «pobreza e o analfabetismo» das gentes do seu Alentejo profundo, lá na fronteira com Espanha e as «desigualdades sociais e dificuldades» de um povo que sempre teve a preocupação de ajudar, à medida que os seus negócios e o seu grupo empresarial foram crescendo.

Sem estudos mas com saber de experiência feito, Nabeiro terá certamente muito mais para nos ensinar do que muitos catedráticos com borla e capelo, sem qualquer desprimor para a Academia que tão justamente o soube reconhecer e receber.

Nabeiro, um self made man, é um bom exemplo.

Curiosamente, no dia em que o homem do café foi doutorado em Coimbra e em que, aos 91 anos, disse ainda continuar a sonhar e a querer fazer coisas pelos outros e pela comunidade, foi divulgado um estudo que revela que os estudantes universitários portugueses andam ‘tristes e deprimidos’.

Baseado num inquérito a mais de 1100 alunos do ensino superior, o estudo Saúde e Estilo de Vida dos Estudantes Universitários à Entrada da Universidade, publicado na quarta-feira, conclui que mais de metade deles, pelo menos uma vez por mês, sentem-se «tristes, deprimidos, irritados e nervosos».

Ficámos a saber também – pelo Público, que ouviu uma das autoras do trabalho, Margarida Gaspar de Matos – que a investigação conclui pela «existência de problemas de saúde mental, privação de sono, preocupações, má alimentação, sedentarismo ou uso excessivo de ecrãs».

Males dos quais Manuel Rui Azinhais Nabeiro, que em jovem não teve oportunidade de frequentar a universidade a cuja Academia agora passou a pertencer, provavelmente nunca pôde padecer nem queixar-se, porque certamente nem sequer lhe «passou pela cabeça» – tal como confessou que receber o doutoramento honoris causa da Universidade de Coimbra igualmente nunca lhe tinha passado.

Num outro estudo recente realizado no Instituto Superior Técnico, citado no mesmo artigo, concluiu-se que 60% dos estudantes estavam em risco psicossocial e, destes, 17% encontravam-se em risco elevado.

O que é sintomático é que, apesar das conclusões preocupantes do estado de saúde mental e físico dos nossos estudantes universitários, o mesmo estudo constata que a esmagadora maioria (mais de 80%, ou seja quatro em cada cinco) sabe como deve alimentar-se (83,8% têm um grau de literacia nutricional adequada), não fuma (84,4%), não consome bebidas alcoólicas com regularidade (são menos de metade os que confessaram ter ingerido bebidas alcoólicas uma ou mais vezes nos últimos 30 dias) e um em cada dois pratica atividade física uma a três vezes por semana.

Pois é, é o que temos.

É no que dá os discursos da moda e eliminar a carne de vaca das cantinas e das refeições dos nossos jovens e massacrá-los até à exaustão com mensagens por todas as vias de uma alimentação supostamente saudável em que não podem comer nada que lhes possa fazer mal, nem beber bebidas alcoólicas, nem com açúcar, nem com não sei o quê, nem fumar nem que seja um cigarro a seguir a uma refeição ou num momento de relaxe e repouso. E é a manteiga e o leite que têm gordura e os nitratos para aqui e acolá e tudo e mais alguma coisa… 

Tretas!

Também o café e a cafeína fazem mal se bebidos sem moderação e foi com o café que Manuel Rui Azinhais Nabeiro fez bem a muita gente, a começar por ele próprio, ao ponto de ser agora mui justamente recebido na Academia de Coimbra. E perguntem ao novo doutor, se ele, aos 91 anos, não bebe café ou aderiu à moda do descafeinado.

Amiga de longa data que encontrei por estes dias contou-me que a filha está a estudar em Copenhaga no curso com que sempre sonhou e que em Portugal não conseguiu entrar por falta de média.

Na Dinamarca, a escassez de alunos levou o Estado a isentar do pagamento de propinas e ainda a dar um subsídio para apoio no pagamento da renda de instalações (quarto ou casa) e dos materiais de estudo (como livros). Mas há uma condição: só recebe subsídio quem juntar documento comprovativo de trabalhar um mínimo de 11 horas por semana – ou seja, uma média de duas horas e 12 minutos e meio por dia útil.

Aposto que a filha da minha colega, se fosse apanhada num destes inquéritos que nos revelam o estado de saúde mental e físico dos nossos estudantes universitários, muito contribuiria para contrariar as piores conclusões. Porque, como me contou a mãe, trabalha, estuda e «anda feliz da vida».

Tudo o que é demais é moléstia e os fundamentalismos, seja do que seja, sempre deram maus resultados.

Bom senso e ponderação é o que é preciso. A instrução e o trabalho, sem escravidão, nunca fizeram mal a ninguém. Como uma cerveja fresca e um cigarro ou um charuto ao final da tarde, de vez em quando, e um cafezinho a rematar.

Como Rui Nabeiro, sonhem, façam e sejam felizes. Pela vossa saúde!

E muitos efes-erres-ás!