Habitação. Bairros construídos para responder a um serviço de “Segurança Social”

Bairros como o do Restelo, da Ajuda, da Avenida de Roma e o de Alvalade são exemplos disso. Mas cenário mudou em 1965, com o Estado a transferir para os particulares a prorrogativa de urbanizar.

Habitação. Bairros construídos para responder a um serviço de “Segurança Social”

A habitação durante o Estado Novo pode ser vista de duas formas, considera Pedro Bingre do Amaral. Este professor do Instituto Politécnico de Coimbra  lembra que, na década de 50 e início da década de 60 houve uma aposta na construção de habitação social, destinada aos quadros médios e superiores da função pública, “muitas delas em modelo de moradias unifamiliares que ainda hoje existem e são vendidas a altíssimos preços”. E dá como exemplo o bairro do Camarão da Ajuda, em Lisboa. 

Também ao nosso jornal, o arquiteto Tiago Mota Saraiva lembra as habitações que havia antes do 25 de Abril, para professores, juízes, indústria, entre muitas outras classes profissionais e que tinham como objetivo responder à ausência de uma segurança social. “No fundo era um serviço de proteção social, do ponto de vista da habitação, muitos deles associados a estruturas de seguros na velhice, a partir das diferentes classes profissionais. Era um meio auto-organizado de trabalhadores de classes que já não eram as mais pobres, mas que se organizavam para se protegerem nas necessidades básicas”.

E bairros como o do Restelo, da Ajuda, da Avenida de Roma e o de Alvalade são “todos os bons bairros que Lisboa ainda tem”, refere Pedro Bingre do Amaral, lembrando que o dos Olivais foi o último bairro a ser construído, de acordo com aquela política. 
Também Tiago Mota Saraiva lembra que estes bairros respondiam a uma formulação de produção de habitação de caráter não lucrativo. “Não quer dizer que essas pessoas não pagassem renda ou que fosse de borla, o que quer dizer é que pagavam um valor, mas que não era de um mercado livre ultra especulativo. Isto é, eram casas para pessoas que trabalhavam nas mesmas áreas, em que havia uma certa noção de regulação e de justiça sobre o valor da renda”, referindo que o valor seria pago consoante o ordenado e o agregado.

Mudança radical O professor universitário lembra, no entanto, que, a partir de novembro de 1965, essa política foi alterada, quando o Estado português privatizou as operações de loteamento. “Até 1965, a administração pública detinha o monopólio dos loteamentos e da expansão urbana. Isto é, nenhum indivíduo podia, por sua iniciativa lotear o seu terreno ou transformar um terreno agrícola em terreno urbano. O que significava que, até essa altura, quando o Estado necessitava de adquirir solos, fosse para habitação social, fosse para construir novas urbanizações, o Estado comprava terreno agrícola a preço agrícola e estamos a falar de uns escassos milhares de euros por hectares, o que a preços contemporâneos, valia qualquer coisa entre os dois mil e os 10 mil euros por hectare”.

Isto significava que, de acordo com o responsável, que o Estado comprava o terreno agrícola a preço agrícola e que depois desenhava o modelo consoante o que escolhia: cidade moderna, cidade clássica, cidade jardim. “Fazia as obras de infraestruturação, desenhava as praças, avenidas, as ruas, os espaços públicos, os jardins. Construía as calçadas, os blocos e só depois é que vendia os lotes individualmente considerados”, salienta. 

O cenário e a aposta na habitação muda, de acordo com Pedro Bingre do Amaral, a partir de 1965, mudou radicalmente. “O Estado já estava a gastar uma boa parte do seu orçamento, não sei se terá chegado aos 40%, como mais tarde chegou, no esforço de guerra e deparou-se com um êxodo rural maciço e não estava a conseguir criar habitações nas periferias de Lisboa, Porto e nas grandes cidades com um ritmo suficientemente rápido para oferecer habitação, quer fosse social, quer fosse habitação no mercado livre”.

E faz as contas: “Desde início da década de 70 até 2003, Portugal foi o país que mais casas construía por mil habitantes por ano. Entre 1986 e 2007, Portugal construía cerca de 70 mil casas por ano, o equivalente a uma casa nova a cada cinco minutos, a 24 horas por dia. Tudo isto terminou em 2008 com a explosão da bolha imobiliária”. 
De acordo com o responsável, a explicação é simples: “Para falarmos de habitação social é preciso o Estado construir casas, a preço controlado e precisava de ter solo. Para isso, precisava de comprar a preços que não fossem especulativos e que o direito de loteamento não passasse para os privados. Se o privado passasse a ter o direito de lotear os seus terrenos, o que antigamente era um terreno na periferia das cidades, que só tinha autorização para uso agrícola, com um valor de mercado entre os dois mil e os 10 mil euros por hectare. Mas a partir do momento em que se permite ao privado lotear, esse terreno passa a valer, consoante o índice construção, entre um a 10 milhões por hectare, a preços atuais, referindo que, a partir de 1965, o Estado passou a transferir para os particulares a prorrogativa de urbanizar e, desta forma, “o preço dos solos ficou inflacionado” e, antes disso, tinha a capacidade de adquirir terreno urbano a preço agrícola. A partir de 1965, se o Estado quisesse expropriar terrenos agrícolas para construir habitação social já tinha que pagar o valor do solo urbanizado. “A partir dessa altura, o Estado deixou de expropriar e passou simplesmente a ajudar as pessoas a adquirir habitação com juros bonificados, demitindo-se de fazer habitação social, em que esta ficou só para as pessoas mais necessitadas”.