“É o regresso da Santa Inquisição”

Há padres que já são insultados na rua e nas igrejas notam-se menos fiéis. A substituição de bispos está cada vez mais difícil.

São tempos difíceis os que se vivem na Igreja Católica portuguesa, crescendo a animosidade contra os padres que andam devidamente ‘equipados’ na via pública. «Pedófilos é o mimo mais comum», como conta ao Nascer do SOL um pároco de Lisboa. «Há 30 anos, quando disse aos meus pais que ia para o seminário, pediram-me para não ir, pois os padres tinham fama de andarem metidos com as mulheres que iam à missa. Agora somos todos pedófilos, é demais. Investiguem tudo, mas não ponham todos no mesmo saco», disse ainda.

«Parece que estamos a reabilitar a Santa Inquisição, mas agora ao contrário. Ainda não percebi por que razão alguns padres fizeram dossiês sobre alegados abusos sexuais e não os entregaram no Ministério Público em devido tempo. O mais conhecido até é funcionário público já que é capelão militar. Não se percebe porque nunca fez queixas às autoridades e, agora, 20 anos depois, aparece a denunciar 12 padres. Era bom que explicasse a razão de ter ‘encoberto’ os casos durante tantos anos», diz a mesma fonte.

Outro pároco dá o exemplo do caso Spotlight, retratado em filme, em que a hierarquia da Igreja Católica americana encobriu durante muitos anos os crimes mais horrendos de sacerdotes que violaram centenas ou milhares de crianças, uma investigação que conheceu a luz do dia pela mão dos repórteres do Boston Globe. «Depois do escândalo rebentar, a hierarquia foi obrigada a tomar um conjunto de normas que, por cá, ainda não foram tomadas oficialmente, mas que muitos de nós já praticamos». 

E que normas são essas? «Não estamos fechados numa sala com uma criança; Não damos catequese se a porta não estiver aberta e com a presença de um adulto no exterior; não damos a confissão sem a presença de outras pessoas na igreja». 

Casos e mais casos

Os casos de alegados abusos sexuais detetados pelas várias comissões que investigam os crimes cometidos por padres estão a «fazer estragos na Igreja, notando-se, por exemplo, a demora em encontrar bispos para as dioceses onde não existem. Nomeadamente, Setúbal, Bragança e Açores», explica ao Nascer do SOL fonte do patriarcado.

«Mas não é só a questão dos novos bispos, pois o núncio responsável por apresentar três nomes à Santa Sé, está a investigar a vida completa dos candidatos, não vá escolher alguém que no dia seguinte se descobre que encobriu ou praticou o que não devia. O problema começa a notar-se no número de fiéis em cada missa que são cada vez menos», acrescenta.

Já outro padre tem uma ideia diferente: «Os fiéis tradicionais continuam a aparecer na minha paróquia, embora preocupados com as notícias. Sabem, no entanto, que não há um pedófilo em cada padre. À semelhança do resto da sociedade». Um dos problemas é que a Igreja não é como o resto da sociedade, pois é suposto ser o garante dos bons costumes e uma fortaleza para os crentes.

«Quando acontece o contrário é natural que alguns desapareçam e, por este andar, daqui a dez anos a Igreja terá, seguramente, muito menos fiéis», contrapõe outro sacerdote. O mesmo, diz ainda que este ano, pela primeira vez, a noite de 12 de outubro teve mais pessoas do que a missa de dia 13, ato celebrado pelo bispo Ornelas, que tem estado debaixo de fogo.

Quem também não consegue fugir dos holofotes da comunicação social é o bispo do Porto, Manuel Linda, devido às suas constantes declarações fora da caixa. «Ele sempre foi assim, basta recordar os tempos em que foi reitor do seminário de Vila Real». Certo, certo é que a Igreja enfrenta um dos maiores desafios dos últimos longos anos e será difícil pacificá-la. E há quem diga que depois da Jornada Mundial da Juventude haverá uma luta feroz pelo lugar de cardeal patriarca de Lisboa.