Costa e o Princípio de Peter

Mas se António Costa se mostrou exímio nas jogadas políticas, primeiro no partido e depois no Governo – onde passou pelos pingos da chuva em casos dificílimos, como as mortes nos incêndios de Pedrógão ou o roubo de armas em Tancos -, já o mesmo não pode dizer-se da sua ação como governante.

Um fim de tarde, na redação do semanário Expresso, aí há uns 35 anos, apareceu-me a jornalista Teresa de Sousa, com um ar muito afirmativo – como era seu timbre -, que me disse:

– Diretor, acabo de entrevistar o futuro líder do PS!

– Quem? – perguntei, curioso.

– O António Costa.

Eu conhecia António Costa desde pequenino, pois os nossos pais eram amigos.

O meu pai dava-se com Orlando da Costa, poeta e militante comunista, e com a mulher, Maria Antónia (mais tarde, Palla), jornalista.

Lembro-me de irmos jantar a casa deles, que ficava na calçada que sobe da Praça da Alegria para o Príncipe Real. 

Nessa altura, ainda os pais dele (e os meus) não se tinham separado.

António teria uns quatro ou cinco anos e era filho único, pois perdera uma irmã mais velha num estúpido acidente de viação em Lisboa. 

No fim do jantar, pôs-se a brincar no chão, debaixo da mesa, com soldadinhos e carrinhos de plástico.

Como é notório, Teresa de Sousa acertou em cheio na previsão.

Talvez esperasse que António Costa chegasse mais cedo à liderança do partido e doutra forma – não precisando de espetar a faca nas costas a um camarada -, mas a verdade é que chegou. 

E chegaria depois a primeiro-ministro, embora, de novo, de uma forma inesperada: sem ganhar eleições e saltando por cima da linha vermelha à sua esquerda, desde sempre traçada por Mário Soares, para fazer uma aliança com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda.

Quem o poderia adivinhar?

Ninguém.

No entanto, aconteceu.

Mas se António Costa se mostrou exímio nas jogadas políticas, primeiro no partido e depois no Governo – onde passou pelos pingos da chuva em casos dificílimos, como as mortes nos incêndios de Pedrógão ou o roubo de armas em Tancos -, já o mesmo não pode dizer-se da sua ação como governante.

Ouvimos toda a gente dizer que Costa é hábil, astuto, inteligente, etc.; mas alguém diz que é um bom primeiro-ministro?

Pense-se nisto.

António Costa funcionou muito bem enquanto a tarefa tinha que ver com jogadas políticas, negociações, bluffs, até traições.

Mas quando a tarefa passou a ser governar, começou a falhar.

 Enquanto o problema foi engendrar malabarismos e truques políticos, Costa agiu na perfeição; mas quando começou a ser governar, reformar, mostrar uma ambição, construir uma obra, projetar o país no futuro, pareceu não saber o que fazer.

Quando se tratou de dar o salto de líder partidário para estadista, António Costa perdeu-se. Bloqueou.

Há políticos que se realizam a fazer política e outros que têm mais vocação para governar – e as duas tarefas exigem qualidades diferentes. 

Para não irmos mais longe, Mário Soares adorava a política e os seus bastidores, onde se movimentava como peixe na água, enquanto Cavaco Silva sempre preferiu a governação, realizando-se a fazer obras e deixando a outros (designadamente a Fernando Nogueira) a atividade partidária. 

António Costa, na linha de Soares e de uma forma até mais vincada, será sobretudo um político, com poucas qualidades de estadista.

Poderá assim dizer-se que, como líder do PS, Costa atingiu o Princípio de Peter – ou seja, o patamar máximo naquilo que faz bem.

Na liderança do Governo não mostrou nenhuma ambição, não tem uma ideia para o país, limita-se a uma gestão de mercearia, distribuindo uns cheques avulso ali, baixando uns preços acolá, reduzindo o IVA de alguns produtos.

É isto o que se espera de um estadista?

E mesmo a sua proverbial habilidade política pareceu afetada nos últimos meses.

Ou seja: aquilo que ele fazia bem foi prejudicado pela responsabilidade de uma função – primeiro-ministro – para a qual não tem perfil.

Quando não se tem vocação para uma coisa, não há inteligência nem habilidade que valha.

A sua inteligência manifesta-se como político; como estadista, como governante, não damos por ela. 

Laurence J. Peter, o enunciador do célebre princípio com o seu apelido, dedicou-se exatamente a estudar os casos de pessoas que atingem numa função o seu patamar – e que noutro papel falham rotundamente. 

E exemplificava: Adolf Hitler  foi um competente político, mas encontrou o seu nível de incompetência como general; Sócrates foi um excecional filósofo, mas um péssimo advogado de defesa. 

 Voilà!