Isabel Santos. De defensora dos direitos humanos às bocas do mundo

A eurodeputada socialista, que se tem destacado pelo trabalho desenvolvido em matérias ligadas à política externa da UE, viu-se enredada naquele que já é considerado o maior escândalo de corrupção no seio de Bruxelas.

Com sangue nortenho, que faz questão de evidenciar nas poucas entrevistas que concede — há uns anos disse até ser capaz de levar umas tripas à moda do Porto caso fosse de férias para a China —, a socialista, natural de Valbom, em Gondomar, completou já três anos desde a sua entrada no Parlamento Europeu. Por lá tem desenvolvido trabalho na luta pela defesa dos direitos humanos e pelas questões humanitárias, em diversos países.

Talvez por essa razão salte ainda mais à vista o seu envolvimento na Organização Não Governamental (ONG) que está no centro do Qatargate, o esquema de corrupção e lobbying a favor do Qatar, país que tem sido amplamente criticado em matéria de direitos humanos e de direitos laborais.

Licenciada em Relações e Cooperação Internacional, com uma pós-graduação em Sociologia, Isabel Santos, eleita pelo PS em 2019, desempenha atualmente funções de presidente da Delegação para as Relações com os Países do Maxereque, que lida com com a política externa comunitária relativamente à Argélia, ao Egito, a Israel, à Jordânia, ao Líbano, à Líbia, a Marrocos, ao Saara Ocidental, à Autoridade Palestiniana, à Síria e à Tunísia. 

É ainda membro da Comissão dos Assuntos Externos, da Subcomissão dos Direitos Humanos, da Delegação à Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana e é também relatora do Parlamento Europeu para o Processo de Integração da Albânia na União Europeia. 

Como eurodeputada, tem de gerir uma agenda apertada. Começa cedo, por volta das oito da manhã, com cerca de 30 minutos reservados para almoçar, sendo raro fechar o dia de trabalho antes das oito da noite.

Nascida antes do 25 de Abril, mais precisamente em fevereiro de 1968, o seu interesse pela política surgiu desde cedo, tendo crescido num ambiente altamente politizado no seio de uma família que sempre debateu estas questões. O seu bisavô materno era um republicano convicto e ativista da I República. “Para mim, a participação política foi sempre algo absolutamente natural”, confessou a eurodeputada numa entrevista à revista portuense VIVA!.

Foi com essa mesma naturalidade e sem grandes planos que ingressou na carreira política. “Os convites foram surgindo e eu fui agarrando algumas oportunidades e deixando de lado outras, que não me motivavam tanto”, contou à mesma publicação.

Chegou a deputada à Assembleia da República pelo distrito do Porto, em 2005, tendo desempenhado essas funções na X, XII e XIII Legislaturas e integrando, entre outras, a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. Entre 2014 e 2015, foi também vice-presidente do grupo parlamentar do PS, ao lado de Eduardo Ferro Rodrigues quando este era líder da bancada socialista.

Fora do Parlamento, foi governadora civil do Porto entre 2009 e 2011 e ainda esteve como vereadora na Câmara de Gondomar entre 2009 e 2013. Por essa altura, a sua ação política ganhou uma forte dimensão internacional. 
Durante duas legislaturas integrou a delegação portuguesa à Assembleia Parlamentar da OSCE – Organização para a Segurança e Cooperação, chegando primeiro a vice-presidente e depois a presidente da Comissão de Democracia, Direitos Humanos e Questões Humanitárias deste organismo. Mais tarde foi eleita vice-presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE e da sua Comissão para as Migrações.

Além disso, tem liderado e participado em várias Missões de Observação Eleitoral. Foi chefe da missão da União Europeia nas Eleições Regionais da Venezuela (2021) e chefiou a missão do Parlamento Europeu nas Eleições Presidenciais do Sri Lanka (2019). Integrou, também, a missão às Eleições Presidenciais da Ucrânia (2019) e às Eleições Legislativas do Líbano (2022). Na OSCE, foi chefe das missões de Observação Eleitoral nas Eleições Intercalares dos Estados Unidos da América (2018), nas Eleições Parlamentares da Alemanha (2017), nas Eleições Parlamentares da Macedónia do Norte (2014) e nas Eleições Parlamentares dos Estados Unidos da América (2014). Fez parte, ainda, como membro observador de missões em atos eleitorais em Itália, Turquia, Ucrânia, Sérvia, Arménia, Geórgia, Bielorrússia e Rússia.

Cruzando a barreira entre a política e o ativismo, Isabel Santos participou ainda noutras missões, como por exemplo, em campos de refugiados em Itália, Grécia, Turquia, República Checa, Sérvia, Suécia e Dinamarca e foi chefe da missão da AP OSCE a Guantánamo, em 2015, uma das experiências que mais a impactou. “Entrar em Guantánamo e ver aqueles homens detidos, como farrapos de vidas desfeitas, ainda me persegue”, revelou à VIVA!. 

Na semana passada, depois de o jornal belga Le Soir ter noticiado que “apoiou um pedido de financiamento” junto do comité de Negócios Estrangeiros do Parlamento Europeu à Fight Impunity, a ONG envolvida no Qatargate e da qual era membro honorária, e horas depois de o caso ser noticiado pelo i, Isabel Santos negou que tenha “avalizado, apoiado ou incentivado qualquer financiamento seja a que organização for, nomeadamente à Fight Impunity”.

A eurodeputada do PS pediu para ser destituída do conselho honorário da ONG, dizendo-se “chocada e surpreendida com as alegadas ligações entre o presidente da associação e o processo judicial em curso”, reiterando que nunca assumiu “qualquer função executiva, de gestão ou de representação dessa associação”.

Isabel Santos pertencia desde 2021 ao conselho da Fight Impunity, criada em 2019 pelo antigo eurodeputado italiano Pier Antonio Panzeri, e que está aparentemente focada na defesa dos direitos humanos, mas que não passará de uma fachada para ações de lobby internacional a favor de Doha e de Marrocos, segundo a investigação que no início de dezembro levou à detenção da então vice-presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili, entretanto demitida.