‘O crescimento económico não se decreta, mas há medidas que podem ajudar’

Paulo Trigo Pereira defende que o Executivo ‘pode dar incentivos a determinados setores, mexer na fiscalidade e atribuir  benefícios fiscais’. No entender do professor catedrático do ISEG e presidente da direção do Institute of Public Policy, deveria haver uma maior aposta na atração do investimento estrangeiro, porque ‘precisávamos de ter nos próximos cinco anos duas Autoeuropas’. 

Responsável por ter ‘implementado’ as contas certas no PS, Paulo Trigo Pereira afirma que a conversa tem de ir agora para outro patamar: Qual é o ritmo que queremos fazer ao nível da redução da dívida pública? Defende um ritmo mais lento, caso contrário, poderemos vir a ter outra fase de austeridade. O antigo deputado socialista diz ainda que o Governo deve cumprir o mandato até ao fim e aí é que serão dados os cartões vermelhos ou de outra cor. Já em relação à comissão de inquérito à TAP, diz que «se gastou tempo que não tinha nada a ver com o objeto da comissão» e quanto a Galamba refere que «é dos melhores quadros, mas toda a gente erra». O economista afirma também que, caso o Governo não avance com mais medidas extraordinárias, acabará o ano com superavit, mas ressalva que «brilharetes orçamentais fazem mal à saúde do país». 

O que acha da economia portuguesa? São dados animadores ou já eram expectáveis? 

Os dados são animadores. A última previsão do Banco de Portugal é que vamos crescer 2,7%, é a melhor previsão até ao momento. Mas basicamente as previsões têm todas sido revistas em alta, pelo contributo das exportações: o turismo essencialmente e também o consumo privado. Os dados relacionados com o desemprego também são bons. A economia portuguesa está a crescer mais do que a média da zona euro, o que é bom. De acordo com as atuais previsões, iremos convergir nestes próximos anos para a média europeia. Mas, apesar de os dados serem favoráveis, ainda temos um problema que é a inflação elevada, que ficará acima dos 5% este ano e que muito provavelmente irá abrandar para o próximo ano. Temos também o problema da dívida pública, que continua a ter um peso excessivo. 

Mesmo assim há países, como os do Leste, que estão a crescer mais do que nós… 

Esse é o nosso principal problema: garantir o crescimento económico sustentado e sustentável – e temos de o enfrentar. O crescimento económico tem de ser mais forte e sustentado. Mas, para isso, precisamos de mais investimento estrangeiro e de alterar o perfil produtivo da economia portuguesa, porque não podemos estar assentes no turismo e em produtos de mais valor acrescentado, em termos de exportação. Agora, obviamente, se conseguirmos este ano ter um crescimento de 2,8% ou 2,9%, é bom; no entanto, as previsões apontam para que haja uma desaceleração já a partir do ano que vem.

Disse que o crescimento é muito assente no turismo e no consumo privado. O turismo parou na pandemia e o consumo privado poderá abrandar com a inflação alta e com o aumento do custo de vida… 

Sim, há várias razões pelas quais devemos mudar o perfil da economia portuguesa e não assentar tanto no turismo. O turismo tem vários aspetos positivos, mas também tem alguns negativos, nomeadamente a nível ambiental e o que isso significa em termos de tráfego aéreo e da pressão que tem sobre os preços, como é o caso da habitação, porque associado ao turismo vêm novos visitantes estrangeiros e isso está a sobreaquecer o mercado de habitação em Portugal e tem consequências negativas nas famílias portuguesas.

O Governo avançou com o pacote Mais Habitação… 

O pacote Mais Habitação devia ter mais recursos, porque aquilo que está no Programa de Estabilidade parece muito pouco. Ou seja, é um dos problemas mais graves da sociedade portuguesa, sobretudo nas grandes metrópoles, e necessita de um empenhamento e de uma determinação muito grande. Considerei positiva a criação deste Ministério da Habitação, mas critiquei o facto de as medidas terem sido muito pouco discutidas, pois mereciam um debate público mais aprofundado para que pudesse ser mais coerente. De qualquer maneira, é fundamental apostar e apostar forte neste pacote, mas também é necessário mobilizar recursos. 

Há cada vez mais vozes a pedirem o crescimento da economia como um desígnio nacional. Mas uma coisa é pedir, outra coisa é conseguir…

Não vale a pena definir metas que não dependem do Governo, dependem, sobretudo, das entidades privadas. Quem promove o crescimento da economia não é o Governo. O Governo pode é dar incentivos a determinados setores, mexer na fiscalidade e atribuir benefícios fiscais. Isto é, há certas medidas que o Governo pode tomar, mas é a dinâmica da economia que vai determinar o que vai acontecer do ponto de vista do crescimento económico. Deve ser um desígnio nacional? Deve, porque se a economia não crescer temos um problema grave, pois não é possível aumentar salários e as novas gerações vão continuar a emigrar. Já estão a emigrar à procura de melhores condições de vida e continuamos com dificuldades em gerar um país que seja atrativo, sobretudo para as novas gerações, que, no fundo, são o nosso futuro. Portanto, desígnio nacional, sim, e convém olhar para todas as medidas que possam promover esse crescimento. Estamos a ficar do ponto de vista comparativo europeu – e basta pensar na nossa vizinha Espanha, não é preciso ir mais longe – atrasados. Como disse há pouco, os próximos três anos até se prevê que iremos crescer mais do que a média da União Europeia, mas do ponto de vista da tendência de longo prazo não temos ainda um crescimento sustentável. Isto deve ser, de facto, um desígnio nacional e apostar em medidas como, por exemplo, a promoção do investimento estrangeiro. Agora ouvimos falar na nova fábrica da Tesla que era para ir para Valência e já não vai porque houve uma fuga de informação. Não sabemos se há conversas fechadas sobre isso, mas a verdade é que precisamos de atrair grandes investimentos estrangeiros. 

Ainda vivemos à sombra da Autoeuropa… 

Exatamente, a Autoeuropa é um bom exemplo de como um grande investimento estrangeiro depois tem um efeito multiplicador na economia. Pode ser no setor automóvel, pode ser em outros setores, mas precisávamos de ter nos próximos cinco anos duas Autoeuropas em setores que podem ser diversificados. Mas há uma série de medidas que têm de ser tomadas e orientadas para desenvolver setores com maior valor acrescentado para a exportação. E isso deve ser uma aposta.

Todos os diagnósticos estão feitos, mas nada continua a ser feito em termos de atração de investimentos estrangeiros. O que é que falta? 

O crescimento económico não se decreta. Não há medidas que se possa identificar como sendo, digamos assim, o ovo de Colombo para o crescimento económico. Há é um conjunto de instrumentos que devem ser utilizados e também devemos ser muito mais fortes na diplomacia económica. Tenho contacto com vários embaixadores de outros países europeus em Lisboa e têm uma diplomacia económica fortíssima, enquanto nós não temos. Ou seja, temos agências dentro do Ministério da Economia: o IAPMEI e o AICEP, que promovem, mas dentro do Ministério da Economia. Devíamos também ter isso no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Não quero nomear países para não particularizar, mas percebo e tenho presenciado que existe uma fortíssima diplomacia económica por parte dos países europeus que estão sedeados e têm as suas embaixadas em Lisboa. Se calhar temos de rever um bocadinho a carreira da diplomacia e ter como obrigatório um módulo de como promover o investimento estrangeiro em Portugal e de como promover o crescimento. 

Um entrave que está aliado à carga fiscal, que é sempre o nosso calcanhar de Aquiles…

A carga fiscal é um rácio em que, de um lado tenho impostos e contribuições sociais e no denominador tenho o PIB. Se o PIB crescer temos o problema da carga resolvido automaticamente e podemos fazer o tal alívio fiscal com facilidade, porque geramos mais receitas fiscais, mesmo com menos taxas de imposto para financiar a despesa pública que precisamos de financiar. O verdadeiro problema não é tanto a questão dos impostos, é o fraco crescimento do PIB. Se tivermos o PIB a crescer mais, podemos reduzir as taxas de imposto e ter a receita fiscal necessária para financiar a despesa.

Agora houve novidades em termos de IRS com ajustamento de escalões. Acredita que vai haver verdadeiro um alívio mensal?

Não acredito num grande alívio. O Governo pode confirmá-lo ou não no Orçamento do Estado, mas temos informação no Programa de Estabilidade e está lá o montante que o Governo pretende afetar ao alívio fiscal, que é pouco mais de 400 milhões de euros. Se for isso que o Governo vai fazer não é um grande alívio, ainda assim, devia ser contínuo e sustentado nos próximos anos.

É por causa das contas certas? Sente que há obsessão do Governo? 

Sem falsas e modéstias, o grupo de economistas trouxe para o PS e, bem, a ideia das contas certas. Não era nada uma ideia socialista, talvez porque os socialistas estiveram associados aos vários problemas financeiros do país. Acho que com convicção António Costa assumiu isso. As propostas que fizemos foram feitas com convicção e também com algum interesse político, ocupando o espaço e a narrativa das contas certas que era do PSD. Este é um lado que considero positivo, embora possa ter algum conflito de interesses porque participei no processo. Mas agora não basta falar em contas certas, a conversa tem de ir para outro patamar: qual é o ritmo que queremos fazer ao nível da redução da dívida pública. Esta é a conversa que temos de ter, a meu ver, no país, porque pode ser mais acelerado, o que significa um ónus maior para as gerações presentes, que já sofreram três crises consecutivamente e agora sofreriam um ajustamento muito rápido da redução da dívida. Fazer uma redução rápida faz-se ao não fazer nenhum alívio fiscal ou não aumentando a despesa pública em linha com o crescimento do PIB. No fundo, é uma sobrecarga para as gerações presentes. Ou, dito de outra maneira, não fazendo o alívio fiscal e não melhorando ou mesmo deteriorando a qualidade dos serviços públicos. É isso que queremos? A minha perspetiva é fazer a um ritmo sustentado, de acordo com as regras europeias, mas não muito acelerado. O Banco de Portugal, agora, nas últimas simulações que fez em junho apresenta uma redução muito significativa do rácio de dívida no PIB apenas em três anos: 2022 a 2025. As estimativas do Banco de Portugal apontam para uma redução do rácio de dívida no PIB superior a 20%. Ora bem, em 2023 ainda podemos aceitar, porque o PIB nominal cresceu imenso. Agora, em 2024 e 2025 já é um ajustamento muito rápido, o que significa um ónus muito grande sobre os portugueses e sobre os contribuintes, em particular. Essa é a conversa que devíamos estar a ter, assumindo, e espero que seja uma coisa adquirida já mesmo no Partido Socialista, que é a ideia de termos contas quase equilibradas. Agora, a questão é que, por exemplo, em 2023, tudo indica que a política orçamental foi restritiva e, por isso, falo em consolidação versus austeridade. Ou seja, precisamos de consolidação orçamental, mas não precisamos da austeridade. 

É por isso que escreveu que fazer brilharetes orçamentais fazem mal à saúde do país?

Exatamente. Essa é a tal discussão sobre as contas certas. O brilharete orçamental é aquilo que acontecerá este ano, segundo os meus cálculos, se o Governo não tomar mais medidas extraordinárias de despesa até ao final do ano. Ou seja, se o Governo não tomar mais medidas adicionais, vai haver um superavit ou excedente orçamental neste ano. A questão é saber se é necessário e se é desejável, porque isso é feito à custa daquelas duas variáveis que falei. Excedentes orçamentais além do que é necessário significa um não alívio fiscal ou a não melhoria da qualidade dos serviços públicos. Precisamos e podemos perfeitamente reduzir o peso da dívida pública com um pequeno défice estrutural. 

Aquele que é permitido pelas regras europeias… 

Aquele que é perfeitamente permitido pelas regras europeias.

Será difícil explicar aos portugueses que se vai acabar o ano com um superavit quando precisam de mais apoios e há alguns que nem sequer foram abrangidos…

Exatamente. Temos de pensar na sustentabilidade financeira, económica, social e ambiental do país, não podemos olhar só para a sustentabilidade financeira. Não é aquela história do ‘aguenta, aguenta’, claro que aguenta, mas se as pessoas ficarem muito insatisfeitas com qualidade do SNS, se ficarem muito insatisfeitas com a qualidade da educação ou dos tribunais, há consequências políticas disso. E, portanto, temos de modular esta ideia do que são contas certas e clarificá-las. Contas certas não é ter um excedente orçamental. Para mim, contas certas é ter o saldo orçamental que assegura a sustentabilidade das finanças públicas e que assegura a redução do peso da dívida numa trajetória sustentável de longo prazo, mas não é fazê-lo de uma forma excessiva. 

Falou na melhoria dos serviços públicos, no entanto, isso implica fazer reformas e já admitiu que o PS em geral não é muito afoito a reformas. Ao mesmo tempo, vemos os problemas dos hospitais, maternidades, tribunais, escolas. O Governo poderá receber um cartão vermelho?

Não sei se há cartão vermelho. Acho que os cartões vermelhos, amarelos e verdes devem ser mostrados e mostram-se, muitas vezes, na altura das eleições. Sou um defensor da regularidade democrática. Acho que os Governos devem cumprir o seu mandato até ao fim e, nessa altura, verão a cor do cartão. Agora, continuo a achar que o PS não é muito afoito a reformas e tem agora uma oportunidade de ouro. Ou seja, o PS tem uma maioria absoluta e tem a obrigação de identificar, independentemente do que diga o Presidente da República – com o devido respeito e consideração que tenho pelo Presidente da República – a ideia da dissolução antecipada não devia acontecer, mas o PS também não pode ficar sentado na sua maioria absoluta. O PS tem obrigação de tentar implementar o melhor possível as reformas que no início da legislatura disse que iria fazer para depois chegarmos expectavelmente, e espero que sim, ao fim e vermos o que é que conseguiu fazer. Há uma oportunidade neste momento e o Partido Socialista tem ainda a oportunidade de surpreender pela positiva os portugueses. Neste momento, é difícil de identificar quais são as grandes reformas que o Partido Socialista gostaria de assumir como suas e o que conseguiu fazer ao longo desta legislatura.

E agora sem ‘gerigonça’…

Exatamente. Agora não é negociar nada. Quer dizer, é preciso negociar com os parceiros sociais, conversar, mas basicamente é preciso ter uma estratégia, definir prioridades e implementá-las. Acho que há aqui uma prova que está a ser feita e que devia ser avaliada no momento certo. Mas para isso é preciso uma dinâmica mais forte do que tem existido até ao momento. 

Todos aqueles episódios que aconteceram com membros do Governo tiraram energia para avançar com a tal política de reformas?

Não há dúvida de que todos esses episódios fizeram com que o Governo e o Parlamento perdessem muito tempo a tratar de casos e casinhos. Alguns dos quais não mereciam atenção, outros mereciam. 

Um deles é o caso da TAP… 

Para mim, o primeiro problema foi o da indemnização, mas não pelo valor, porque, em termos de mercado, em termos daquilo que era o salário dela, etc., não é nada de exorbitante. O problema, isso parece que ainda não perceberam ou há quem ainda não tenha percebido, é que recebeu essa indemnização e depois foi nomeada para a NAV e logo a seguir para secretária do Tesouro, ainda por cima, em que o Estado é acionista da TAP. Este é que é o problema, porque uma coisa é uma pessoa sair e receber uma justa indemnização, porque foi basicamente despedida, embora possa ser visto como um acordo, mas foi convidada a sair. Agora, ser quase no imediato convidada para outra empresa pública e depois para secretária de Estado do Tesouro é que foi o problema. Se fosse só a indemnização, não teria sido um problema. Como também discordei da demissão da CEO da TAP e do presidente do conselho de administração. 

Que ainda nos podem custar indemnizações milionárias… 

Estou convencidíssimo que vamos pagar uma indemnização. Já era muito difícil no início não pagar só com aquele não parecer da IGF que foi anunciado como parecer, mas depois percebeu-se que não havia nenhum. E mesmo que houvesse era só um parecer de uma entidade pública que ainda por cima está sobre a tutela do Ministro das Finanças. E, depois, todas estas audições que ouvimos na Comissão Parlamentar de Inquérito reforçaram a ideia de que Christine Ourmières-Widener fez algumas coisas mal feitas, não há dúvida nenhuma, ainda assim pôs a TAP numa trajetória de recuperação. Portanto, terá cumprido o essencial do contrato que tinha com o Estado português. Acho que nem será preciso arranjar muito bons advogados para ganhar em tribunal. E Manuel Beja também, se for a tribunal, não sei se vai ou não. Lá vamos nós pagar mais uma indemnização. 

E que será muito superior à de Alexandra Reis… 

Superior à de Alexandra Reis que, ainda por cima, vai devolver parte da indemnização. E não é só a questão da indemnização, é também a questão da estabilidade da empresa, porque a própria estrutura de governação da TAP mudou. Tínhamos uma CEO e um presidente do conselho de administração e passámos a ter tudo centrado na mesma pessoa. Pergunto: para quê? O que é que ganhámos com isto? Acho que foi um erro, um erro crasso. Não sei qual foi o mais responsável, se foi Fernando Medina ou João Galamba, por essa decisão, mas não vejo grandes benefícios e vejo custos.

Para acalmar a opinião pública?

Não se pode ir atrás da opinião pública. Acho que qualquer político deve saber isso. Obviamente que se deve ouvir a opinião pública, deve-se ter em consideração a opinião pública. Mas há coisas que, no imediato, parecem agradar à opinião pública, mas imagine que o tribunal dá razão à CEO e ganha os tais três milhões de euros de que se fala? Aí o que é que a opinião pública vai dizer? Não pode tomar decisões pensando no imediato e no sentimento conjuntural da opinião pública num dado momento, porque depois mais à frente há outras coisas, aí a opinião pública já vai pensar de outra maneira. 

Mas chegou a elogiar João Galamba e a dizer que era um dos melhores deputados socialistas… 

Conhecia bem João Galamba no Parlamento e sempre nos demos bem. Estou à vontade. Acho que é dos melhores quadros, mas toda a gente erra. Também erro certamente, espero não errar muito nas notas que dou aos alunos. Acho que é uma pessoa competente, mas também acho que lhe falta alguma experiência. É uma pessoa relativamente nova e não tenho dúvidas em considerar que isto foi um erro. 

E como vê os avanços e recuos em torno da reprivatização da TAP?

Sou dos que concordo com a venda da TAP, sobretudo se for a um grupo de aviação europeu, mas é óbvio que terei as minhas preferências. Nunca poderia ser a Iberia, porque desapareceria o hub português. Teria de ser a Lufthansa ou outro. Mas o que também gostava era que se discutisse o tema e não vejo essa discussão em cima da mesa, nem qual é o momento ideal para fazer essa venda. Ou seja, a TAP está a recuperar, o turismo está a crescer fortemente e isso obviamente beneficia a TAP e haverá custos e benefícios em adiar a venda, mas é isso que gostava de ver no debate público e não vejo. E parece que se quer vender o mais rápido possível. António Costa falou, no ano passado, que em 12 meses queria vender a TAP, ora 12 meses é daqui a pouco tempo, é daqui a três meses mais ou menos. Não sei se será a melhor estratégia vendê-la rapidamente ou se seria preferível adiar a venda por algum tempo, do ponto de vista da rentabilização. Não vai ser a venda da TAP que irá diminuir significativamente a dívida pública, dada a diferença de magnitude de valores. Claro que as receitas dessa venda irão para a redução da dívida, mas em termos percentuais é muito pouco. Mas se já tudo indica que estamos num processo de venda então que se faça da melhor maneira possível. Era essa a conversa que deveria ser sido feita, por exemplo na própria CPI. Foi aflorada de vez em quanto a questão do futuro da TAP, mas seria interessante uma tese académica universitária contar o tempo que foi dedicado à TAP e o tempo que foi dedicado ao episódio no Ministério das Infraestruturas

E das bicicletas…

A bicicleta contra o vidro, se houve murros ou não, etc., que não têm nada a ver com o objeto da Comissão Parlamentar de Inquérito. Acho que se gastou tempo que não tinha nada a ver com o objeto da comissão. 

Pela primeira vez, aparentemente os portugueses estiveram atentos a uma comissão de inquérito…

Porque se transformou numa novela e as pessoas gostam disso. Toda a gente gosta de uma boa história, embora ache que deveria ter havido um bocadinho mais de rigor na condução dos trabalhos e nas próprias respostas. Ou seja, as pessoas sentem-se um pouco intimidadas por estarem numa comissão de inquérito e acham que têm que responder a tudo e não têm. As pessoas têm de responder a perguntas que têm a ver com o objeto da Comissão Parlamentar de Inquérito, mas isso exige algum traquejo parlamentar que algumas pessoas naturalmente não têm. Foram atrás dos casos e casinhos que não tinham nada a ver com o objeto da Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas, como diz o outro, é a vida. 

Em relação aos apoios? São suficientes ou terão de ser revistos, já que a classe média foi esquecida? 

Os apoios são de diferente natureza e já há uma análise, em termos de simulação do impacto desses apoios, no boletim mensal do Banco de Portugal de junho. As medidas de apoio à renda e de apoio às famílias vulneráveis são aquelas que têm uma incidência mais clara nas famílias com menores recursos e aqueles 10% dos portugueses com menor rendimento são aqueles que apoiaram mais. Depois há medidas que são um bocadinho paradoxais e também com resultados paradoxais. Por exemplo, em relação ao IVA zero, quem beneficiou mais em termos absolutos foram os 20% das famílias mais ricas, porque consomem mais. Depois há as medidas de apoio, como o complemento extraordinário ao abono de família extraordinário, que é uma medida também transversal, tal como o IVA, porque abrange todos que têm filhos até o quarto escalão. Agora, há que pensar para o ano e o que fazer a estes apoios. 

Alguns deles até são de longa duração, como é o caso das rendas… 

Não está definido para todos. Para alguns, o Governo no Programa de Estabilidade avançou com valores sobre o seu impacto. Em relação ao IVA zero, não tem nada para o próximo ano e tendo a concordar que essa medida devia deixar de existir, porque, por um lado, como já disse, acaba por beneficiar quem tem níveis muito elevados de rendimento e, por outro, se retirarmos essa medida poderia libertar-se aí recursos para outra coisa, até poderia ser para um alívio no IRS nesse montante. Já a questão das medidas mais direcionadas para as famílias de menores rendimentos têm todo o sentido de continuar. Temos um problema grave de demografia, ou seja, a nossa taxa natural de crescimento populacional não dava para reproduzir a população e se não fosse a imigração e o saldo migratório favorável estaríamos em muito maus lençóis. Temos aqui um problema e, apesar de ser uma medida transversal também abrange todas as famílias até ao quarto escalão, mas deveria haver um claro reforço e se calhar se quisesse chegar a uma classe média iria para o quinto escalão. Aí está um pacote de reformas que este Governo poderia avançar, porque esse pacote não existe ou, pelo menos, não consigo identificar, consigo identificar medidas casuísticas de apoio à natalidade. Devia haver uma clara estratégia e claras medidas conjugadas para o reforço da natalidade desejada dos pais, em particular das mães que continuam a ser quem tem um ónus. Uma das razões de não terem mais filhos é económica, não é só essa mas, por isso, devia haver uma estratégia clara e lá está já são quatro anos. Já passou algum tempo, mais ainda há três anos pela frente para clarificar a estratégia em relação à demografia. No fundo, diria que há cinco ou seis áreas em que o PS devia ser mais claro no que quer fazer, pensar sempre no fim da legislatura, independentemente de tudo o resto que se diga, porque pode chegar até ao fim. 

A presidente do BCE esteve cá a semana passada e defendeu que não se podia aumentar mais os salários e até defendeu cortar alguns apoios. As críticas não se fizeram esperar e até caiu o Carmo e a Trindade…

Christine Lagarde não falou para Portugal, falou para os países da zona euro e o que disse aplica-se aos países da zona euro e diz respeito à subida das taxas de juro. Isso é adquirido. Já vamos ter uma nova subida na próxima reunião do BCE e ainda bem que o disse, porque os portugueses têm de se precaver em relação a essa realidade, sobretudo quem tem empréstimos com taxa variável e que é a grande maioria dos portugueses. Em relação ao resto que disse, até acho bem que tenha caído o Carmo e a Trindade, no sentido ‘muito bem. Esse é o discurso e a narrativa oficial para a zona euro. Mas não se aplica a Portugal’. Em que sentido? Não estamos a ter uma política orçamental expansionista. Temos uma política monetária comum a toda a zona euro que está a ser restritiva e depois temos políticas orçamentais que são implementadas pelos Estados-membros e são diversificadas. A União Europeia não tem política orçamental praticamente nenhuma e são os Estados-membros que fazem essa política orçamental, Não tem muito sentido que a política monetária seja restritiva e que a orçamental seja expansionista. Ora bem, a política orçamental em Portugal não está a ser expansionista. Está a ser ligeiramente restritiva. E, a meu ver, não deve ser restritiva, deve ser neutra. Não deve ser expansionista, porque contradizia com a política monetária, mas também não deve ser restritiva, porque isso significa atualizar os salários da função pública abaixo da taxa de inflação, por exemplo, ou subir impostos. Acho e sempre achei bem que Portugal pense pela sua própria cabeça e não receba instruções nem do BCE, nem da Comissão Europeia, nem do Fundo Monetário Internacional, porque quando recebemos instruções e cumprimos, leia-se Sócrates em 2009, as consequências foram evidentes e pesadas. Não devemos nem devemos querer ser o melhor aluno, nem aceitar instruções dadas por quem quer que seja. 

Mas estava à espera da reação de Marcelo e de Costa?

Não estava à espera, mas fiquei agradavelmente surpreendido. Que é como quem diz: ‘diz o que tens a dizer, estás em Sintra e é a narrativa média para a zona euro’. Hoje acho que Portugal não devia ter aderido ao euro. Obviamente que tendo aderido não podemos sair. E digo que não devia ter aderido porque olho para os países que não aderiram, por exemplo, a Dinamarca, e a não adesão significa que podemos ter uma política monetária autónoma, além da política orçamental. Na altura, o único economista que defendia isso era o meu estimado colega João Ferreira do Amaral. Antes da entrada, escreveu um livro, estive no lançamento e lembro-me perfeitamente das discussões com João Salgueiro que já partiu. Se tivéssemos uma política monetária autónoma, poderíamos ter uma política monetária mais em consonância com a política orçamental. Não temos. Pertencemos ao euro e agora não há maneira limpa de sair do euro. Como disse, fico agradavelmente surpreendido que essas declarações tenham sido feitas, porque mostram que quer o Presidente da República, quer o primeiro-ministro têm a perfeita noção de que as instituições internacionais ou não estão a falar para países concretos ou muitas vezes enganam-se. A troika enganou-se, o Governo português também, a Comissão Europeia enganou-se no passado. Temos de ter já um pouco mais de autoestima.

E a famosa resiliência… 

Não é só a resiliência. Resiliência também, mas é acreditar nas nossas próprias análises, na nossa própria reflexão. Prefiro a palavra determinado nas nossas convicções e no nosso caminho. 

E também temos entidades que regulam.. 

Temos muitas entidades: Conselho de Finanças Públicas, Banco Portugal e a UTAO para a parte orçamental. Estamos bem apetrechados institucionalmente para termos uma opinião credível e balizada sobre o que é melhor para o país e devemos discutir isso internamente. Temos espaço para essa discussão e não precisamos de que alguém que não vai sofrer as consequências de medidas erradas, porque somos nós que a sofremos, nos venha dizer o que é melhor para o país. 

Falou na necessidade de discussão pública. O PRR foi apresentado quase como uma tábua de salvação, acha que foi suficientemente discutido? Pelo menos, os atrasos têm sido discutidos e os recados têm sido dados…

Vou tentar resumir aquilo que penso no essencial sobre o PRR. A primeira coisa é que devia ser estendido na sua execução. Isto neste momento é tabu em Bruxelas, mas devia ser estendido, porque há uma série de coisas que não se podem fazer no prazo, como construir habitação social. Como é que se consegue até 2026? Mesmo que não o digam que o vão fazer oficialmente, que arranjem mecanismos para que isso aconteça, porque não estender significa duas coisas: que uma parte não vai ser executado e significa que temos uma política orçamental expansionista. Ou seja, vamos ter de investir imenso em 2024 e 2025, quando não queremos uma política orçamental expansionista porque tem efeitos inflacionistas. É um duplo erro não estender o PRR. A segunda ideia é que, ao que parece, os mecanismos de controlo de antifraude, etc., não estão muito bem implementados. A terceira ideia tem a ver com alguma investigação que fizemos no Institute of Public Policy e diz que deveria haver melhores indicadores de desempenho do PRR. Ou seja, os indicadores foram acordados entre o Governo português e a Comissão Europeia, mas muitos deles não servem para monitorizar o impacto, nem sequer das atividades, quanto mais as consequências a médio e a longo prazo da execução do PRR. Já tem havido alguns progressos nos últimos meses nesse sentido, mas devia-se dar mais ênfase. Poucos portugueses estão a par, porque a Assembleia da República também não dá nenhuma importância a esse assunto, da conta geral do Estado, mas para cada Ministério há uma partezinha que tem a ver com os objetivos e os indicadores de cada um. Era bom saber o que é que a Defesa Nacional está a fazer, quais são os objetivos que tem, para depois avaliar se é executado ou não. Na Saúde a mesma coisa. E por aí fora. Agora, o que posso garantir e foi um estudo que fizemos é que a maioria dos Ministérios não apresenta objetivos e indicadores dignos desse nome. Temos de alterar a nossa cultura de gestão pública e passar de uma cultura que chamamos de orçamentação tradicional, que é quanto é que se gasta, para uma cultura de desempenho, que tem a ver com os objetivos e os indicadores para ver se isso está a ser alcançado ou não. Normalmente, os políticos não gostam nada disto, porque quando temos objetivos e indicadores bons podemos saber se estão ou a não ser cumpridos. Se não tivermos nada, obviamente tudo é ‘cumprido’. Para efeitos de Bruxelas, Portugal está a cumprir, mas para efeitos de Portugal era bom ir mais além. Não vamos fazer só aquilo que também Bruxelas exige. Vamos pensar na economia portuguesa, vamos pensar na sociedade portuguesa, vamos pensar na sustentabilidade ambiental de Portugal e vamos ver como é que os pilares do PRR impactam nestas dimensões.