‘Golpada’ de Cotrim divide liberais

Membros da IL acusam o líder demissionário de condicionar as eleições internas ao ‘cortejar delfim’. Candidatos à sucessão divergem quanto à data para a Convenção do partido.

O futuro da Iniciativa Liberal, por enquanto, tem duas escolhas no caminho, que se  separam logo no momento em que souberam que o atual líder ia abandonar o cargo em dezembro e não iria recandidatar-se. Se Rui Rocha teve conhecimento com uma antecedência de duas semanas, Carla Castro foi apanhada de surpresa. E, por muito que os candidatos a ocupar o lugar que João Cotrim Figueiredo vai deixar livre na próxima Convenção se mostrem unidos para as câmaras, a decisão do presidente liberal transformou-se numa luta interna.

Essa diferença no timing tem levado a que vários membros da IL, ouvidos pelo Nascer do SOL, acusem Cotrim Figueiredo de «condicionar» o processo eleitoral interno, uma vez que Rui Rocha partiu para a corrida à liderança em vantagem: além de ter sabido da decisão do líder 15 dias antes, o que lhe permitiu preparar e lançar a candidatura de imediato, recebeu praticamente de seguida o apoio do líder demissionário.

Os poucos minutos – foram sensivelmente 45 – que levou a anunciar a candidatura à presidência da comissão executiva do partido, após Cotrim Figueiredo ter tornado pública a sua decisão, deram o primeiro sinal de que tudo estaria previamente concertado entre os dois. «Foi uma golpada», classifica um liberal em declarações ao Nascer do SOL.

Para os membros da IL, a «precipitação» de Cotrim Figueiredo em manifestar apoio ao deputado de Braga, sem sequer conhecer as suas propostas, estratégia e equipa, também é motivo de crítica, pois consideram que essa interferência retira democraticidade ao processo eleitoral, por esta ser uma prática pouco própria dos partidos liberais em que o líder «corteja o seu delfim e sucessor» como se tratasse de um «regime monárquico».

Esta é, aliás, uma crítica que Nuno Simões de Melo, que encabeça a lista B ao conselho nacional do partido, também acompanha: «Este processo dá a sensação de que há um condicionamento aos próprios membros para ‘Eu saio, mas está aqui o meu sucessor, o meu delfim. Votem nele porque não há mais ninguém’», afirma em entrevista ao Nascer do SOL (ver páginas 14 a 17).

Outras figuras de relevo do partido têm dado força a estas opiniões, nomeadamente Carla Castro. A adversária de Rui Rocha, que decidiu avançar com a sua candidatura dois dias depois de ter sido anunciado que as eleições para a comissão executiva da IL iam ser antecipadas, acusou Cotrim Figueiredo de ter condicionado todo o processo pela forma como o conduziu e pelo apoio imediato a um candidato. Lembrando que o seu opositor soube da decisão de Cotrim Figueiredo «duas semanas antes», a deputada liberal eleita por Lisboa justificou, em declarações à Lusa, que o ainda líder do partiddo «deu tempo a quem se pudesse preparar ou a pensar uma Comissão Executiva».

Também o ex-candidato da IL a Belém, Tiago Mayan Gonçalves, considerou que ao decidir apoiar «apressadamente» a candidatura de Rui Rocha, Cotrim Figueiredo agiu de forma «incongruente» em relação aos «fundamentos para a sua própria decisão». «A afirmação de que queria dar espaço e tempo ao partido para descobrir uma nova liderança e a afirmação também de que somos um partido, não de caras e de personalidades, mas de ideias», fundamentou Mayan Gonçalves, em declarações à TSF.

Na altura, quando anunciou que estava de saída, CotrimFigueiredo defendeu a sua opção como uma forma de dar tempo ao partido para se organizar e preparar os desafios futuros.

Além do apoio do líder demissionário, grande parte do grupo parlamentar, composto por oito deputados, apoia a candidatura de Rui Rocha, nomeadamente Bernardo Blanco, Patrícia Gilvaz e Joana Cordeiro.

Entretanto, começam a surgir apoios de outras figuras do partido à candidatura da sua adversária. Carla Castro foi desafiada por algumas estruturas do partido no sentido de avançar com uma candidatura. E internamente há cada vez mais vozes a acreditar que a vogal da comissão executiva está a ganhar terreno e tem fortes possibilidades de sair vitoriosa.

O primeiro presidente do partido, Miguel Ferreira da Silva, declarou o seu apoio, considerando que Carla Castro é a «melhor pessoa para liderar a próxima fase de crescimento e afirmação» dos liberais.

Numa publicação no Facebook, o deputado municipal da IL em Lisboa destacou «o notável trabalho» da liberal enquanto coordenadora do gabinete de estudos do partido, função que abandonou depois de assumir o mandato de deputada para que foi eleita em janeiro, pelo círculo de Lisboa.

Também Mayan Gonçalves, antigo candidato presidencial apoiado pelos liberais, manifestou já preferência pessoal por Carla Castro, remetendo uma posição definitiva para depois de se conheceremos programas dos candidatos.

Já Rodrigo Saraiva, que assegurou que não será candidato à liderança do partido, remeteu «para mais tarde» uma eventual declaração de apoio a um dos candidatos. Tal como já tinha avançado o i, o atual líder da bancada liberal também estaria em condições de disputar o lugar, mas fontes tanto da ala de Cotrim como da ala mais conservadora do partido alegam que Saraiva tem «demasiados telhados de vidro», desde os tempos em que foi secretário-geral da JSD, para se atravessar nesta corrida, preferindo não ficar tão exposto.

Por seu lado, o ex-líder da IL Carlos Guimarães Pinto deixou claro que não apoiará qualquer candidatura, uma vez que, quando deixou a liderança em 2019, decidiu excluir-se da vida interna do partido.

Calendário divide candidatos
A VII Convenção Nacional da IL estava prevista para o mês dezembro, mas também o calendário está a dividir Rui Rocha e Carla Castro. A data, que será eletiva, vai ser decidida pelo conselho nacional que se reúne em 6 de novembro em Coimbra, onde também será decidida a data limite para que os membros se inscrevam e possam participar, votar e escolher o próximo presidente do partido.

Rui Rocha considera que deve haver um «alargamento do calendário eleitoral» e que as eleições devem ser adiadas para o mês de janeiro para que «quem quiser concorrer o faça sem que o tempo seja limitação». Nesse sentido, irá a apresentar uma proposta ao conselho nacional.

Já Carla Castro prefere que os liberais vão a votos no calendário previamente definido. Ao Observador, a candidata liberal argumentou que «não há necessidade» de adiar as eleições. «A data está marcada e quando tomei a decisão foi com os dados que estavam em cima da mesa», 

Também Nuno Simões de Melo partilha da mesma opinião, afirmando-se «preparado». Ao Nascer do SOL, atira ainda farpas a Rui Rocha, considerando «estranha» a intenção do candidato, uma vez que «estava já há 15 dias adiantado em relação a todas as outras candidaturas»

A lista B ao conselho nacional, da qual é cabeça de lista,  além de recusar o adiamento da convenção para janeiro, pretende que a reunião seja realizada em Portalegre.