Por mim, não me quero habituar!

“Há muito que realmente notamos o esforço de todo o PS para que nos vamos tristemente habituando à atual realidade, de alguma forma acomodando-nos à inevitabilidade desta governação socialista, sem reagir democraticamente a uma confrangedora incapacidade para gerar riqueza nacional”

Há entrevistas que marcam de tal maneira, para o bem ou para o mal, que durante muito tempo se fica a falar delas. Recentemente, António Costa deu uma entrevista à Visão, cuidadosamente planeada para (i) inverter a sua imagem altamente desgastada após quase 9 meses de governação com enormes problemas, (ii) informar que se pretende manter 4 anos na chefia do Governo, (iii) se defender das acusações que considera «mentiras vis» e «operação política» no livro O Governador e (iv) informar que o Governo vai dar uma prenda de Natal de 240 euros aos mais desfavorecidos. No entanto, acaba por ficar definitivamente marcada por expressões absolutamente laterais que se sobrepuseram às mensagens pretendidas de passar.

 

Falemos, antes de mais, da entrevista no seu global. Entre as mensagens transmitidas, informou que «nunca» se tenciona candidatar à Presidência da República em 2026, relembrou o «Acordo de Concertação Social» como mérito do seu Governo e até anunciou boas notícias como (i) o crescimento este ano de 6,7% do PIB e a redução do défice para 1,5%, (ii) a redução do abandono escolar, (iii) a convicção do cumprimento do PRR, (iv) o peso das exportações no PIB ser superior a 50%, e (v) o aumento dos salários no conjunto da riqueza nacional.

Infelizmente não se ficou por aqui e teve uma expressão que irá marcar esta legislatura: «Habituem-se!» (aos 4 anos de Governo). Passemos por cima da pose arrogante que foi capa da entrevista, qual Luís XIV (L’État c’est moi!) e vamos ao essencial: a que será que teremos de nos habituar nestes 4 anos?

 

Aos problemas diários na Saúde que vêm sendo agravados desde há 7 anos, como sucede na deterioração clara da qualidade do serviço no SNS, à insuficiência de médicos de família que ano após ano vem aumentando e, agora, ao encerramento intercalado das urgências hospitalares?

Às greves e manifestações dos professores, unidos em reivindicações como há muito não víamos e em que pedem a demissão do ministro da Educação?

Aos ‘casos e casinhos’ que nascem no Governo e revelam bem a desordem e falta de autoridade interna?

À inexistência de meios para investigação de graves casos na justiça que indiretamente explicam que diversos, bem mediáticos, arrisquem a prescrição?

À burocracia na Administração Pública de que tanto se queixam os investidores, nacionais ou estrangeiros, que precisam de respostas céleres a projetos de investimento?

À fiscalidade asfixiante que incentiva a fuga aos impostos e esmaga quem declara a totalidade dos rendimentos?

À paulatina perda de posições nos rankings europeus relativos às métricas de riqueza (PIB per capita)?

Ou será que se referia ao Estado-providência, com uma população cada vez maior de funcionários públicos sem quaisquer melhorias visíveis nos respetivos serviços?

Ou, como reflexo do empobrecimento nacional, à necessidade imperiosa de se passar a normalizar a distribuição de subsídios a cada vez mais famílias carenciadas, como esta atribuição de um (justo) apoio de 240 euros, sem se vislumbrarem políticas económicas eficazes no sentido de minorar o seu número crescente, incentivando o investimento e estimulando a criação de emprego, nomeadamente inovando com políticas reformistas (que nem se podem dizer que estejam na gaveta porque não se sabe quais são)?

 

Ou à inércia que caracteriza a decisão do aeroporto, em que o único que teve alguma iniciativa no seu Governo, bem ou mal, para tomar uma decisão (Pedro Nuno Santos) foi sucessivamente criticado, até nesta entrevista em que, exatamente por esse caso, não se inibiu de o humilhar mais uma vez, quiçá para também se habituar?

Ou a este novo estilo de criação de soundbytes dirigidos a partidos da oposição, bem demonstrativos de uma grande falta de respeito, quiçá porque pessoalmente os deteste, esquecendo que para se ser respeitado qualquer um tem de se dar ao respeito? Longe vai o discurso da tomada de posse deste Governo maioritário em que, entre promessas de dar prioridade à (i) emergência climática, (ii) transição digital, (iii) combate ao ‘inverno demográfico’ e (iv) pobreza e desigualdades, solenemente prometia respeito democrático e reiteradamente referia não confundir maioria absoluta com poder absoluto.

 

Enfim, por tudo o que fui referindo, há muito que realmente notamos o esforço de todo o PS para que nos vamos tristemente habituando à atual realidade, de alguma forma acomodando-nos à inevitabilidade desta governação socialista, sem reagir democraticamente a uma confrangedora incapacidade para gerar riqueza nacional, em que o foco na tributação fiscal parece ser o único desiderato para manter «as contas certas» de um país envelhecido e em perda demográfica. Sobra a convicção de que, mesmo em maioria absoluta, se privilegia o denegrir da oposição democrática, diabolizando quem se vislumbre poder ser alternativa, com o único objetivo de criar a ideia de que qualquer uma “é mil vezes pior.

Portugal merece melhor, na tradição democrática de líderes socialistas como Mário Soares, Jorge Sampaio ou António Guterres, ou de sociais-democratas como Sá Carneiro, Cavaco Silva ou Passos Coelho. A velha questão da diferença entre ‘ficar na história’ ou ‘ficarmo-nos pelas estórias’…

Natal é época de tolerância e paz, jamais de conflitualidade e guerra (mesmo que seja comunicacional). Esta entrevista por tudo o que fica na memória, qual presente de Natal para todos nós, tornou-se perfeitamente dispensável.