Crise de matérias-primas

Mas ao acompanhar a educação e discurso público hoje em Portugal pergunto-me se não estamos a privar a vossa geração de matérias-primas para uma vida frutuosa e completa.

Nova Iorque, novembro 2022

«It had long since come to my attention that people of accomplishment rarely sat back and let things happen to them. They went out and happened to things».
Leonardo da Vinci

«Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena».
Fernando Pessoa

«The question isn’t who is going to let me; it’s who is going to stop me».
Ayn Rand

 

por Pedro Ramos

Queridas Filhas,

Com razão estes dias o mundo preocupa-se com os distúrbios no abastecimento de matérias-primas. Vemos preocupações com apagões na Alemanha e UK este inverno. Na semana passada houve filas longas em França para abastecer os combustíveis. E teme-se que interrupções na exportação do trigo da Ucrânia levem a surtos de fome por vários países em desenvolvimento.

Tal como o oxigénio, só nos lembramos das matérias-primas quando estas faltam. Mas ao acompanhar a educação e discurso público hoje em Portugal pergunto-me se não estamos a privar a vossa geração de matérias-primas para uma vida frutuosa e completa. Vocês estão a formar o vosso caráter num meio que bloqueou o abastecimento de: investimento de longo prazo; ambição; liderança; resiliência e sentido de missão. Cada um merecia uma carta. Mas aqui vão uns primeiros traços dos efeitos deste jejum.

Investimento de longo prazo. Conta-se que há uns séculos atras um poeta passeava por um local de construção e perguntou a um trabalhador: o que fazes? Ele respondeu: ponho pedra sobre pedra. Mais à frente outro respondeu: estou a construir um muro. Por fim um terceiro respondeu: estou a construir uma catedral! Os nossos antepassados fizeram sacrifícios em prol de projetos multi-generacionais (completados depois da sua vida), muitos dos quais ainda visitamos e produzem riqueza cultural, económica e turística para Portugal. Ainda há pontes romana em uso! Mas quando penso o que se fez em Portugal nos últimos anos, só me lembro dos estádios de futebol para o Euro-2004. Muito pouco para uma geração…

Ambição. Um dos grandes choques culturais quando cheguei aos USA foi a forma apaixonado como acreditam e trabalham para um melhor futuro. Em Portugal tal não era bem visto: ‘Tens a mania das grandezas’ diziam-me muito. Pode ser que Portugal perdeu a ambição? Estamos conscientes dos trade-offs envolvidos? Ou estamos adormecidos por uma cultura tecnocrática que promete resolver os problemas com discursos, regulações e fundos comunitários?

Liderança. Conta-se que Júlio César disse dos lusitanos: «São um povo que não se governa, nem se deixa governar». Crescendo em Portugal vi muito disto. Chamaram-me mandão. Passava-se mais tempo a discutir virgulas e cores do que em avançar com os projetos para a frente. Nos países anglo-saxónicos noto uma cultura de designar um líder de projeto e deixá-lo conduzir as decisões. O feedback e avaliação faz-se no final. No projeto seguinte outro assume a liderança. Isto desenvolve líderes, encoraja todos a desenvolver a sua voz, e incentiva as pessoas a tentarem rumos diversos.

Resiliência. Um negócio falhado é uma marca negra. Um despedimento tem de ser mantido em segredo. Um contratempo: uma tragédia. Quando se teme os riscos de forma excessiva, duvida-se da capacidade de enfrentar contratempos, vive-se com pouca margem de segurança (financeira, emocional, …), o inovar e criar parece demasiado arriscado. Isto atrasa o progresso. E o crescimento pessoal.

Sentido de Missão. A mentalidade atual põe a felicidade pessoal acima de tudo. E acredita que os principais obstáculos a esta veem do exterior: racismo, capitalismo, intolerância de orientação sexual, religião, bullying… Quando algum isolamento destas ameaças é alcançado as pessoas sentem-se vazias. O foco em si próprio acima de tudo levou ao Nihilismo. Isto contrasta com a forca de pessoas que se transcenderam para atingir o que outros não achavam possível. Em vez de lutarem contra ocultas forças do poder estas comunidades realizaram-se com cada um apoiando-se mutuamente a se auto-superar. Equipa acima de individuo. Caravela acima de marinheiro. Missão acima de preferência pessoal. Algo que racionalmente não faz sentido, mas que se sente com a vivência: a felicidade vem da superação individual na prossecução de um objetivo maior.

Nos USA a grande geração cresceu com as dificuldades da grande depressão, ganhou a segunda guerra mundial, teve bastantes filhos (baby boom) e criou as cidades, autoestradas e comunidades suburbanas modernas. Os que conheci sempre me pareceram humildes, trabalhadores, otimistas e resilientes. Desprendidos do medo. Acredito que a principal missão da minha geração é agora desbloquear o vosso acesso a estas matérias-primas, para que os vossos descendentes se refiram a vocês de novo como a grande geração.