Trotinetas, etc

Os autarcas não podem ser macacos de imitação. Por uns fazerem isto ou aquilo, cá ou lá fora, não quer dizer que todos façam. Têm de ver o perfil das suas cidades ou vilas, estudá-las bem, pesarem os prós e os contras de determinada medida – e tomarem decisões em função disso e não em…

Um destes dias fui à Pastelaria Versailles e tive a sorte de estacionar o carro a uns 20 metros da porta. Para quem conhece mal a zona, a Versailles fica na Avenida da República, perto da Praça do Saldanha, que é uma das zonas mais movimentadas da cidade de Lisboa e onde estacionar em local não proibido é uma verdadeira lança em África. 

Fiquei, portanto, radiante – sem sonhar que aqueles curtos 20 metros poderiam revelar-se fatais.

Quando um tempo mais tarde regressava ao carro, e pouco depois de sair a porta do estabelecimento, ouvi um grito e uma travagem brusca: a uns escassos centímetros de mim estava um homem já com alguma idade montado numa bicicleta e com uma expressão no rosto ao mesmo tempo assustada e acusadora. Pedi-lhe desculpa, sem compreender o que se passara. Pensava eu que estava em pleno passeio – e não percebia como tinha aparecido ao meu lado um ciclista. Reparei depois que havia uma ciclovia que atravessava literalmente o passeio, sem aviso prévio.

Note-se que eu não estava a chegar da província. Nasci em Lisboa, conheço bem Lisboa, e até trabalhei vários anos naquela zona. Pois ia sendo ali atropelado. Calculo que não fui a primeira pessoa a passar por tal situação.

 

A Câmara de Paris levou agora a cabo um inesperado referendo que teve pouca participação popular mas um resultado esclarecedor: 90-10% contra a circulação de trotinetas na cidade.

Trotinetas, bicicletas e skates constituem os novos ‘meios de transporte’ das cidades europeias – e também da cidade de Lisboa. Alguém se lembrou um dia de as promover, com o pretexto de que iriam facilitar a ‘mobilidade’ e substituir os automóveis, provocando muito menos poluição. E perante o argumento ambiental, que hoje funciona como um dogma, todos se curvaram, com receio de serem acusados de falta de modernidade ou mesmo de reacionarismo. 

E vai daí começaram a construir ciclovias para facilitar a circulação desses engenhos ‘ecológicos’. Tratou-se de um típico fenómeno de imitação. Até porque, como sucedeu no passado com as rotundas, a UE começou a financiá-las. Mesmo aqueles que desconfiavam desta moda não resistiram à pressão da maioria e começaram a encomendar a torto e a direito projetos de ciclovias. E pelo caminho muita gente meteu dinheiro ao bolso com o negócio. Já sabemos como este país funciona.

 Assim, nos sítios mais inesperados das cidades e em recônditas vilas e aldeias de Portugal, nasceram ciclovias como cogumelos.

 

Os parisienses chumbaram as trotinetas na cidade tendo em conta a sua perigosidade: já houve mortos e milhares de feridos. Mas as razões para o chumbo vão muito para além disto. As trotinetas e as bicicletas de aluguer foram lançadas, como se disse, com o argumento de substituírem os carros e facilitarem a ‘mobilidade nas cidades’. Mas não facilitaram nada. Para começar, quem as usa são em geral jovens. Ora, estes jovens não tinham carro nem complicavam o trânsito automóvel: andavam a pé, o que só lhes fazia bem. Portanto, a esmagadora maioria das trotinetas, bicicletas ou skates que hoje circulam pelas cidades não facilitaram o trânsito – pelo contrário, complicaram-no. 

Além disso, a construção de ciclovias veio estreitar ruas e avenidas, como aconteceu na Avenida Almirante Reis. E complicou-se a circulação nos passeios, já porque as trotinetas e afins os atravessam perigosamente já porque os atravancam, pois são abandonadas em toda a parte, nos locais mais improváveis, atrapalhando os peões. Calculo os problemas dos cegos.

 

A proibição das trotinetas em Paris é um ótimo pretexto para revisitarmos o assunto. Até porque a cidade de Lisboa é muito pior do que Paris para andar nesses ‘transportes’. Paris é uma cidade quase toda plana, de avenidas largas, sem calçadas, nem pavimentos em paralelepípedo, nem linhas de elétrico, nem curvas apertadas. Ora Lisboa tem tudo isto. Não foi feita para andar de trotineta, nem de skate nem mesmo de bicicleta, pelo que fomentar o seu uso é irresponsável. 

Já houve acidentes graves por causa de uma roda que entrou num carril de elétrico, ou bateu numa pedra solta no pavimento, ou escorregou numa calçada molhada.

 

Os autarcas não podem ser macacos de imitação. Por uns fazerem isto ou aquilo, cá ou lá fora, não quer dizer que todos façam. Têm de ver o perfil das suas cidades ou vilas, estudá-las bem, pesarem os prós e os contras de determinada medida – e tomarem decisões em função disso e não em consequência da moda, do ‘parece bem’, do ‘que é moderno’, etc. 

Felizmente, parece haver em Lisboa quem esteja atento a este problema. Um vereador – Anacoreta Correia -, em declarações a este jornal, mostrou-se informado, preocupado com o assunto, e determinado a tomar medidas drásticas caso alguns problemas já detetados não se resolvam.

Repito: as bicicletas, trotinetas, skates, etc. não resolveram nenhum problema na cidade de Lisboa – e trouxeram a Lisboa problemas novos. Se me perguntarem a opinião, acho que os prejuízos são muitíssimo superiores aos benefícios.

A uma considerável distância.