Que farei quando tudo arde?

Nos anos 90, assistíamos em choque aos incêndios que assolavam Portugal em julho e agosto, hoje assistimos em choque aos incêndios que assolam o país de maio a outubro. 

Por Jorge Ribeiro Mendonça, Of-Counsel da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

Nos anos 90, o Captain Planet entrou pelas nossas televisões de casa a mostrar aos mais novos, com fibra e sem paternalismos, o combate à poluição atmosférica, às marés negras, à extinção de espécies animais, alertando para os comportamentos humanos insustentáveis do ponto de vista ambiental. Nas manhãs de desenhos animados, a luta pela questão ambiental era mostrada como o combate existencial e estávamos, ainda, a despertar para a questão climática. 

Em 30 anos parece que nada aprendemos. Reciclamos mais, mas a nossa pegada ecológica aumentou; marchamos afirmando que não existe um Planeta B, mas não adotamos hábitos mais sustentáveis. Sentimo-nos super eco-friendly ao substituir as filas matinais de automóveis a gasóleo e gasolina por filas matinais de automóveis elétricos. Somos trendy quando vamos de carro ao centro comercial climatizado, comprar uma t-shirt feita no Bangladesh e escolhemos comprar um saco de papel.

Nos anos 90, assistíamos em choque aos incêndios que assolavam Portugal em julho e agosto, hoje assistimos em choque aos incêndios que assolam o país de maio a outubro. 

Quando o país está a arder, só há uma resposta possível: ter e agradecer a ajuda dos bombeiros, nossos verdadeiros heróis, sem mãos a medir para tanta urgência. Mas a solução não pode ser deixar andar e confiar aos bombeiros a missão impossível de nos salvarem todos os verões. Os bombeiros merecem melhor forma de agradecimento do que discursos e palavras.

Em 2016 o primeiro-ministro António Costa dizia-se chocado, pois dez anos depois, a reforma florestal não foi feita. Em 2017, o ano de Pedrógão, o mesmo primeiro-ministro António Costa prometeu a grande reforma e reordenamento da floresta. Na zona do Pinhal Interior foi lançado um «projeto-piloto» de «reordenamento da floresta e do território». No dia 28 de junho de 2017 António Costa disse «a pior coisa que pode acontecer é que a floresta volte a crescer como estava». 

Nesse dia de 2017, numa reunião com os presidentes das câmaras de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Pampilhosa da Serra, Góis, Penela e Sertã, António Costa afirmou, ainda, «pretender responder àquilo que é estrutural para evitar que possamos ter uma nova tragédia». E sentenciou «deixar crescer livremente é criar condições para que seja combustível».

No dia 13 de julho de 2022, o primeiro-ministro António Costa afirmou que por detrás de cada um dos incêndios existe um «problema estrutural» que «há uma grande mancha florestal e grande parte, infelizmente, está hoje abandonada», identificando que existe uma «hiperfragmentação da propriedade».

Volvidos mais de 5 anos, a única mudança estrutural registada foi o crescimento ainda mais desordenado da floresta portuguesa e a substituição do pinhal por eucaliptal. Pelo caminho foi ainda lançado o registo cadastral de propriedades, uma boa ideia asfixiada pela burocracia, pela papelada e pela complicação.

O registo cadastral permite a identificação por geolocalização dos terrenos permitindo ter um registo e uma fotografia mais nítida da floresta que temos. Mas esse soma-se à inscrição nas Finanças e à descrição no registo predial. Tudo correrá bem quando estes registos são coerentes entre si. Mas o mais comum é existirem divergência entre eles.

Assim, o proprietário de uma parcela de meia-dúzia de metros quadrados perdido na serra, para além de pagar anualmente o IMI por esses terrenos, está também obrigado a manter esses terrenos limpos. Caso contrate serviços a alguém, terá de suportar os respetivos custos e IVA, os quais nem sequer são dedutíveis, exceto para quem tiver contabilidade organizada. Se nada fizer, poderá muito bem esperar por uma coima. 

Neste cenário, mais comum a norte do Tejo, quem quiser comprar terrenos deve organizar toda a documentação para a transmissão e posterior unificação, suportando sempre os custos muitas vezes superiores ao valor da compra do terreno e a própria utilidade económica da tal parcela minúscula.  

Da mesma forma, qualquer empresa, empreendedor ou investidor prefere esquecer qualquer ideia que pudesse ter para potenciar e desenvolver o interior, que lhe desse utilidade económica e criasse emprego. Só com muita perseverança e muita vontade, alheio a custos e a tempo, poderá alguém atrever-se a tal sonho. Cada projeto que não chega a nascer no interior é uma oportunidade perdida de criar emprego, de fixar as pessoas, de inverter a concentração demográfica nas grandes cidades e no litoral, no fundo, de ter um território mais equilibrado, sustentável e preparado para os desafios climáticos.  

«Que farei quando tudo arde?». Assim, termina um poema de Sá de Miranda e assim é o título de livro de Lobo Antunes. Quando tudo arde há pouco a fazer exceto combater o fogo ou deixar arder. Precisamos de verdadeiro planeamento. Não é grande nome para um herói, mas é o único com capacidade de antecipar os problemas, de encontrar soluções, de envolver todos os interessados e, assim, criar soluções que permitam aliviar o sufoco que existe todos os verões. Se o planeamento não funcionar, resta-nos chamar o Captain Planet.