Vamos contar mentiras

Durante muito tempo, a Europa, principalmente, viveu entusiasmada por não acontecer nela uma guerra.

Deixei passar o tempo e avaliei.

Aquelas declarações de Putin e Medvedev não são senão uma revisitação trágica do senhor Dupond e do senhor Dupont.

Um anuncia que as armas nucleares existem e podem ser utilizadas e o outro acrescenta que podem ser utilizadas e existem.

Várias vezes, tantas vezes quanto for necessário para provocar o medo e inibir.

Percebe-se como funciona este poder de alterne em que um tem sucedido ao outro na Presidência e no Governo. Até agora, quando um ficou eternamente Presidente e o outro só tem como missão abrir convenientemente a boca.

Alah é Alah e Mahomé o seu Profeta.

Porque é que isto é assim? Porque partilham um pensamento da grande Rússia que não pode ter momentos de hesitação, porque as rédeas tem de ser curtas.

Porque querem muito voltar ao passado e nele vivem.

Durante muito tempo, a Europa, principalmente, viveu entusiasmada por não acontecer nela uma guerra.

Teve um preço, porém.

Na mesma Europa, um País decidiu dominar um conjunto de outros.

A URSS era um império, uma aliança militar, um potentado.

Como? À custa da liberdade de tantos.

Era a mentira adaptada da pax romana.

O mundo só se preocupou quando a dimensão da provocação foi excedida.

O caso dos mísseis em Cuba e o bloqueio de Berlim foram as gotas de água transbordantes.

Ao lado ficaram outros habituais abusos da Rússia.

Sufocar revoltas, invadir com tanques, substituir governantes, construir um poder despótico.

E tudo isto acontecia na URSS, vejam bem, aquela que se dizia defensora da paz, promotora da liberdade, emancipadora dos povos.

Durou muito tempo esta mentira.

Até que tudo o que pretendia falhou, por exaustão. 

Quando o muro caiu, quando a verdade começou a ser denunciada, a URSS desfez-se.

O senhor Dupond e o senhor Dupont nunca aceitaram esta realidade.

A URSS era a quinta essência de tudo, as novas fronteiras eram uma miragem, os países livres eram uma impossibilidade.

De novo o regresso à ameaça, de novo a invasão, de novo a dominação.

E, quando outro argumento escasseava, restava a existência de minorias russas ou de cidadãos saudosos desses países que queriam voltar a integrar a casa da Rússia.

O que fazer, então?

Agudizar os conflitos, ajudar, intervir, armar, oferecer voluntários.

Seguia-se o figurino que outros ocupantes desenharam noutros tempos.

Inventava-se o referendo.

Isto é, depois de ocupado o país, de morta ou posta em fuga a maioria da população, organizava-se um pequeno espetáculo.

Os que ficavam eram levados a votar sem fiscalização internacional, violentando a liberdade de participação.

Desta mentira nasceriam outras.

Se o resultado do referendo fosse o sim à Rússia, o território passaria a ser russo.

Os seus cidadãos também e poderiam ser mobilizados.
E, por este simples passe de mágica, o território invadido integraria o Estado invasor e as operações militares de resistência e reconquista seriam tomadas como agressões contra a Rússia.
Daí a nova mentira. A Rússia, assim agredida, defenderia com todos os meios a sua terra.
Ironia trágica da história, com o arsenal nuclear que a Ucrânia devolveu à Rússia para passar a ser um país livre.
É um caso de polícia.