O legado de António Costa

Se olharmos para trás, verificamos que os chefes de Governo que mais fizeram foram os que menos falavam.

Por isto e por aquilo, o primeiro-ministro, António Costa, tem estado na berlinda nas últimas semanas.

Foi uma entrevista à TVI/CNN, muito comentada.

Foi um aparte sobre Carlos Moedas de que depois veio penitenciar-se, pedindo desculpa ao próprio e aos portugueses, explicando que estava «cheio de sono» quando o disse.

Foi uma entrevista à revista Visão, que os comentadores consideraram arrogante e sobranceira.

Fizeram-se debates inteiros consagrados ao tema, dizendo-se que o primeiro-ministro anda «irritadiço».

Mas, pensando bem, que importância tem isso?

O que fica dessas palavras, das de Costa e dos comentadores?

Em Portugal, discute-se demasiado o que as pessoas dizem – mas discute-se muito pouco o que as pessoas fazem.

Se olharmos para trás, verificamos que os chefes de Governo que mais fizeram foram os que menos falavam.

Salazar, que tem uma obra enorme, fez uma dúzia de discursos e deu meia dúzia de entrevistas em todo o tempo que esteve no poder.

E Cavaco Silva, o primeiro-ministro depois do 25 de Abril com mais obra feita, também não gostava muito de falar. 

Inversamente, os que mais falavam foram os que menos fizeram.

Mário Soares pouco fez, António Guterres pouco fez (a Expo já estava toda planeada quando ele chegou ao Governo), António Costa fez o quê?

Que legado nos vai deixar este primeiro-ministro?

Se compararmos a sua obra com a de outros chefes do Governo, o que concluímos?

Já não falo de Salazar, que construiu escolas, hospitais, tribunais, pontes, barragens e outras obras públicas pelo país fora e de cujo tempo é toda a Lisboa moderna: a primeira ponte sobre o Tejo, o aeroporto da Portela, a zona de Belém, a de Alvalade, o Hospital de Santa Maria, o Instituto Superior Técnico, o Instituto Nacional de Estatística, as gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, etc., etc., etc. 

Mas Cavaco Silva também tem uma obra apresentável: a Ponde Vasco da Gama, a conclusão da autoestrada para o Porto (que era uma obra de Santa Engrácia), a autoestrada para o Algarve, a Via do Infante, a ponte sobre o Guadiana, o Centro Cultural de Belém, hospitais distritais, muitas escolas. 

Dir-se-á que ambos estiveram muito mais tempo no poder.

De facto, Salazar foi chefe do Governo entre 1932 e 68, ou seja, durante 36 anos, cinco vezes mais tempo do que aquele que António Costa leva em S. Bento (mas bastante menos do que já passou desde o 25 de Abril – 48 anos).

Mas Cavaco Silva foi primeiro-ministro durante 10 anos, entre 1985 e 95, e António Costa já está há 7.

E se completar este mandato, como é previsível, ultrapassará Cavaco.

Um primeiro-ministro não deve só governar para o estrito tempo em que está no poder.

Deve ter a ambição de deixar um legado para o futuro.

Hoje estamos a beneficiar de muitas das obras referidas atrás.

O aeroporto continua a ser o único da área de Lisboa, as pontes sobre o Tejo são nesta zona as únicas ligações ao Sul, a autoestrada para o Algarve e a Via do Infante idem, só a autoestrada do Norte já tem várias alternativas, mas ainda continua a ser a mais importante.

Foi assim em todas as épocas.

Muitas das igrejas construídas em séculos passados continuam em uso e abertas ao culto, os castelos, fortes, palácios, mosteiros e conventos edificados pelos nossos antepassados ainda são muito úteis, albergam ministérios, quartéis, escolas, creches, etc., e constituem um património edificado que alimenta a rentável indústria do turismo.

Ora, António Costa que legado vai deixar?

Quando sair do poder, o que ficará dos seus governos?

Que obras planeou e concretizou?

O que construirá com a bazuca – que, sendo uma ajuda extraordinária ao país, não devia beneficiar apenas esta geração mas sim deixar alguma coisa para o futuro?

Discutir o que António Costa disse, o que não disse, o que devia ter dito, não interessa nada.

É um entretém.

O que verdadeiramente interessa é o balanço do seu consulado. 

Isto é que valerá a pena discutir.

Não para o crucificar, mas para servir de lição aos que vierem a seguir.

Um primeiro-ministro, quando sai do cargo, deve deixar o país melhor do que o encontrou.

Deve deixar aos vindouros alguma coisa que se veja.

Deve deixar alguns marcos da sua passagem pelo poder.

Ora, António Costa não vai deixar praticamente nada. 

A menos que os próximos três anos sejam febris e recheados de obras públicas, o balanço do seu consulado vai ser paupérrimo.