Um país aterrado na selva

Fernando Medina e João Galamba: é impressionante a leviandade com que o Governo trata o dossiê TAP

O relatório da Inspeção Geral de Finanças (IGF) sobre o caso da indemnização negociada entre a ex-secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, e a TAP aquando da sua saída da administração da companhia aérea nacional traduziu-se na demissão imediata do chairman, Manuel Beja, e da presidente executiva, Christine Ourmières-Widener, bem como na reclamação da devolução de 450 mil euros indevidamente pagos à primeira.

A decisão foi tomada e anunciada pela tutela partilhada entre o ministro das Finanças, Fernando Medina, e o ministro das Infraestruturas, João Galamba.

Com base no relatório da IGF, o acionista Estado invocou «justa causa» para fazer cessar o contrato com o chairman e a presidente executiva, com efeitos imediatos e sem direito a indemnização. 

Assim, sem apelo nem agravo. E sem sequer ter sido reconhecido a Christine Ourmières-Widener o direito a ser ouvida presencial e previamente, como solicitou e é da mais elementar justiça num estado de direito democrático, em que o princípio do contraditório é irrevogável.

Em conferência de imprensa conjunta, os dois ministros da tutela resolveram tudo de uma assentada.

Ou seja, julgaram e condenaram em direto o chairman e a CEO e, sem mais delongas, anunciaram o substituto, que passou a acumular as duas funções – se Christine Ourmières-Widener foi selecionada segundo um processo de recrutamento internacional que, justificava o então ministro Pedro Nuno Santos, asseguraria que a TAP ficaria em boas mãos, agora não foi preciso nem tempo nem recursos para descobrir que, afinal, tínhamos em Portugal, ou melhor nos Açores quem com provas dadas das melhores práticas de gestão no setor. E muito mais barato, pois, pelos vistos, não terá direito aos bónus milionários que a gestora francesa negociara. Incrível, não é?

Politicamente, com a solução encontrada e sustentada no relatório da IGF, o Governo pretende por uma pedra sobre o assunto.

Como se Portugal fosse uma selva onde vigora a lei do mais forte – leia-se: do Fisco e da maioria socialista.
Ora, não pode!

Todo este caso que envolve uma indemnização imoral e pelos vistos também ilegal a Alexandra Reis é uma sucessão de escândalos que não isenta de responsabilidades nem quem é demitido nem quem demite, nem quem elaborou o relatório com base no qual se demite, nem quem ainda não se demitiu nem foi demitido mas também devia tê-lo sido.

Como é, desde logo, o caso do outro administrador nomeado pelo Ministério das Finanças, sobre quem o relatório da IGF é omisso, apesar de este, tratando-se do administrador com o pelouro financeiro da companhia, ter obviamente acompanhado todo o processo (até porque foi por ele que passou a execução do pagamento da indemnização em causa – bem como outras do mesmo teor) e nunca pelos vistos tenha devidamente comunicado à tutela e ao acionista, para validação.

Além de que, como consta do relatório da IGF, se a solução negocial para o caso de Alexandra Reis foi proposta à administração da TAP por um reputado escritório de advogados consultado para o efeito – o RSR Legal, de Pedro Rebelo de Sousa – e, nessa sequência, foi o mesmo mandatado pela companhia para negociar e elaborar o contrato para a desvinculação de Alexandra Reis com uma outra não menos reputada sociedade de advogados – a Morais Leitão – e foram estes que definiram os termos e as condições do acordado, qual a responsabilidade legal do chairman, da CEO e da administradora cessante?

E qual a responsabilidade exigida pelo Governo ou pela companhia, em função até do relatório da IGF, a esses dois escritórios ou sociedades de advogados? 

Curiosamente, a TAP já tinha feito saber que deixará de contar com os serviços da SRS Legal em final de maio próximo (por que será que, neste caso, a cessação contratual não foi com efeitos imediatos?).

E não menos curiosamente a Morais Leitão passou a prestar-lhe serviços de acompanhamento e aconselhamento comercial e contratual no verão passado – razão pela qual invocou ‘incompatibilidade’ para continuar a dar assessoria jurídica a Alexandra Reis neste caso. Incompatibilidade que não a impediu de ser contratada pela companhia aérea pela qual foi paga no caso de Alexandra Reis, uma vez que, como consta do relatório da IGF, essa foi uma das cláusulas do acordo fechado.

Ou seja, se esse contrato foi agora declarado nulo, é só Alexandra Reis quem terá de devolver o dinheiro indevidamente recebido da TAP?

E a sociedade de advogados que a defendeu (a Morais Leitão)? E a que representou a companhia (a SRS Legal)?

E, já agora, podem estas sociedades, que com tamanha leviandade, pelos vistos, descuraram os interesses da TAP e do seu acionista Estado, continuar a prestar serviços jurídicos pagos a peso de ouro na feitura de leis e decretos-leis?

Ou continuarem a representar a TAP ou o Estado ou a prestar-lhes outros relevantes serviços?

Acaso Christine Ourmières-Widener, gestora francesa que nem português aprendeu, tinha mais obrigação de saber que a lei portuguesa e o estatuto do gestor público não lhe permitia negociar aquela indemnização?

Está tudo subvertido!

A responsabilidade da CEO da TAP é outra. Como a do chairman. E a do CFO ainda em funções. É, sobretudo, moral.
Sendo que a responsabilidade política, se foi do ministro das Infraestruturas que se demitiu, também é do ministro das

Finanças que ainda não se demitiu nem foi demitido.

E veremos no futuro quais as consequências para o Estado e para a TAP das decisões agora tomadas pelo Governo, num processo emaranhado de escolhas, nomeações, consultas e contratações clientelares e sem o mínimo de rigor.

É que alguém vai ter de pagar por tantos e tão grandes erros.

Como se diz na gíria: é deixá-los poisar!