O ‘perdoa-me’ em versão política…

A gravidade do comunicado do primeiro-ministro, ao anular o polémico despacho, só poderia saldar-se com o afastamento do ministro. Mas ‘assobiaram ao cochicho’ com a ladainha do costume…

O Governo socialista de maioria absoluta está a afundar-se no ‘pântano politico’ do qual Guterres fugiu, após a derrocada nas autárquicas de 2001.

Nessa altura, a decisão do então primeiro-ministro surpreendeu tudo e todos, designadamente, no interior do PS, e o então Presidente Jorge Sampaio soube retirar as consequências.

Mudam-se os tempos, e mudam-se as vontades, como diria o poeta. E, desta vez, ao contrário de Guterres, António Costa, vindo da cimeira da Nato, em Madrid, nem se demitiu, nem demitiu Pedro Nuno Santos, que, nas suas costas, decidira anunciar a solução «do Governo», como enfatizou, para o novo aeroporto da capital, repartida entre a Portela, o Montijo e Alcochete. 

Como se o dossiê do aeroporto fosse uma irrelevância de lana caprina, Pedro Nuno Santos compareceu no telejornal da RTP para defender a sua opção, sem cuidar do menor consenso com a oposição – em particular com o PSD –, e, ao longo da entrevista, respirou autossuficiência e arrogância, nele já habituais.

A oposição, da esquerda à direita, reagiu estupefacta à ligeireza do ministro, acusando-o de leviandade, enquanto o Presidente da República confessava o incómodo de não ter sido informado de antemão. 

A ‘cereja em cima do bolo’ estaria, no entanto, reservada, ao primeiro-ministro, quando revelou, ainda em Madrid, desconhecer o despacho em causa. E não perdeu tempo em mandar revogá-lo, antes de aterrar em Lisboa, porque «a solução tem de ser negociada».

Perante tamanha desautorização pública, parecia óbvio que a única atitude condigna de Pedro Nuno Santos seria demitir-se. Engano.

O ainda ministro, convocou, de cócoras, uma conferência de imprensa pífia, e ‘dobrou a cerviz’ numa espécie de ‘perdoa-me político’, jurando estar «profundamente penalizado» e lamentando os «erros de comunicação» pelos quais «assume a responsabilidade». Patético.

Em contrapartida, ao bom estilo de uma novela mexicana piegas, António Costa, com ar paternal, veio reiterar a sua confiança no ‘ajudante rebelde’, com o formidável argumento de que «o ministro não agiu de má-fé, teve humildade, a confiança está totalmente restabelecida».

Era difícil imaginar desfecho pior para o Governo e para a democracia. Um governante, titular de uma pasta fundamental, tratou um assunto sério e delicado como se aviasse uma rotina de agenda.

E nem lhe ocorreu informar o principal partido da oposição, nem tão-pouco o primeiro-ministro e o Presidente da República, sentindo-se ungido para anunciar uma obra de tal magnitude, como se fosse reabrir um apeadeiro da rede da CP.

Sejamos claros: há uma irresponsabilidade política notória neste infeliz episódio, protagonizado por dois homens que exibem cabelos grisalhos e uma vasta experiência partidária e governativa. 

A gravidade do comunicado do primeiro-ministro, ao anular o polémico despacho, só poderia saldar-se com o afastamento do ministro e do seu secretário de Estado, figura menor da história, e que assinou o papel. Mas ambos ‘assobiaram ao cochicho’ com a ladainha do costume. 

A incapacidade de renunciar ficou-lhes mal. Mas a falta de coragem política de António Costa, ao pactuar com o absurdo, vai pesar-lhe no futuro, por muito que pense que ‘furou a bolha’ e que em breve não se falará mais nisso.
Com isto, saiu a ‘taluda’ a Luís Montenegro, para repor o PSD, a partir deste fim de semana, como verdadeiro partido líder da oposição.

De facto, fica-se atónito com o estado de desagregação em que se encontra o Governo, empossado há apenas três meses, com maioria absoluta no Parlamento. É certo que as diatribes de Pedro Nuno Santos já vêm de longe, pelo menos, desde dezembro de 2011, quando ameaçou pôr os banqueiros alemães com a pernas a tremer…

Essa pérola política, injustamente esquecida, era, aliás, acompanhada do desabafo de que «estou marimbando-me para os bancos alemães que nos emprestaram dinheiro (…) Estou marimbando-me que nos chamem irresponsáveis».
Por estranho que pareça, é este dirigente desbocado, que se reivindica líder da ala mais à esquerda do PS, e que aspira suceder a António Costa à frente do partido. 

Cautelarmente, e para amansar o fogoso candidato, Costa não só o avisou no congresso socialista de 2018, na Batalha, de que «não meti os papéis para a reforma», como chamou para perto de si outros putativos sucessores, desde Fernando Medina, a Marta Temido e a Ana Catarina Mendes. Ou, até, Mariana Vieira da Silva que, pelos vistos, deixa o conselho de ministros em ‘roda-livre’, quando o ‘chefe’ está fora. Um erro de casting.

Convirá evitar que este país seja visto como um reality show para divertir incautos, e que haja sentido de Estado. Algo que o Presidente da República tem a estrita obrigação de zelar. Para que tudo isto não pareça uma brincadeira de mau gosto…