O Mundo já não está Aos Nossos Pés

E qual a razão para Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelas ser eleito o melhor de sempre? Simples, a realizadora foi uma defensora dos direitos da comunidade homossexual e é preciso premiar não o filme mas o papel da realizadora! Ainda não vi tão estrondoso talento, mas dizem-me que Chantal Akerman, a realizadora,…

1.Confesso que não tinha percebido muito bem as consequências práticas do confinamento, e ainda hoje tenho muitas dúvidas sobre o que realmente se passou na cabeça das pessoas, mas há dados que são inquestionáveis: como que por artes mágicas desapareceram milhões de trabalhadores em quase todas as atividades, se excluirmos os estafetas que levam produtos alimentares ao domicílio e os nómadas digitais. De resto, é o que se sabe. Faltam milhares de trabalhadores na agricultura, nas obras, na aviação e por aí fora. Mas onde raio é que se meteram essas pessoas todas? Foram para a reforma? Decidiram só fazer biscates e ganhar o suficiente para continuarem em casa? Daqui a uns anos alguém fará um estudo aprofundado e lá chegará a algumas conclusões. No que nos diz respeito, há um pequeno pormenor muito irritante, o horário da restauração. Inexplicavelmente, quase todos os restaurantes começaram a fechar mais cedo e hoje a dita cidade cosmopolita não tem praticamente espaços onde se possa comer depois da meia-noite. Até locais emblemáticos como o Snob passaram a fechar uma hora mais cedo, política seguida pela maioria das cervejarias. E já nem falo do Berimbar da Cristina, que não tinha horas para fechar, mas que calculo que tenha fechado portas. Dizem os responsáveis dos espaços onde pergunto por que fecham tão cedo, que o problema está nos consumidores que deixaram de aparecer fora de horas… Tirando rulotes e casas que vendem pão com chouriço e caldo verde, é tudo um deserto a partir da meia-noite.

2.Há umas semanas, a revista Sight and Sound anunciou, à semelhança do que faz de dez em dez anos, a lista dos 100 melhores filmes de sempre. Tendo começado em 1952, com um júri de centenas de pessoas, a eleição recaiu no Ladrões de Bicicletas, para dez anos depois eleger o Mundo a Seus Pés, que durante 30 anos manteve o lugar mais alto do pódio. Em 2012, perdeu para Vertigo – A Mulher que Viveu Duas Vezes, ficando em segundo lugar. O meu filme de eleição, O Padrinho, andou quase sempre bem classificado, mas desta vez saiu do Top 10. Acresce que sou fã dos filmes mencionados até agora.

Chegados a 2022, ao tempo da tontaria do politicamente correto, eis que surge um filme de 1975, a alcançar a distinção de melhor filme de sempre. Curioso, o filme é de 1975 e só agora é que foi retirado do meio da tabela, que tinha sido o melhor lugar alcançado? E qual a razão para Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelas ser eleito o melhor de sempre? Simples, a realizadora foi uma defensora dos direitos da comunidade homossexual e é preciso premiar não o filme mas o papel da realizadora! Ainda não vi tão estrondoso talento, mas dizem-me que Chantal Akerman, a realizadora, faz de Manoel de Oliveira um realizador de ação. Ah! Dentro do júri, há uma ‘secção’ só de realizadores que escolhem entre os seus pares. Para a maioria destes, 2001, Odisseia no Espaço é o melhor de sempre, seguido pelo O Mundo a Seus Pés e em terceiro o inevitável O Padrinho. Mas não é que os realizadores também descobriram agora o filme de Chantal como o quarto melhor de sempre? O mundo está mesmo aos pés dos tontos.

3.Para quem goste de saber como está o jornalismo aconselho uma série notável, Alaska Daily, que passa na Fox Life. E eu que pensava que a crise no meio jornalístico só acontecia em Portugal… Já passaram dois episódios, mas eu à quinta-feira não perco nenhum. Hilary Swank no papel de grande repórter está notável.

vitor.rainho@sol.pt