Fed. Vem aí nova subida de juros e dólar prepara-se para valorizar mais

Esta decisão vai afetar inevitavelmente a Europa, já que as importações são pagas em dólares. Euro sai enfraquecido e BCE vê-se obrigado a correr atrás do prejuízo, acenando com mais dois aumentos dos juros até ao final do ano. 

A Reserva Federal norte-americana (Fed) prepara-se para avançar com uma nova subida das taxas de juro para travar a inflação. A reunião começou ontem, mas a decisão só será conhecida hoje, apesar dos alertas de risco de recessão da maior economia do mundo. E os dados não são animadores. Em agosto, a inflação ficou acima do previsto, com o índice de preço CPI a avançar 8,3% na comparação com o mesmo mês do ano anterior e, desde março, já foram levadas a cabo quatro subidas das taxas de juro, as duas últimas, em junho e julho, de 75 pontos base, um aumento que não acontecia desde 1994. Um comportamento que levou a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, a admitir que as medidas tomadas pelo banco central norte-americano causam “um risco” de recessão.

As taxas de juro de referência estão, atualmente, entre 2,25% e 2,50%, tendo subido gradualmente de forma a aumentar o custo do crédito para particulares e empresas e abrandar o consumo e o investimento. A previsão é que suba novamente 75 pontos base, mas há a possibilidade de um aumento mais forte, de um ponto percentual (100 pontos base). Contactado pelo i, Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades acredita que o aumento será mais brando, mas não descarta a hipótese mais pessimista. “Diria que há 66% de possibilidades de assistirmos a um aumento de 75 pontos base e 33% de ser de 1%. O dólar tem vindo a aumentar, desde o final da semana passada, porque vários membros do comité monetário da Fed têm vindo a público dizer que estão dispostos a aceitar o aumento do desemprego e uma quebra do crescimento para controlar a inflação, ou seja, os fins aqui justificam os meios”.

 

O que acontece à Europa?

O analista lembra que para a Reserva Federal norte-americana, a taxa neutral, ou seja, a taxa prevista para que os bancos centrais parem de subir os juros varia 4 e 5%, enquanto para o BCE anda à volta dos 2%, ou no máximo 2,5%. Isto mostra, de acordo com o mesmo, que a Fed “tem mais espaço de manobra para continuar a ser agressiva, embora o BCE considerando as circunstâncias na Europa, onde o desemprego é mais alto e o crescimento é mais baixo dentro da zona euro também está a ter uma atitude agressiva”.

Um dos efeitos colaterais desta política “mais agressiva” da Fed é a valorização do dólar face a outras divisas, nomeadamente o euro. Uma questão a ter em conta, já que, dentro da zona euro, as importações – como é o caso da energia – são pagas em dólares. “Com o euro a enfraquecer, esses custos aumentam automaticamente. E isto gera um cenário em que o BCE não só se vê obrigado a subir as taxas de juro para controlar a inflação que tem uma origem interna, como também tem de tentar sustentar o valor da sua divisa para evitar importar ainda mais inflação”.

E apesar de Ricardo Evangelista reconhecer que estamos a assistir a uma redução do comércio internacional, ou seja, há cada vez menos trocas comerciais, lembra que a Europa importa mais do que vende e o efeito líquido deste cenário é que vai aumentar os seus gastos, ainda que, alguns dos ganhos também subam, mas de uma forma geral considera que é negativo.

A somar a este problema há que contar ainda com as novas perspetivas de aumentos de juros por parte do BCE que tem vindo atrás da política americana. Philip Lane do Conselho de Governadores do Banco Central Europeu já garantiu que é “preciso continuar a aumentar as taxas de juro nas próximas reuniões” para reduzir a procura. Isso significa que as próximas decisões sobre a magnitude das taxas de juros vão depender dos dados macroeconómicos que forem divulgados e serão tomadas em cada reunião. Os dois encontros estão marcados para 27 de outubro e 15 de dezembro. “Se a taxa neutral é de de 2% e se está neste momento em 0,75% então significa que temos espaço para um aumento de mais 1,25%. Poderemos vir a ter uma subida de 0,75% e depois mais uma de 0,5%. Agora se esta segunda subida vai acontecer antes do final do ano ou no princípio do próximo não há certezas, mas penso que os planetas estão todos alinhados para, pelo menos, chegarmos aos 2%”, afirma o analista sénior da ActivTrades ao i.

 

EUA vs Europa

De acordo com Ricardo Evangelista não há margem para dúvidas. “O mercado laboral norte-americano está com mais saúde do que o mercado laboral da zona euro. Ou seja, tem uma taxa de desemprego mais baixa e o ritmo de criação de novos postos de trabalho também é mais alto, logo aí a Fed tem mais espaço de manobra do que propriamente o BCE, já que uma das consequências de uma nova subida da taxa de juro é a redução do consumo, redução da procura, mas para se alcançar esse efeito exige um sacrifício e esse sacrifico é o aumento do desemprego e uma quebra do crescimento económico”.

Ainda assim, os alarmes têm vindo a soar com a facto de a economia norte-americana ter contraído 0,6%, em termos anualizados, no segundo trimestre do ano. E apesar dos dados terem superado as expectativas dos economistas, que esperavam uma revisão em alta para 0,8%, a economia do país caiu dois trimestres e, como tal, o país encontra-se, por definição, em recessão técnica. No entanto, os EUA não utilizam o conceito de dois trimestres consecutivos de contração para declarar uma recessão, ao contrário da maioria das principais economias mundiais. Para oficialmente existir recessão nos Estados Unidos é necessário que o National Bureau of Economic Research (NBER), um grupo independente de oito economistas, declare que a maior economia mundial se encontra em recessão.