Turismo ao rubro

De norte a sul do país, os valores de 2019 deverão ser ultrapassados já este ano, sendo que há regiões que já ultrapassaram. As perspetivas são boas e, se continuar assim, Portugal volta a ter turismo em pleno.

por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

O turismo está ao rubro. E tudo indica que deverá recuperar níveis de 2019, pré-pandemia. De acordo com os responsáveis contactados pelo Nascer do SOL, até podem mesmo superar esses números. Depois de dois anos tremidos devido à pandemia, em que o setor ‘sobreviveu’ à custa dos turistas nacionais, este ano a atividade volta a ganhar um novo fôlego e a juntar aos portugueses há que contar ainda com quem vem de fora. Uma recuperação que está a ocorrer desde a Páscoa, como refere Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP). «Pelos níveis de ocupação a que temos assistido desde a Páscoa e não havendo nada em contrário, acredito que vamos atingir este ano os níveis de 2019».

O responsável aponta mesmo para taxas de ocupação hoteleira que rondam os 90%/100%. Uma situação que não o surpreende, pois admite que, várias vezes, já tinha dito publicamente que esperava que a retoma seria já em 2022. E face a este cenário não hesita: «Estamos em plena retoma e a virar a página». Acrescentando ainda que «o turismo vai sem dúvida continuar a ser motor da economia portuguesa».

Também Bernardo Trindade, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), garante que o setor está a recuperar. «Foram dois anos de uma crise sem precedentes, que nenhum de nós alguma vez sequer imaginou que iria passar: clientes em casa, colaboradores em casa e, além de não haver atividade, foi um ambiente profundamente depressivo porque os hotéis existem para receber clientes e não para viverem a situação que viveram, em que estavam manifestamente sem movimento. Viemos desse tempo e agora estamos a viver uma fase diferente, de franca recuperação, mais rápida do que qualquer um de nós imaginou».

 Para já, não se compromete com aumentos de preço, mas lembra que a subida de custos que as unidades hoteleiras estão a sentir terão de se repercutir nos valores finais. «O que estamos a sentir, além da falta de recursos humanos, é uma inflação generalizada de toda a cadeia de valor da atividade hoteleira: gás, luz, cadeia alimentar, prestação de serviços. Tudo aumentou e numa economia de mercado saudável devemos repercutir no preço ao cliente esse acréscimo, até porque Portugal ao longo dos últimos anos fez um caminho muito competente, reconhecido internacionalmente e a expectativa do nosso cliente é que possa ver em função de toda esta dinâmica que referi um aumento do preço. Mas isso é ilimitadamente? Penso que esta questão de inflação generalizada dos custos de produção, muitos também justificados pela própria guerra na Ucrânia, terá tendência para de alguma maneira normalizar. Acho que também os preços de venda tenderão a registar um certo equilíbrio porque entretanto também outros destinos vão reabrir», salienta.

E os números falam por si. De acordo com último Boletim Económico divulgado pelo Banco de Portugal, o setor deverá regressar aos níveis pré-pandemia, antecipando em praticamente um ano as anteriores projeções para a recuperação deste setor. Mário Centeno acenou mesmo com uma «antecipação muito significativa face aos boletins económicos anteriores», referindo que a «dinâmica do turismo tem surpreendido favoravelmente nos meses mais recentes, projetando-se o regresso ao nível pré-pandémico em meados de 2022».

Um cenário que vai ao encontro do que foi defendido por Vítor Costa, presidente do Turismo da Região de Lisboa. «A taxa de ocupação tem sido boa. Estamos progressivamente a aproximar-nos dos valores de 2019», mas chama a atenção para o facto de a taxa de ocupação ainda não ter ultrapassado este valor. «Ainda estamos um bocadinho abaixo, mas cada mês que passa estamos mais próximos».

No entanto, garante que os atuais preços que estão a ser praticados estão acima do que era registado em anos anteriores. E deixa um recado: «Para quem achava que o turismo ia ficar muito afetado, que ia demorar muito tempo a recuperar estão a ter uma surpresa porque a recuperação está a ser muito mais rápida».

Mas também justifica esta tendência. «Estamos a assistir a um efeito da rolha da garrafa de champanhe. As pessoas estiveram dois anos em casa, sem viajar e fizeram algumas poupanças, agora é natural que haja uma certa explosão a seguir a isso. Posso dizer até que ficámos um pouco surpreendidos, pensávamos que ia ser um pouco mais lenta esta retoma. Mas é uma surpresa positiva», refere ao Nascer do SOL.

Para já, Vítor Costa mostra-se cauteloso em relação ao futuro. Apesar do desejo de viajar reconhece que a subida das taxas de juro, o aumento da inflação e a guerra na Ucrânia poderão influenciar as marcações, já que irá penalizar as bolsas dos turistas. «Com a subida dos juros, as pessoas vão ter encargos superiores, no que diz respeito à habitação ou a outros créditos. Também a guerra na Ucrânia ainda não está ultrapassada e não sabemos bem o que vai acontecer com o gás, petróleo, cereais, etc.», mas garante que o turismo tem-se «tornado cada vez mais essencial e o destino Lisboa está cada vez mais atrativo e mais forte em termos de apelo internacional».

 

‘Rumo a sul’

E, se antes da pandemia, a grande maioria dos portugueses rumava para sul, este ano a tendência volta a repetir-se. A garantia é dada pelo presidente da Região de Turismo do Algarve (RTA) ao defender que o Algarve está a recuperar muito mais rápido do que o que se previa, tendo em comparação os números registados como o melhor ano de sempre.

«Os dados do Instituto Nacional de Estatísticas mostram que a taxa de ocupação por quarto esteve já muito próxima de 2019 nos primeiros cinco meses do ano e que tem vindo a recuperar ao longo dos meses e, em junho, já de acordo com os dados da AHETA, a taxa de ocupação já foi superior a 75,3%», diz João Fernandes, acrescentando que todos os indicadores indicam «o Algarve cresceu acima da média nacional em hóspedes, dormidas, proveitos e rendimento por quarto disponível».

Quanto aos meses fortes de verão, o responsável garante que, até setembro, a procura está, do ponto de vista do volume, muito alinhada com os dados de 2019, acenando que, pela primeira vez, desde 2020 estamos perante meses sem restrições.

E avança com números. «Os turistas nacionais escolhem o Algarve como seu destino de férias, cerca de 68%, repartindo a sua escolha nos meses de junho, julho, agosto e setembro». O cenário repete-se junto dos turistas estrangeiros. «Portugal foi o país europeu que mais rapidamente recuperou as ligações aéreas. Estamos a assistir a um pico de reservas muito interessantes e a recuperar rapidamente».

No entanto, lembra que o mercado nacional está a concorrer diretamente com outros destinos, nomeadamente Espanha. Mas ainda assim, afirma que Portugal está a ter apresentar melhores desempenhos nos vários indicadores face a Andaluzia, Canárias e Baleares. Uma situação que, no seu entender, mostra que «esta região portuguesa, à semelhança de outras regiões nacionais, está a destacar-se face às suas congéneres europeias».

Já o mercado externo garante que ainda está abaixo de 2019, mas não se mostra surpreendido com isso. «O mercado externo está abaixo, porque considerando os dados acumulados, temos de nos lembrar que, em janeiro, fevereiro e março ainda tínhamos um grande impacto da última vaga covid e havia um receio latente por parte dos turistas estrangeiros para viajar», acrescentando que a região tem vindo a recuperar mês a mês.

Os prémios, de acordo com a responsável, também deram ‘um empurrão’ em relação à escolha deste destino. «O Algarve, mesmo durante a pandemia, conseguiu ser eleito o melhor destino de praia do mundo pelos chamados Óscares do turismo, melhor destino de golfe do mundo. Portugal continuou a ser reconhecido internacionalmente um bocadinho na senda daquilo que estava a acontecer até 2019. Toda essa notoriedade beneficia de procura e isso vemos em todas as regiões»

Quanto ao futuro, João Fernandes reconhece que o cenário económico poderá ditar as escolhas dos viajantes. «Há que ter em conta o aumento do custo de vida e das perspetivas de novas subidas como as taxas de juro. Não há dúvida que há um limite para aquilo que cada um pode pagar», lembrando que os preços têm subido em virtude dos custos de produção. «Dos combustíveis à energia em geral, aos serviços que são adquiridos para poder disponibilizar serviço, tudo isso aumentou e é repercutido também no preço ao consumidor. Até agora não estamos a ver uma retração da procura por essa via, mas obviamente que temos de estar sempre muito atentos a essa realidade e com cuidados redobrados sobretudo a partir do próximo ano».

 

Níveis recorde no Alentejo

Também o Alentejo está a registar taxas recorde. «Estamos com taxas muito grandes, as perspetivas para o verão são ótimas, incluindo o mês de setembro»,garante Vítor Silva, presidente do Turismo do Alentejo (ERT). O responsável admite mesmo que, em termos de dormidas, os números estão praticamente iguais em relação a 2019, mas, em termos de proveitos, estão 20% acima, no que diz respeito ao alojamento. Uma diferença que, de acordo com o responsável, não significa que isso represente mais lucros para as unidades turísticas, já que os custos de exploração também aumentaram.

O presidente do ERT diz ainda que este aumento da procura ainda é mais significa no que diz respeito ao turismo rural. Mas justifica esta tendência: «As pessoas têm procurado muito os espaços aliados ao turismo rural e isso faz com que estejamos a caminhar para ter o melhor ano turístico de sempre. Neste momento, somos a única região do país, incluindo as ilhas, que já atingiu os valores de 2019», mostrando-se surpreendido com os números, uma vez que, admite que estava à espera que essa recuperação só se viesse a verificar em 2023 ou em 2024.

«Recuperámos rapidamente. O turismo é um fenómeno espantoso, tem uma elasticidade incrível. Perdeu-se rapidamente de um dia para o outro, mas também está a recuperar, apesar dos problemas com a guerra e com os constrangimentos no aeroporto».

Vítor Silva diz ainda que esta recuperação está a ser feita à custa sobretudo mercado nacional, mas onde a procura está a ser superior aos números verificados em 2019. «Nas últimas estatísticas havia uma diferença de 15 mil noites. Estou convencido que vamos recuperar completamente o mercado externo». Mas apesar do otimismo, reconhece que a taxa de inflação alta e a subida das taxas de juro poderão afetar o orçamento das famílias portuguesas, ainda assim, acredita que a altura de férias não é sinal de poupança. «Penso que as pessoas, para as férias de verão, não vão querer poupar», salienta.

 

Norte acima das expetativas

Para Luís Pedro Martins, presidente Turismo do Porto e Norte de Portugal, não há dúvidas: «As taxas de ocupação estão claramente acima das expectativas, pois as percentagens estão a rondar os 80%. Para o mês de agosto, devemos atingir os 90% de ocupação nas unidades hoteleiras», diz ao Nascer do SOL

 Por isso, as perspetivas para o resto da época «são bastante animadoras e a retoma neste momento é claramente uma realidade, sendo que a este ritmo, esperamos superar inclusive o ano de 2019, que foi o melhor de sempre».

 Já no que diz respeito às nacionalidades, o presidente do Turismo Porto e Norte diz que, no caso dos portugueses, a região está com subidas na ordem dos 14%  em relação a 2019. Já nos mercados de proximidade, como Espanha, França e Alemanha, «os números estão muito próximos de 2019». E acrescenta: «Fruto da nossa abordagem ao mercado britânico, os números indicam que este ano estamos a registar subidas consideradas deste mercado». E diz ainda que os mercados externos, como o brasileiro e da Ásia e Pacífico, «ainda não recuperaram totalmente, fruto principalmente dos constrangimentos em termos de conectividade aérea».

Sendo o verão uma época muito procurada pelos portugueses, Luís Pedro Martins considera que esta tendência é para manter «pois os portugueses com a pandemia descobriram a nossa região e todas as suas potencialidades. Durante os confinamentos, as nossas campanhas foram direcionadas principalmente para o mercado interno  o q se traduziu no crescimento deste mercado».

Questionado sobre se o aumento do custo de vida e as novas subidas de taxas de juro podem trazer problemas, o responsável é perentório: «Embora estas notícias não sejam animadoras, acreditamos que não terá influência no curto prazo e que teremos muitos turistas no Porto e Norte».

Mas há alertas: «No entanto,  é algo que nos preocupa e se a guerra na Ucrânia se prolongar por muito mais tempo é inevitável que traga uma crise económica a juntar já há crise humanitária». Portugal, defende, beneficia da sua localização geográfica  mas no mundo global,  «ninguém escapa às crises económicas».

 Luís Pedro Martins lembra ainda que os principais desafios para o turismo, neste momento, «são as subidas dos custos de contexto para as empresas do turismo e principalmente a falta de recursos humanos que neste momento é o principal drama do setor» e acrescenta que a principal tendência para o futuro «é a procura por destinos seguros e sustentáveis».