Até quando será válida a regra ‘ai aguenta, aguenta’?

Agora, em 2023, ano de desafios incomensuráveis seria necessária uma governação estável, proativa, ajustada aos novos desafios mundiais e orientada para que o país pudesse sair dos últimos lugares no ranking de desenvolvimento das nações europeias.

Esta crónica esteve suspensa, por razões exclusivamente pessoais, durante alguns meses.

Na hora da retoma, encarada como um indeclinável dever de participação cívica (e só isso), a grande dificuldade foi a de escolher o tema para este escrito.

A política portuguesa cada vez se aproxima mais das novelas televisivas, que nos permitem facilmente compreender o enredo, mesmo que, pelo caminho, venhamos a perder vários episódios.

Ora é verdadeiramente a continuidade de políticas de baixa qualidade e as trapalhadas ligadas ao funcionamento do executivo, responsável por essas políticas, que mantém, infelizmente, atual a interrogação de ‘até quando o eleitorado aguentará esse despautério’.

Segundo previsões oficiais, os salários reais dos portugueses vão valer menos em 2023 do que em 2014, sendo que 2014 foi o fim da intervenção externa (troika), pedida pelo Governo de José Sócrates, e 2023 será o oitavo ano da responsabilidade de António Costa.

Recentemente a agência de rating Moody’s afirmou que Portugal é o sétimo país da União Europeia com maior risco de estagflação, ou seja de sofrer os efeitos perversos do mais terrível dos impostos para os mais carenciados, em simultâneo com um crescimento económico nulo ou negativo.

 

É claro que este perigo resulta, em boa parte, das condições económicas extremamente desfavoráveis que condicionam boa parte do desenvolvimento global, mas o risco de ocorrer é diretamente proporcional à fragilidade das economias que afeta.

Ora a estrutura da economia portuguesa mantém-se, como os dados atrás citados sobre salários reais comprovam, inalterável desde 2015, sem que se tenha verificado qualquer reforma significativa, no sentido de aumentar a sua produtividade e competitividade.

Depois do Governo socialista de José Sócrates não se conhece qualquer reforma estrutural de destaque no domínio da saúde, da educação, da segurança social, do ambiente, das infraestruturas ou da modernização do Estado.

 

Na sequência de uma ausência total de visão política e de estratégia de desenvolvimento resultou um país partido em fatias onde, ao lado dos unicórnios especulativos e dos nómadas digitais, se encontram mais de um terço de portugueses mergulhados na pobreza, outros tantas a caminhar para lá e uma classe média fortemente sacrificada que sobrevive à custa de poupanças do passado.

Claro que teríamos e ainda temos a ajuda europeia consubstanciada em largas dezenas de milhares de milhões de euros, mas essa ‘vantagem’ que o próprio Presidente da República já denominou como «última oportunidade» só servirá os portugueses se for correta e transparentemente aplicada.

As poucas notícias que vão saindo sobre o PRR, tema que tem andado arredado da discussão pública (!?!), não são animadoras. A mais recente informava que «a execução de um terço do PRR gera mais dúvidas do que certezas».

Infelizmente é este o balanço, necessariamente simplificado, dos últimos sete anos.

 

Agora, em 2023, ano de desafios incomensuráveis seria necessária uma governação estável, proativa, ajustada aos novos desafios mundiais e orientada para que o país pudesse sair dos últimos lugares no ranking de desenvolvimento das nações europeias.

Mas, como é genericamente reconhecido, temos agora um governo corroído por divisões internas, paralisado por incompetências várias e fragilizado por uma estrutura inadequada, com uma coordenação inexistente e uma teia de interesses privados e pessoais que está em vias de tomar conta de todo o espaço público português.

Não se pode continuar a olhar sem reação para esta degradação constante e progressiva, sem exigir que os checks and balances funcionem atempadamente, para que a democracia liberal não se converta numa mera democracia eleitoral.

Como tudo na vida, todos os grandes acontecimentos (positivos ou negativos) tem um responsável. O responsável pela situação política que o país vive é António Costa. Transformou o Governo, que devia servir o país, numa mistura de tribos que antecipa a guerra civil em que o PS brevemente estará envolvido.

Todas as fórmulas políticas que experimentou, ancoradas naquilo que alguns dizem ser a sua excecional capacidade tática, falharam e se a situação se prolongar falharão ainda mais.

O Sr. Presidente da República parece ter (finalmente) percebido esta situação e até já decretou, quase como um humilhante ultimato, o ano de 2023, como o ano da derradeira experiência.

É certo que este ano será decisivo e não seria agora o momento adequado para gerar instabilidade, mas o natural prolongamento da situação presente vai exigir ao Professor Marcelo uma sindicância da ação do Governo e um escrutínio do seu comportamento altamente competentes. 

Com a AR relativamente paralisada por uma maioria absoluta que não é mais que uma extensão administrativa do Governo, também é necessária uma comunicação social livre e independente até que haja condições para atravessar o Rubicão da mudança.

À generalidade dos portugueses, resignada e condicionada por uma propaganda oficial orientada e manipuladora, pouco mais resta, até ao momento das próximas escolhas, que ‘aguentar, aguentar’.