Licença menstrual: estigma, tabu ou benefício?

Apesar de a proposta do PAN sobre a licença menstrual ter sido ‘chumbada’, deve ser aproveitado o momento para repensar a temática e incentivar a discussão. Sem machismos e sem feminismos. Com ciência e sem tabus.

Por Nuno Cerejeira Namora, Advogado Especialista em Direito do Trabalho

Foi no nosso país, há semanas, discutida e chumbada uma proposta para a implementação de uma licença menstrual no nosso ordenamento jurídico. Esta proposta ‘veio a reboque’ de notícias que indicavam que o Governo espanhol se preparava para aprovar um projeto de lei que garantia esse mesmo direito, ganhando o tema um mediatismo inesperado e súbito, trazido a rebate quer pelas feministas de esquerda, quer pelas feministas ‘bacocas’.

A licença menstrual teve origem no Japão, em 1947 e apesar de, na atualidade, a Espanha ter sido o primeiro país da Europa a regular esta subvenção, a verdade é que Portugal, no período que mediou entre o 25 de Abril de 1974 – mais precisamente na década de 80 – e as revisões do Código do Trabalho em 2003, já tinha regulado, através dos contratos coletivos de trabalho, o direito à licença menstrual.

O objetivo central desta licença era, na altura, «tentar fazer com que as mulheres participassem mais no mercado de trabalho», efetivando, ao contrário do que se tem escrito, os direitos das mulheres, mas desapareceram com o regime imperativo de faltas então estabelecido no artigo 250.º do Código do Trabalho.

Para que não se caia em falácias deliberadas, cumpre esclarecer que esta licença menstrual não tem cariz obrigatório, nem está aberta, nem pensada, para todo o universo do sexo feminino, que, como tenho lido, através de abusos conhecidos, poderia faltar ao trabalho durante todo o período menstrual. Pelo contrário, esta licença tem o seu âmbito de aplicação delimitado a mulheres que, comprovadamente, sofram dores graves e incapacitantes devido à menstruação e encontra-se limitada no tempo, podendo variar entre dois e cinco dias. 

É certo que já existem baixas médicas. Mas é esperado que uma mulher que sofra de uma situação específica grave e medicamente diagnosticada, como por exemplo a endometriose, tenha de ir todos os meses ao seu médico de família, porque tem dores insuportáveis que a incapacitam de trabalhar? Esta mulher não tem de ser prejudicada a nível laboral, nem a nível salarial por uma condição que não pode controlar. 

A menstruação ainda é um tema tabu, que muita gente desconhece e se recusa a debater. No entanto, apesar de não haver números que representem a realidade portuguesa no que toca às mulheres em idade reprodutora que sofrem de dores menstruais ou doenças que as provoquem, a verdade é que este é um problema que tem grande impacto na qualidade de vida e no trabalho das mulheres.

Num âmbito mais abrangente, afetando homens e mulheres, o mesmo se passa com as enxaquecas que, segundo a Organização Mundial de Saúde, é uma das doenças mais incapacitantes. Em Portugal, segundo indicam vários estudos, metade dos portugueses que sofrem de enxaqueca grave falta em média 3,8 dias por mês ao trabalho. 

Acontece que, em ambos os casos – menstruação e enxaquecas – chocamos contra uma dificuldade de ordem prática: a medição da dor. O facto de a dor ser subjetiva, lamentavelmente, dá azo às habituais fraudes. Por esse motivo, para garantir uma proteção especial às pessoas que sofrem de patologias cíclicas e periódicas que causam muito impacto no trabalho, as mesmas deveriam ser sujeitas a uma análise médica criteriosa e a um controlo rigoroso, devendo o diagnóstico ser, anualmente, revisto, para garantir a sua atualidade. Só assim se poderia criar um regime protecionista, quer através da implementação de licenças, quer através da retoma das dispensas de trabalho limitadas no tempo.

É certo que a discussão em torno da licença menstrual veio problematizar algumas questões de género e agudizar o debate entre feministas, pois a criação desta licença poderá acentuar os fatores de discriminação. Mas a importância das discussões em torno da saúde e, em especial, da saúde menstrual, devem ser traduzidas em estudos que avaliem o quadro atual do problema para que, da melhor forma, se possa encontrar uma solução adequada e moldada à realidade social da nossa população. 

O projeto de lei aprovado em Espanha prevê uma licença menstrual para as mulheres que sofrem com dores menstruais incapacitantes, seja por causa de patologias associadas, como endometriose ou ovários poliquísticos, seja por outras causas, pagas na totalidade pela Segurança Social desde o primeiro momento e apesar de não ter limite de dias, necessitam de diagnóstico e controlo médico.

Em Portugal, apesar de a proposta do PAN sobre a licença menstrual ter sido ‘chumbada’, deve ser aproveitado o momento para repensar a temática e incentivar a discussão. Sem machismos e sem feminismos. Com ciência e sem tabus.