Relâmpagos não estão ligados a alterações climáticas

O meteorologista do IPMA e investigador Pedro Sousa explica ao i que “não se pode atribuir eventos isolados diretamente às alterações climáticas”, mas “podemos especular se no longo-prazo se espera um aumento da frequência da ocorrência de episódios extremos”.

No espaço de poucos dias, os relâmpagos destruíram tanto vidas como habitações em vários pontos do globo. Em Portugal, um raio atingiu uma moradia em Vila Nova, na ilha Terceira, nos Açores, e provocou, 11 feridos, quatro deles em estado grave. Cinco dos feridos foram transportados para o Hospital de Santo Espírito, segundo disse o Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores (SRPCBA), e os outros seis foram encaminhados para o Centro de Saúde da Praia da Vitória

Sabe-se que o mau tempo nos Açores colocou o SRPCBA a alertar para a emissão de aviso laranja com a possibilidade de ocorrência de chuva “por vezes forte, podendo ser acompanhada de trovoada”. Este fenómeno, na passada sexta-feira, atingiu um tanque de armazenamento de petróleo, na região de Matanzas, em Cuba, e originou um incêndio.

Nos EUA, na quinta-feira, três pessoas morreram após um raio ter caído no parque Lafayette Square, próximo da Casa Branca. James Mueller, de 76 anos, e Donna Mueller, de 75, morreram devido a ferimentos, enquanto Brooks Lambertson, de 29, acabou por perder a vida e uma quarta vítima está hospitalizada em estado grave. 

“Um relâmpago é uma descarga elétrica que ocorre na atmosfera, associada a nuvens de origem convectiva (cumulonimbus), com grande desenvolvimento vertical. Nem todos os relâmpagos atingem o solo, sendo que existem também descargas intra-nuvem e entre nuvens”, começa por afirmar, em declarações ao i, Pedro Sousa, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

“Trata-se naturalmente de uma descarga elétrica muito intensa e, portanto, o impacto de descargas nuvem-solo em objetos/infraestruturas e pessoas/animais no solo pode ter consequências significativas”, salienta, destacando que existem diversas classificações dos relâmpagos. “Além das descargas poderem ou não atingir o solo, podem também ser classificadas como descargas positivas ou negativas, de acordo com a polaridade das nuvens e superfície. As descargas nuvem-solo negativas (polo positivo no solo) são as mais frequentes”, declara, abordando as condições meteorológicas, nos Acores, que propiciaram a queda do raio em Vila Nova, na ilha Terceira.

“O arquipélago dos Açores está estes dias sob a influência de um sistema depressionário quase estacionário, uma vez que o anticiclone está centrado mais a nordeste, próximo das Ilhas Britânicas”, diz o doutor em Ciências Geofísicas e da Geoinformação pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “A este sistema depressionário está associada instabilidade atmosférica e, assim, condições favoráveis à formação de aguaceiros por vezes fortes e acompanhados de trovoada”. 

“Uma vez que a situação sinóptica é quase estacionária, e o vento em geral fraco, estes aguaceiros tendem a ser persistentes e ‘repetidos’, gerando acumulados significativos de precipitação”, nota, adiantando que as condições que se sentem nos EUA e em Cuba, os outros exemplos referidos neste artigo, “serão situações um pouco diferentes do ponto de vista sinóptico, ou seja, do ponto de vista da configuração atmosférica que leva ao evento meteorológico”. 

Aquecimento global e temperatura podem aumentar frequência de trovoadas “A ocorrência de relâmpagos trata-se naturalmente do mesmo fenómeno físico, sendo a descarga nuvem-solo originária de um cumulonimbus, associada à existência de instabilidade atmosférica. Todavia, a situação meteorológica específica associada a estas situações será distinta. Em Cuba falamos de algo típico do clima das zonas tropicais, onde a ocorrência de trovoadas é muito frequente, em particular nos meses quentes”, observa o investigador do Instituto Geofísico do Infante Dom Luiz.

“Nos EUA também é frequente a ocorrência de trovoadas severas durante a estação quente, onde há muito mais energia sobre a região continental, associada ao transporte de massas de ar muito quente e húmidas desde o Golfo do México”. 

“Nos Açores. a frequência destes eventos é bastante menor e, geralmente, de menor severidade, dada a localização geográfica em pleno Oceano Atlântico, e também graças à influência do anticiclone dos Açores”, menciona, refletindo acerca da possibilidade do aumento da frequência de fenómenos como este devido às alterações climáticas.

“Naturalmente, não se pode atribuir eventos isolados ou episódios individuais diretamente às alterações climáticas. Isso é uma prática errada. Trovoadas sempre ocorreram, e sempre ocorrerão, assim como acidentes a eles associados (e, infelizmente, fatalidades). Podemos sim é especular se no longo-prazo se espera um aumento da frequência da ocorrência de episódios extremos e, em particular, de trovoadas.

A resposta será distinta em diferentes regiões, mas sim, no geral será expectável um aumento de eventos extremos associados a trovoadas numa atmosfera mais quente e portanto mais ‘energética’”, conta o profissional que trabalha no IPMA desde abril do ano passado.

“O aquecimento global gera uma capacidade da atmosfera reter mais vapor de água e, portanto, este facto, em conjunto com um aumento da temperatura do ar e dos oceanos, deverá ter como uma consequência previsível um aumento de eventos convectivos com trovoadas e precipitação forte, ainda que possam ser irregularmente distribuídos no tempo e no espaço”, argumenta Pedro Sousa, comentando que, relativamente às medidas de segurança que podem ser seguidas, “existem algumas ‘regras’ de relativo senso-comum”.

Por exemplo, “evitar estar em locais abertos/expostos durante a ocorrência de trovoadas, tais como praias, descampados. Também é de evitar procurar abrigo junto de objetos/estruturas que possam ser condutores da descarga elétrica, tal como árvores por exemplo”, conclui o também docente na Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH).