Novo cisma ameaça Igreja católica

Uns querem que os padres se possam casar, que as mulheres possam ser ordenadas e que a comunidade homossexual tenha os mesmos direitos. Outros são contra, e cada vez mais se fala numa cisão. 

Novo cisma ameaça Igreja católica

Não há volta a dar. A Igreja vive momentos de grande agitação e são cada vez mais os que acreditam que será inevitável uma cisão, à semelhança daquela que deu origem à separação, no início do século XVI, entre católicos e protestantes (ver págs. 8-9).

E qual a razão para se temer uma cisão na Igreja Católica? O Sínodo 2021-2024, lançado pelo Papa Francisco, ouviu todos aqueles que fazem parte da Igreja, desde padres a leigos, e no final cada país fez a síntese do que foi apurado nas respetivas paróquias. Acontece que nesse caminho sinodal, há muitos que defendem a ordenação de padres casados, o fim do celibato, a ordenação de mulheres, a comunhão de divorciados, além da aceitação da comunidade gay, com os mesmos deveres e direitos de qualquer heterossexual. E estas ideias, lideradas pela Igreja alemã, não agradam a muitos dos padres, bispos e arcebispos ou cardeais, que entendem que não se deve alterar vários dos fundamentos da religião, nomeadamente o pecado.

«Corremos o sério risco de acontecer um cisma, mas não se sabe de que lado surgirá. Eu estou convencido que vai ser do lado dos que querem mudanças radicais, pois se no final do processo sinodal o Papa não for de encontro a essas transformações, acabarão por se afastar de Roma», diz ao Nascer do SOL um dos sacerdotes portugueses envolvidos no processo. 

Leitura diferente fazem os que acreditam que o Papa Francisco tem apelado às mudanças na Igreja, e que, por mais de uma vez, já se referiu à questão do celibato, das mulheres e dos gays. «É óbvio que o Papa quer ser mais integrador e luta contra os interesses instalados daqueles que querem que o mundo continue igual. Se a Igreja não vai ao encontro dos problemas da sociedade acabará por ver as igrejas cada vez mais vazias. É inevitável chamar os católicos divorciados, os homossexuais, e dar às mulheres a igualdade, além de se acabar com o celibato», defende outro sacerdote contactado pelo nosso jornal, que acredita que os «mais conservadores acabarão por se desligar de Roma, por não aceitarem as mudanças».

Para se ter uma ideia de como o tema está a ser discutido abertamente, veja-se o que escreveu a Ecclesia a propósito da Assembleia Continental do Sínodo 2021-2024 – que engloba 39 conferências episcopais. «A Equipa Sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) apresentou hoje em Praga o seu contributo para a Assembleia Continental do Sínodo 2021-2024, que apela a uma maior ‘transparência’ e assume ‘tensões’ em temas ditos ‘fraturantes’, na Igreja».

«Ressoa a necessidade de sermos uma Igreja com maior transparência nos processos de decisão e na sua comunicação, que dialoga com o mundo a partir da cultura numa perspetiva de ‘rasgar caminhos’, trazendo o Evangelho e a espiritualidade para o centro do debate público», defendeu a delegação portuguesa, citada pelo órgão de comunicação social católico.

Também o padre Anselmo Borges, em entrevista nesta edição (ver págs. 10-13) não foge à polémica da possibilidade de uma cisão. «Se me pergunta se há um perigo de cisma, diria que não é de excluir esse perigo. Mas espero que não se concretize. E por isso é que o Papa Francisco está a caminhar para o Sínodo», diz.

Numa altura em que a pedofilia se cola à pele da Igreja como se fosse peste, é natural que haja muitas divisões. Os alemães, como já se disse, lideram a ‘revolução’ até por serem uma Igreja das mais ricas da Europa, num país onde a população se divide ao meio entre católicos e protestantes. O próprio Conselho Sinodal de Roma já advertiu a Igreja alemã de que não pode ser um Estado fora do Estado do Vaticano. Isto é, há regras que é preciso respeitar, e cabe a Roma determinar o caminho a seguir. Por isso, muitos acreditam que o confronto entre a escola alemã e os ditos mais conservadores será inevitável.

A realidade portuguesa

No ‘inquérito’ realizado em Portugal, o relatório final não deixava margens para dúvidas. Falando na divisão entre crentes e não crentes, refere que existe «uma Igreja espiritual e humanamente pouco inclusiva e acolhedora, discriminando quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã, isto é, divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género (grupo LGBTQi+), que coloca em segundo plano as pessoas com deficiência, os mais pobres, os marginalizados e, consequentemente, desprotegidos, privilegiando atitudes assistencialistas nas situações de pobreza e institucionalização nos grupos mais vulneráveis».

No referido Relatório de Portugal lia-se ainda que era preciso haver mudanças, falando-se que assistimos a «uma Igreja que comunica de forma deficiente para dentro e para fora, reagindo mais do que propondo, mais informativa do que comunicativa. E, por isso, a perceção sobre a comunicação da Igreja é divergente: uns consideram-na bem-sucedida do ponto de vista informativo, mas com pouco alcance, além de ser demasiado reativa, não sugerindo uma agenda diferente, de acordo com os critérios e a linguagem do Evangelho; uma Igreja onde o ecumenismo e o diálogo com outras instâncias da sociedade continuam a ser insuficientes, revelando-se nalguns casos uma enorme ignorância em relação às outras religiões, e mesmo às confissões cristãs, e onde não há audácia no estabelecimento de pontes entre crentes e não crentes».

Na altura, o documento mereceu uma resposta de dois padres que elaboraram um documento com o nome ‘Uma outra perspetiva sobre a Igreja em Portugal’, defendendo que não queriam criar tensões, «mas contribuir com seriedade para um exercício de diálogo», querendo mostrar que a síntese sinodal talvez não tenha sido feita corretamente, já que muitos pensam de maneira diferente. «Por vezes é fácil querer uma renovação da Igreja, mais difícil é querer a própria conversão, que implica mudanças na própria vida», escreveram. E, ao que parece, não estão sozinhos, pois muitos na Igreja pensam como eles. Resta agora aguardar pelo fim do processo sinodal, em que os relatórios de todos os continentes serão analisados, e se as conclusões vão contribuir para a unificação das várias correntes ou para um novo cisma. Muitas das fontes eclesiásticas contactadas pelo Nascer do SOL não têm dúvidas. É impossível juntar visões tão diferentes…