Sugestões para um novo governante

A par de uma séria introspeção acerca das suas capacidades governativas, exige-se aos próprios uma imprescindível honestidade a toda a prova sobre os pressupostos pessoais, familiares e profissionais, presentes ou passados, assim como um profundo respeito ético inerente a tal aceitação.

Por Alexandre Faria 

Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

Numa altura em que o maior escrutínio político surge pelas redes sociais ou pela devassa da vida privada, a sucessão dos últimos acontecimentos no Governo tem incentivado a necessidade de se encontrar uma fórmula de seleção de possíveis governantes, dentro de um leque de opções cada vez mais reduzido, face à compreensível indisponibilidade de sujeição a uma vida caluniada.

Se, em termos teóricos, uma maioria absoluta pressupõe um maior conforto aos escolhidos, a triagem afunilada dentro dos aparelhos partidários também se revelou demasiado curta, apesar de ser muito diferente constituir um Governo, no início de uma legislatura, ou enfrentar remodelações posteriores, prejudicadas pela urgência temporal e imperiosa obrigatoriedade de manter o curso do executivo, o que potencia um aumento exponencial do risco.

Como Portugal tanto gosta, sobretudo quando envolve escândalos, não se discute, porém, o âmago da questão. Neste momento, explora-se até à exaustão as hipotéticas soluções para garantir um governante impoluto e sem espinhas, como se tal se definisse por decreto ou por uma circunstancial avaliação de terceiros. Elogiam-se os sistemas anglo-saxónicos e as políticas de vetting, onde um candidato a um cargo público é avaliado à lupa, seja pelo seu currículo, redes sociais, registo criminal, relações familiares e profissionais, pendências judiciais e eventuais dívidas à Segurança Social ou às Finanças. Vangloria-se o exemplo norte-americano, onde o próprio FBI pode ser chamado a investigar, ou a verificação minuciosa da Câmara dos Lordes do Reino Unido, chegando-se ao ponto de ouvir que os membros dos Governo deveriam estar sujeitos às mesmas regras dos administradores de empresas privadas. E discute-se se deverá ser uma agência governamental a executar tais exames, ou até, imagine-se, a Presidência da República, no mais absurdo atentado ao regime semipresidencialista português, atendendo às atribuições de fiscalização conferidas a outros órgãos.

No jogo político, compreende-se a vontade de considerar o primeiro-ministro como o alvo prioritário destes episódios, mas, no meio da discussão, um pormenor da maior relevância é propositadamente esquecido. Os convidados que aceitam as nomeações para o Governo são os principais responsáveis pela sua própria idoneidade e por uma análise prévia das condições para assumir um cargo público. A par de uma séria introspeção acerca das suas capacidades governativas, exige-se aos próprios uma imprescindível honestidade a toda a prova sobre os pressupostos pessoais, familiares e profissionais, presentes ou passados, assim como um profundo respeito ético inerente a tal aceitação.

 

A ânsia e o deslumbramento são maus conselheiros para a necessária credibilidade do sistema político, onde a falha de um afeta os restantes e fere os alicerces do próprio regime democrático. Em tempos propícios ao desrespeito institucional, como assistimos nas invasões inacreditáveis a órgãos de soberania americanos e brasileiros, é fundamental reforçar a confiança dos cidadãos no Estado, começando pelo exemplo dado pelos seus governantes.