Bendito Benedikt

A Taschen orgulha-se de ser uma editora democrática. Mas não o é apenas pelos preços acessíveis que pratica.

Uma vez por ano, a meio do verão, a editora Taschen promove no seu site alguns dias de saldos, com descontos a que os amantes de livros têm dificuldade em resistir. Há dois anos encomendei aí um belíssimo catálogo (formato XXL, 492 págs., 6 kg) com a obra completa de Pieter Bruegel, o velho, mestre quinhentista autor de pinturas célebres como Os Caçadores na Neve, O Triunfo da Morte e a A Torre de Babel. No ano passado, foi a vez de mandar vir um álbum com os desenhos de papagaios feitos por Edward Lear (1812-1888), poeta genial e artista não menos dotado. Este ano – sempre com generosos descontos – consegui finalmente deitar a mão a The Charlie Chaplin Archives, que reúne um manancial quase inesgotável de fotografias e documentos sobre o grande cineasta e ator.

É preciso que se diga: os descontos são apenas um bónus. Regra geral, os livros da Taschen são tão em conta e bem produzidos que valem cada cêntimo. E sei bem do que falo. Ao longo dos anos já acumulei uma boa meia centena ou mais deles – desde os exemplares da série básica (formato a4, menos de cem páginas) que comprei com as primeiras mesadas, a outros mais caros e mais raros. Nesta categoria incluiria o Catalogue Raisonné de Chaïm Soutine, pintor nascido numa aldeia da atual Lituânia (então império russo) que nas suas telas deformava os objetos e as pessoas só para os tornar mais reais. Ou o suptuoso álbum, forrado a tecido, dedicado à vida e obra de Peter Beard, um fotógrafo americano que privou com Salvador Dalí, Andy Warhol, Jacqueline Onassis e Mick Jagger, embora a sua grande paixão, onde se sentia verdadeiramente feliz, fosse a África selvagem.

Devido aos preços baixos que pratica, a Taschen orgulha-se de ser uma editora democrática. Creio que esse traço também se manifesta nos textos que publica. Enquanto muitos livros de história da arte se caracterizam por uma prosa altamente especializada, se não aborrecida, os autores da Taschen preferem em geral uma escrita viva, sem grandes divagações ou floreados, por vezes empolgante. Ora aí está mais uma manifestação do seu caráter ‘democrático’.

Curiosamente, o primeiro livro publicado por esta editora, em 1980, foi uma banda desenhada, Sally Fort – que, a avaliar pela capa, devia ser vagamente erótica ou até um pouco mais do que isso. Benedikt Taschen, o fundador, ainda não tinha sequer 20 anos. Não foi propriamente um sucesso. Em 1982 publicou uma segunda BD, Ray Banana, que só agravou a sua situação.

O fim da curta vida da casa editorial de Colónia parecia cada vez mais próximo. Em 1984 Benedikt lançou a última cartada. Com dinheiro emprestado, comprou por atacado 40 mil exemplares de um livro sobre o surrealista belga René Magritte que aparecera no mercado não se sabe por que artes mágicas (mas provavelmente de alguma editora entretanto falida). À venda por 9,95 marcos, os 40 mil exemplares voaram em poucos dias. Justifica-se plenamente o slogan ‘Books for optimists’. ‘Livros para optimistas’: com esse golpe de sorte e o sucesso que conheceu de então em diante, o seu fundador tem bons motivos para ser um deles.