Preços mais caros que em 1974? ‘Não podemos comparar’

O salário mínimo foi uma das grandes conquistas do 25 de Abril e, aos dias de hoje, não representaria mais do que 17 euros. Os produtos eram muito mais baratos mas o custo de vida era totalmente diferente. Podemos fazer essa comparação? Analistas defendem que não.

Nos dias de hoje e numa altura em que os preços continuam a subir, é natural ouvirmos dizer que antigamente os produtos eram muito mais baratos. No caso, em 1974. Um café custava perto de 14 tostões e o jornal apenas um escudo – dependendo do jornal – preços que, convertidos, ficam muito mais baratos do que realmente acontece hoje em dia.

O i fez uma ronda por jornais e revistas da época como A Capital ou a Flama e descobriu vários anúncios com preços que se praticavam nessa altura, como se pode ver nas imagens ao lado. Nessa altura não existia salário mínimo, que foi criado apenas a 27 de maio de 1974 e representa uma das maiores conquistas da Revolução dos Cravos. Avelino Pacheco Gonçalves era então ministro do Trabalho do I Governo Provisório liderado por Adelino da Palma Carlos e a nova remuneração garantida foi de 3 300 escudos, o correspondente a pouco mais de 16 euros atualmente.

A título de exemplo, por essa altura, uma semana em Londres, com tudo incluído, custava então pouco mais que um salário mínimo (3 450 escudos), o que corresponderia hoje a pouco mais de 17 euros.

Os exemplos colocados nos anúncios são muitos. O cabaz de preços costumava ser afixado nos jornais. Um deles, de abril de 1974, mostra que, por exemplo, a pescada custava 60 escudos, o que equivale a mais ou menos 30 cêntimos. Hoje, o seu custo por quilo, ronda os 10 euros.

Os anúncios mostram ainda que um bilhete de teatro podia custar 10 escudos, o correspondente a cinco cêntimos.

Por essa altura, poucos meses antes do 25 de Abril, foi criada a Deco – Associação de Defesa do Consumidor que, a 27 de abril de 1974 realizou a sua primeira ação na rua. E enviou ao i o resultado dessa primeira ação (como pode ser visto a verde na imagem ao lado). A título de exemplo, quatro dúzias de ovos, custavam por essa altura pouco mais de 64 escudos num supermercado e 66 noutro. Hoje, quem o queira fazer, terá que desembolsar aproximadamente oito euros, dependendo sempre do local e do tamanho do ovo. Outro dos muitos exemplos da Deco são as laranjas. Oito quilos podiam custar até 82 escudos, perto de 40 cêntimos. Hoje, oito quilos da mesma fruta custariam perto de 12 euros.

A gasolina teria o custo de 7$50 e até os carros ficavam em conta: um automóvel com 1000 cc ficava por 65 contos.

 

‘Não podemos fazer essas comparações’

A verdade é que, olhando para os valores oficiais, a inflação era muito mais alta em 1974 que nos dias de hoje. Segundo os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) e da Pordata, no ano da Revolução, a taxa de inflação chegou aos 26,2%, um número muito abaixo dos dados de 2022 que foi de 7,8%. Em 1973, por exemplo, a taxa de inflação tinha sido de 13,1%. Então porquê que agora é tudo mais caro?

Os analistas da XTB, Henrique Tomé e Vítor Madeira, começam por explicar que “temos de ter noção que o valor do dinheiro não é intemporal, logo, não é possível fazer este tipo de comparação”. E acrescentam que “em 1974, bem antes de entrarmos no euro, sempre sofremos de níveis elevados de inflação, mas o facto de termos autonomia em matéria de política monetária permitia-nos manipular o valor da moeda proporcionando ao Estado intervir na economia local”. E que hoje em dia “é tudo diferente” e “temos de estar alinhados com o custo de vida do resto dos países da Europa”.

Mas com o atual nível de inflação e subida de taxas de juros, não podemos estar perante uma espécie de déjà vu daquela altura? “Nunca podemos fazer esse tipo de comparações, cada altura é uma altura. Na Roma antiga também aconteceram problemas de inflação, seria como fazer essa comparação…”, alertam os analistas, acrescentando também que “em períodos de elevada inflação, os bancos centrais tendem sempre a recorrer à ferramenta dos juros para arrefecer a economia e consequentemente para travar as pressões nos preços”.

Questionados sobre quais são as principais diferenças na comparação preços/salários entre o pós-25 de Abril e agora, os dois dizem: “Hoje os níveis de inflação são muito mais baixos e mais fáceis de se controlar, temos acesso a bens estrangeiros e muito mais baratos e o poder de compra, apesar de tudo, aumentou na maior parte das situações”. Por isso, são claros: “Podemos dizer que os salários sobem muito menos, mas também os preços sobem muito menos”.

Portugal antes do 25 de Abril não era tão aberto ao mercado exterior. Isso refletia-se depois no custo de vida? “Claro que sim, era muito mais caro importar bens e ao mesmo tempo os custos para produzir os bens nacionais poderiam ser mais elevados. (vantagens comparativas)”, dizem Henrique Tomé e Vítor Madeira.