A palavra do ex-governador

Carlos Costa ‘cumpliciado’ com o jornalista Luís Rosa, percebeu e soube aproveitar a oportunidade de destapar ‘segredos’ que se queriam fechados ‘a sete chaves’. 

Bastou um livro, assente na memória de pressões políticas sofridas por um ex-governador – alegadamente praticadas por António Costa junto do Banco de Portugal, uma instituição independente -, para se encontrar um novo best-seller, que concorre, em vantagem, com outros reputados autores que invadem os escaparates à beira do Natal. 

Um trabalho jornalístico, ‘condenado’, à partida, a dividir opiniões, provocar ‘defesas da honra’ e incendiar os ânimos dos serviçais do costume. 

O protagonista desta proeza foi o ex-governador Carlos Costa, que exerceu dois mandatos no Banco de Portugal, em condições provavelmente irrepetíveis, ‘cumpliciado’ com o jornalista Luís Rosa, que percebeu e soube aproveitar a oportunidade de destapar ‘segredos’ que se queriam fechados ‘a sete chaves’. 

Foi uma década em que a Banca portuguesa atravessou uma turbulência incomum, que se saldou pela falência do BES – considerado uma das ‘joias da Coroa’ -, além do Banif, do BPN ou do Banco Privado.

Foi o período, também, em que a estrutura acionista e de governação dos maiores bancos, conheceu mudanças profundas, sem esquecer o alastramento da crise ao banco público, que precisou de recorrer ao Estado para estancar o risco da derrocada.

Com este enquadramento – que afetou a credibilidade da Banca -, podem imaginar-se os desafios a que esteve sujeito o então governador e o BdP, em terreno contaminado por imperscrutáveis manobras de bastidores.

Será útil recordar que a Banca constituiu um dos eixos centrais da política desenvolvida pelo primeiro governo de maioria absoluta socialista de José Sócrates, quando este procurou controlar as principais alavancas do poder, incluindo os media e a Justiça.

Convirá ter presente que, à época, houve ainda o ‘assédio’ à Banca privada ‘incómoda’, caso do BCP, fundado por Jardim Gonçalves, que era uma ‘pedra no sapato’ para Sócrates, vítima por isso mesmo de um ‘golpe de mão’, através da colocação de ‘comissários políticos’ da confiança do então primeiro-ministro. 

Nesse período, o BdP teve como governador Vítor Constâncio, o socialista dócil aos desígnios de Sócrates, recompensado mais tarde com a nomeação para a vice-presidência do BCE.

Coube a Constâncio um papel influente nas mudanças da cúpula no BCP, servindo Joe Berardo, então acionista, como ‘cavalo de Troia’, financiado pela CGD.

A propósito, será de recordar o depoimento do ex-administrador do BCP, Filipe Pinhal, que, em junho de 2019, em sede de comissão parlamentar de inquérito à Recapitalização da CGD, falou da «bênção do triunvirato» no apossamento daquele Banco, declarando ser sua «firme convicção» de que «houve uma teia urdida que teve um diretório claro constituído por José Sócrates, Teixeira dos Santos e Vítor Constâncio, e depois vários operacionais, cada um a fazer o seu papel».

Terá sido essa estratégia partilhada que determinou a sorte da ‘guerra’ no BCP, forçando a saída de Pinhal do Banco e a entrada, de rompante, de Carlos Santos Ferreira e de Armando Vara, oriundos da CGD.

Constâncio ainda não publicou as memórias, e bem poderia fazê-lo, como contributo para a história de um período assaz conturbado da Banca portuguesa. Se conseguir distanciamento para tanto. 

De facto, a narrativa da Banca está repleta de episódios obscuros e de sobressaltos, responsáveis por um clima de desconfiança, quer no plano interno quer junto de instituições internacionais de referência, enquanto milhares de pequenos investidores viram volatilizarem-se, sem retorno, as suas poupanças.

Habituado à impunidade, o PS assestou agora as baterias sobre o livro-testemunho corajoso do ex-governador, que Fernando Medina ostensivamente disse não tencionar ler, e onde Francisco Assis deu o ‘dito por não dito’, encolheu-se e cancelou a sua presença (confirmada…) na apresentação do livro. Já Mário Centeno, sibilino, pediu «respeito pelas instituições», que ele próprio não respeitou como ministro das Finanças.

Mas o imbróglio da Banca começou antes de Carlos Costa chegar ao BdP, escolhido por Sócrates, e derreteu muitos milhares de milhões de euros dos contribuintes, para evitar o pior.

Afortunadamente para o primeiro-ministro, começou o Mundial de Futebol, e, apesar das reservas sobre os direitos humanos no Qatar, Marcelo Rebelo de Sousa (com uma soberba gafe à mistura …) foi o primeiro a voar para Doha, a pretexto de apoiar a seleção portuguesa.

Seguir-se-ão, num esforçado exercício patriótico, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro, ambos supostamente empenhados em confortar os futebolistas com a sua presença. E ninguém se apercebe do caricato destas deslocações. 

Fosse uma final ou meia final e compreendia-se que o Presidente ou o primeiro-ministro estivessem em Doha. Assim, é populismo futebolístico.