As estufas de Estremoz

O Rossio de Estremoz foi recentemente objeto de obras de requalificação, tendo sido construídas umas estruturas de metal e vidro destinadas a vendedores fixos. Numa vendem-se peles, noutra frutas e legumes, etc. Estas pequenas construções, supostamente ‘modernas’, mais disfuncionais não podiam ser.

Num fim de semana prolongado em Estremoz, um sobrinho meu chegou da rua e disse com o ar mais natural do mundo: «Fizemos compras nas estufas». Olhei-o surpreendido. Estufas? Em Estremoz? Nunca tinha ouvido falar… Apercebendo-se da minha estupefação, ele adiantou: «São uns pavilhões novos de vidro que estão na praça principal».

Aí, fez-se-me luz.

O Rossio de Estremoz foi recentemente objeto de obras de requalificação, tendo sido construídas umas ‘barracas’ de metal e vidro destinadas a vendedores fixos. Numa vendem-se peles, noutra frutas e legumes, etc. Estes vendedores estavam antes instalados numas barracas de madeira, que não eram um primor de beleza mas eram funcionais. Estas são supostamente ‘modernas’, mas mais disfuncionais não podiam ser.

Embora eu não tenha ligações familiares a Estremoz, comprei um monte há muitos anos, em sociedade com uns cunhados, tendo-me tornado «alentejano por adoção», como dizia Henrique Granadeiro.

Acompanho, portanto, a evolução da cidade, e considero louvável o esforço de modernização que esta Câmara tem feito. Cada época deve deixar nas cidades a sua marca, sem lhes retirar aquilo que as diferencia e torna únicas. O segredo é respeitar o ambiente urbano, acrescentando-lhe aqui e ali algo que introduza um toque de modernidade. O tempo não para, e as cidades têm de evoluir.

Não sou, pois, um conservador. Defendo a mudança. Mudar sem estragar, mantendo a identidade, deve ser o objetivo.

Mas este trabalho não é fácil. Tem de ser apoiado por técnicos competentes e de sensibilidade apurada. Que não se limitem a seguir a moda e sejam capazes de perceber o ‘espírito’ de cada local e elaborar projetos ajustados aos fins a que se destinam. E, nesse aspeto, a Câmara de Estremoz não tem sido muito feliz. Já aqui falei de um parque infantil e de lazer situado junto a uma das portas principais da cidade, que é uma aberração.

Ora, nesta obra no Rossio, os erros continuaram.

Para começar, não lembra ao careca construir umas ‘barracas’ de metal e vidro numa cidade interior do Sul do país, com Verões escaldantes, num local completamente exposto ao sol. A arquitetura do ferro e do vidro foi inventada nos países frios e brumosos, onde todos os raios de sol têm de ser aproveitados. Numa cidade como Estremoz, construir em metal e vidro é um disparate.

O resultado está à vista: naquelas ‘barracas’, nos dias de calor, sufoca-se lá dentro. Na que vende frutas e legumes, as alfaces e as couves murcham e a fruta seca. E os comerciantes, metidos ali o dia inteiro, parecem pecadores a cumprir uma penitência.

Aquelas estruturas até poderiam ficar bem numa praça da Suécia ou da Dinamarca – mas em Estremoz não fazem o mínimo sentido. São totalmente desadequadas ao local e ao clima. Além de que, pela sua conceção, não servem convenientemente a função a que se destinavam.

O espaço interior é muito acanhado, obrigando os clientes a andarem de lado nos corredores para verem os produtos expostos. E as portas de correr abrem alternadamente, uma sim uma não, impossibilitando uma frente ampla aberta. Poderia dizer-se que a culpa foi dos comerciantes, que não souberam expor as suas necessidades. Ora, o que se passou foi o oposto: ninguém falou com eles! Fizeram umas ‘barracas’ para eles sem lhes darem cavaco.

Naquele local, em vez do vidro e do metal, deveriam ter-se utilizado materiais isolantes, como a madeira e a cortiça. E, pelo menos numa das frentes, era bom que as portas se abrissem por completo, permitindo aos clientes aproximarem-se de frente, sem entraves, dos produtos expostos. Finalmente, era útil que tivessem umas palas largas, criando zonas de sombra para os compradores (ou protegendo-os da chuva, no inverno).

Deve ter-se sempre em conta que custa tanto fazer uma obra de má qualidade como uma de boa qualidade. A diferença está na conceção, no design, e não no custo. E uma má conceção acaba por sair em geral muito mais cara, pois obriga a correções no futuro. Não acredito que aquelas tendas de metal e ferro aguentem muito tempo sem profundas alterações.

Uma prova eloquente desta verdade é a fotografia que aqui publico. Um comerciante mais despachado, não suportando o sol a entrar a jorros pelos vidros e o calor escaldante dentro da loja, resolveu proteger-se à sua maneira – cercando a ‘estufa’ de chapéus-de-sol velhos e de redes improvisadas, transformando aquela ‘elegante’ barraca de metal e vidro numa espécie de tenda berbere.

Perante este exemplo, pergunto: de quem será o erro – do comerciante que desfigurou a obra ou do projetista que a desenhou de forma desadequada? Quem é o ‘ignorante’: o comerciante ou o arquiteto?