G20. Rússia tenta preservar os seus aliados asiáticos

Zelensky troçou da Rússia em pleno “G-19”, delineando um plano para a paz. Lavrov viu o seu país discretamente criticado pela China e Índia.

Enquanto Sergei Lavrov procurava desesperadamente convencer os aliados asiáticos da Rússia a não se afastarem, durante a cimeira do G20, em Bali, choviam mísseis na Ucrânia (ver última página). Foi a vingança russa devido ao inflamado discurso de Volodymyr Zelensky, denunciou o seu Governo. O Presidente ucraniano discursou em vídeo perante líderes das maiores economias mundiais, o “G19”, como descreveu trocistamente, excluindo a Rússia.

Não é de espantar que Sergei Lavrov, que substituiu Vladimir Putin na cimeira, tenha optado por ficar no hotel durante o discurso de Zelensky. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo tem tido uns dias complicados. Não só foi ao G20 numa situação de fragilidade, em representação de um regime que invadiu os vizinhos e que tem sido sucessivamente derrotado, como a Associated Press avançou que foi hospitalizado na chegada à Indonésia, devido a problemas cardíacos, algo que o Kremlin negou. E ainda teve de assistir à China e à Índia, cuja amizade Lavrov tenta cultivar há quase trinta anos, fazerem críticas veladas ao Kremlin. 

No que toca a Xi Jinping, ainda que tenha recusado a chamar à invasão russa uma “guerra”, alinhando com o Kremlin nisso, também fez questão de se opor ao uso de armas nucleares na Ucrânia, apesar das recorrentes ameaças do seu amigo Putin. Algo que Zelensky não deixou de reparar, sabendo bem do quanto Moscovo depende de Pequim para contornar as sanções ocidentais, agradecendo a oposição do “G-19” às “loucas ameaças com armas nucleares” que o Kremlin tem usado como forma de “extorsão”. 

Já o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, insistiu num regresso à mesa de negociações. A Índia tem-se tentado manter equidistante quanto à guerra na Ucrânia, seja estar a aproveitar a compra de petróleo russo a preço de saldo ou pela sua dependência militar da Rússia, que lhe vendeu entre 70% a 85% do seu armamento, segundo o Instituto Montaigne. Não estamos só a falar de AK-47, mas até caças, submarinos, um porta-aviões, além de quase todos os tanques usados pelos militares indianos. O facto destes modelos – sobretudo os tanques T-72 e T-90 – se estarem a sair tão mal na Ucrânia explica porque é que a Índia se tem dedicado tanto a diversificar as suas compras de armamento, apostando mais em Israel, França e nos EUA. 

“Tenho repetidamente dito que temos de encontrar uma maneira de voltar ao caminho de um cessar-fogo e diplomacia na Ucrânia”, salientou Modi. Já Zelensky deixou as suas condições muito claras para tal suceder. “Kherson já foi libertada”, explicou, comparando-o ao Dia D. “Estou convencido que agora é o momento em que a destrutiva guerra russa deve e pode ser terminada”, assegurou. 

Para começar, o Kremlin deve retirar imediatamente as suas tropas da central nuclear de Zaporínjia, para evitar um acidente, exigiu o Presidente ucraniano. Depois, assegurar o acordo para a venda de cereais ucranianos através do Mar Negro, parar com os bombardeamentos à rede elétrica – como os que levou a cabo horas após o discurso de Zelensky – e libertar todos os militares e civis ucranianos capturados.

Estas são as exigências mais fáceis. Depois vem o julgamento de criminosos de guerra – é difícil imaginar Putin a ir parar ao banco dos réus – e garantias de segurança à Ucrânia por países terceiros. Além da retirada russa do território ucraniano como reconhecido pela ONU. O que incluíria a Crimeia, cuja perda é impensável para Moscovo, mas para Kiev “isto não é negociável”, prometeu Zelensky. 

O Kremlin fez ouvidos moucos, mas lá teve que dar o braço a torcer quanto ao acordo para exportação de cereais e fertilizantes ucranianos, que expirava a 19 de novembro, estando prestes a aceitar a sua extensão, avançou a Bloomberg na terça-feira. Afinal, os amigos de Putin estavam todos a empurrá-lo nessa direção. Não só Modi e Xi não são conhecidos por perdoar fraqueza, algo que as forças armadas russas têm mostrado no campo de batalha, como estão cada vez mais impacientes com os impactos globais da invasão. 

“Nós devemos fazer um acordo para manter a cadeia de distribuição tanto de cereais como de fertilizantes estável e garantida”, exigiu o primeiro-ministro indiano no G20, alertando que “a escassez de fertilizante de hoje é a crise alimentar de amanhã”. E o Presidente chinês queixou-se dos que recorrem à “politização, instrumentalização e uso como arma dos problemas alimentares e energéticos”.