Apoio de 125 euros. ‘Ia gastar esse dinheiro comigo?’

Alda Maria, Pedro e Marco são três das pessoas que já receberam o apoio extraordinário de 125 euros e decidiram que esse montante seria mais bem aplicado nos outros do que neles. Fomos conhecer as suas histórias.

É [uma medida] para todos, do setor público ou do privado. Que estejam a trabalhar ou que estejam desempregados. Que sejam beneficiários de prestação social ou não. Todos os que não sejam pensionistas e tenham um rendimento médio mensal, a 14 meses, de 2700 euros [brutos] mensais. É um valor por pessoa, não é por agregado familiar». Estas foram algumas das declarações do primeiro-ministro que Alda Maria ouviu e não esqueceu. Com 46 anos e cinco filhos, com idades compreendidas entre os 10 e os 22 anos, que ainda vivem consigo, jamais poderia ficar indiferente ao anúncio deste apoio extraordinário. Até porque, no seu caso, recebeu 250 euros (125 euros seus e 125 euros referentes aos descendentes). 

No final de setembro, o Ministério das Finanças, numa nota avançada à agência Lusa, adiantava que «os apoios extraordinários às famílias, jovens e crianças» seriam «pagos por transferência bancária a partir do dia 20 de outubro». O gabinete liderado pelo ministro Fernando Medina deixou claro, desde o primeiro dia, que em causa estava o apoio excecional aos rendimentos que seria de 125 euros por titular adulto e de 50 euros por dependente até aos 24 anos de idade (inclusivamente) ou sem limite de idade no caso dos dependentes por incapacidade. «De modo a simplificar e agilizar a operacionalização deste apoio determinou-se que a respetiva atribuição não carece de qualquer adesão por parte dos cidadãos, sendo automática», esclarecia o Ministério das Finanças.

«Estou divorciada há algum tempo e os últimos anos não têm sido fáceis. Portanto, quando soube que teríamos este dinheirinho extra, pensei em guardar metade para as contas habituais e outra metade para a alimentação dos miúdos», conta à LUZ a lisboeta, explicando que, assim que conseguiu aceder à aplicação do seu banco, após muitas tentativas, e se apercebeu de que já tinha o montante na sua conta, partilhou a novidade com os filhos e, no final do dia, foram às compras e adquiriram, entre outros, produtos que outrora poderia ser considerado ‘normal’: peixe, carne, chocolates e gomas. 

«Os mais pequenos não compreendem que nem sempre podem comer as coisinhas de que tanto gostam. Eu faço esforços, deixo de pôr comida na boca por eles, peço dinheiro aos meus pais… Mas o dinheiro ainda não estica!», diz, com sentido de humor, a mulher que sempre trabalhou como empregada de limpeza e ganha o ordenado mínimo.
Como tem vindo a ser noticiado nas últimas semanas, o custo de um cabaz básico de bens alimentares subiu 15% entre outubro de 2021 e agosto deste ano, com alguns produtos a dispararem 20%, segundo o Banco de Portugal (BdP). O regulador, no Boletim Económico de outubro divulgado no dia 6 de outubro, sublinhou que existia uma dispersão «muito significativa dos preços». «Entre outubro de 2021 e agosto de 2022, período em que existe disponibilidade dos preços, o crescimento médio do custo do cabaz situou-se em torno de 15%, com preços de alguns produtos com variações superiores a 20% e outros com variações negativas», lia-se no documento do BdP. 

Contas similares fez a DECO PROTESTE, sendo que, a 21 de outubro, dava a conhecer que o cabaz de bens alimentares já aumentara mais de 30 euros desde fevereiro. «Um cabaz de bens alimentares essenciais custa atualmente 214,30 euros, mais 30,67 euros (mais 16,71%) do que custava a 23 de fevereiro, véspera do início do conflito armado na Ucrânia e data em que iniciámos esta análise», escrevia, clarificando que, entre os dias 12 e 19 deste mês, o cabaz registara uma subida de 1,81 pontos percentuais, o que representa um aumento de 3,80 euros. 
«Desde 23 de fevereiro, a DECO PROTESTE tem monitorizado todas as quartas-feiras, com base nos preços recolhidos no dia anterior, os preços de um cabaz de 63 produtos alimentares essenciais que inclui bens como peru, frango, pescada, carapau, cebola, batata, cenoura, banana, maçã, laranja, arroz, esparguete, açúcar, fiambre, leite, queijo e manteiga», elucidava, antes de elencar os dez produtos com maiores subidas de preço: o iogurte líquido de morango (mais 20%), o açúcar branco (mais 17%), os cereais (mais 17%), o alho seco (mais 13%), a massa espirais (mais 12%), os douradinhos de peixe (mais 9%), o esparguete (mais 9%), o salmão (mais 8%), a dourada (mais 8%) e as ervilhas ultracongeladas (mais 7 por cento).

Uma história com um desfecho semelhante, mas meandros diferentes conta-nos Pedro, de 23 anos, licenciado em Engenharia do Ambiente, e a ganhar o ordenado mínimo no seu primeiro emprego «a sério» após vários estágios.
«Estou em Lisboa, longe de tudo e todos, da cidade onde cresci. Da minha família, dos meus amigos… Se os três anos de curso já foram difíceis, estar a tentar ‘ser adulto’ e responsável por todas as minhas despesas na capital tem sido ainda pior», narra o jovem, lamentando a situação laboral árdua que os mais novos enfrentam assim que ingressam no mercado laboral. «Realmente, posso dizer que tem sido tudo muito negro. Curiosamente, este dinheiro chegou poucos dias antes do aniversário dos 25 anos de casamento dos meus pais, contactei uma empresa – não vou dizer o nome para não fazer publicidade [risos] – e fiz-lhes uma surpresa. Bolo, champanhe… Tudo! Tanto eles como a minha irmã choraram muito. Posso dizer que valeu a pena!», exclama, visivelmente emocionado.

Quem seguiu os exemplos de Alda Maria e Pedro e também não gastou o dinheiro consigo, mas sim com terceiros, foi Marco, de 56 anos, cuidador informal do pai, depois de a irmã, cuidadora informal principal do mesmo, ter morrido de cancro da mama, aos 52, no ano passado. «Os últimos meses têm sido extremamente complicados. Tinha a minha vida minimamente organizada, com a minha mulher, mas tudo mudou com a morte da minha irmã. A minha mulher continua no emprego dela, mas eu tive de começar a ter apenas um part-time enquanto empregado de mesa, que foi sempre o meu trabalho, desde miúdo, porque o meu pai tem cada vez menos mobilidade», explica, garantindo que as poucas horas que passa no restaurante dão-lhe força para tratar do pai que sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC).

«Eu e a minha mulher, tanto como os meus filhos, já pensámos que o melhor será eu pedir o estatuto de cuidador informal e deixar de trabalhar. Por enquanto, o meu pai consegue estar sozinho durante umas horinhas, mas é provável que, no futuro, isso não aconteça», desabafa o homem natural e residente de/em Vila Nova de Gaia que decidiu comprar algumas peças de roupa e produtos de higiene para oferecer ao pai. «Ele sempre fez tudo por mim e pela minha irmã. Perdeu a mulher e a filha. Ia gastar este dinheiro comigo?É que nem pensar!», assevera com determinação.

Em novembro de 2020, a Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI) informara que o número de cuidadores informais, em Portugal, rondava 1 milhão e 400 mil pessoas, isto é, um valor impulsionado pela pandemia, essencialmente devido ao fecho das respostas sociais e esse número vai crescendo cada vez mais. De acordo com dados veiculados, em 2017, pelo investigador Bruno Alves, e citados na obra ‘Cuidar de Quem Cuida’ – lançada em setembro de 2020 e da autoria do deputado José Soeiro, da socióloga Mafalda Araújo e de Sofia Figueiredo, da ANCI, em 2017, o valor económico estimado dos cuidados informais correspondia a 4 mil milhões de euros anuais, equivalentes a aproximadamente 333 milhões de euros mensais. 

Se tem direito a este apoio e ainda não o recebeu, tente entender o/(s) motivo/(s), pois, na passada segunda-feira, soube-se que aproximadamente 320 mil contribuintes não haviam recebido o montante de 125 euros na sua conta bancária devido a erros no IBAN. Segundo dados veiculados pelo Ministério das Finanças, até àquele momento, a Autoridade Tributária ordenara o pagamento do apoio a cerca de 2,5 milhões de pessoas e 87% das transferências tinham sido bem-sucedidas.

No entanto, deve ter-se em atenção que a «invalidade do IBAN do cadastro do Portal das Finanças pode decorrer de diversos fatores»: uma das razões pode ser a indicação de um IBAN associado a uma conta da qual já não são titulares ou de um número de uma conta que já foi encerrada. Por outro lado, existe sempre a hipótese da digitação dos números errados.

«O IBAN que consta do cadastro poderá não coincidir, por opção do contribuinte, com o indicado para efeitos da declaração de IRS, pelo que os contribuintes que ainda não o fizeram deverão verificar e/ou atualizar o seu IBAN no cadastro do Portal das Finanças», disse a tutela, em comunicado, sendo que na impossibilidade de pagamento a Autoridade Tributária repetirá mensalmente as transferências durante os seis meses seguintes.

Esta ajuda abrangerá cerca de 5,8 milhões de pessoas, entre elas Alda Maria, Pedro e Marco.