João César das Neves: “Subir o salário mínimo vai ser mau para os pobres”

O economista critica a atuação dos partidos de Esquerda ao considerar que defendem os interesses das classes que lhes dão votos, como sindicatos e pensionistas, pondo de lado os pobres que deveriam ser a sua prioridade.

Os dados económicos têm sido positivos com a economia a crescer e a taxa de desemprego a descer, os resultados estão aquém do desejável? 

Por um lado, são resultados positivos porque a economia está a crescer à volta dos dois e picos, também o desemprego está a descer e em algumas zonas do país, como é o caso do Algarve, a taxa já está na ordem dos 5%, o que é um número razoável, tendo em conta a nossa tradição. Mas, por outro lado, é assustador ter uma economia que, no pico do ciclo, está só com este crescimento. É a recuperação mais lenta das últimas décadas, tirando aquele período entre as duas recessões de Durão Barroso e José Sócrates, em que o período de recuperação foi mais curto e mais lento. Pior, a economia apresenta vários sinais de desequilíbrio muito significativos e que se mantêm desde a crise. Uma parte disso é causado pelo facto de não termos saído totalmente da crise, em que os bancos centrais continuam a injetar dinheiro e as taxas de juro continuam muito baixas. Tudo isto são sinais aberrantes da crise de 2008 e que continuam tantos anos depois em toda a Europa e em todo o mundo. O mundo ainda não saiu dessa situação e nós somos um bocado vítimas disso, ao mesmo tempo, dá uma fragilidade enorme a um ciclo de crescimento que dura há mais de cinco anos. Não sabemos quanto é que vai crescer mais, pode nem ser muito mais, pode ser que acabe rápido, pois os ciclos nunca são previsíveis. E se vem aí outra crise, com estes sinais de fragilidade a coisa pode ser muito assustadora. 

Estes números são méritos do Governo ou são reflexo da conjuntura favorável externa?

Diria que os governos têm sempre um grau de influência, mas muito mais pequeno do que dizem que têm, para o bem e para o mal. Os governos ficam sempre com as culpas quando as coisas correm mal e com os méritos quando as coisas correm bem. Isto é uma economia, são dez milhões de pessoas com cada uma a puxar as coisas para o seu lado, mas também é verdade que na economia não há ninguém mais influente do que o Governo. 

E cabe ao Governo tomar muitas decisões…

Cabe-lhe muitas decisões, é responsável por muitas coisas, mas o que não é decidido pelo Governo continua a ser esmagadoramente significativo. Sempre resisti a essa ideia de atribuir tudo ao Governo e é evidente que grande parte disto é causado pelo sucesso europeu que nos vem a arrastar. Aliás, as exportações têm puxado pela economia, de uma forma espantosa e se não fosse isso provavelmente estávamos com um crescimento muito mais medíocre do que aquele que temos, isso é preciso ser dito. Por outro lado, este Governo tem estimulado o consumo e isso também ajuda a economia a crescer. Mas o que me assusta mais na política deste Governo é o facto de não estar a olhar diretamente para os tais sinais de desequilíbrio que são assustadores e que praticamente ninguém fala deles. 

O consumo desenfreado foi um dos primeiros sinais das anteriores crises. Ainda estes dias foi revelado que num mês concedemos 919 milhões para o crédito à habitação e 600 milhões para o consumo. É sinal que não aprendemos nada?

Estamos outra vez a estimular a economia com o crédito à habitação e com o crédito ao consumo e, pior do que isso, ao contrário do que aconteceu com a crise anterior, não estamos a dar crédito às empresas. Se houve alguém que aprendeu com a situação foram as empresas, estas estão com o crédito em valores mínimos e a banca por causa disso está a tentar negócio onde há e o negócio que há é no imobiliário que está a empolar uma bolha que toda a gente vê. Até já estamos a falar de pôr impostos para tapar essa bolha, o que é sinal que está bastante visível. E isso é mais um sinal de fragilidade da economia e da banca que foi o problema que rebentou na anterior crise. Este claramente é um sinal de desequilíbrio e que parece passar ao lado das preocupações. Todos os problemas que estamos a ter, como o problema demográfico, a enorme falta de capital, a taxa de poupança que está em mínimos, são problemas centrais de desequilíbrio que não preocupam a nossa classe política. Ninguém fala nisso, nem o Governo, nem a oposição. Andam a falar do défice, das pensões, dos salários dos funcionários públicos, ou seja, de assuntos que de facto dominam o nosso quadro político, o que é assustador porque não estamos a olhar para a realidade. Mas também é preciso dizer que para uma maioria de esquerda com a extrema-esquerda no poder, muito bem está ela. Ninguém esperava ter o PCP e o Bloco de Esquerda a apoiar o Governo e com isso o Executivo mantém a legislação laboral, praticamente não lhe tocou porque se tocasse o desemprego disparava, continua a reduzir o défice e a manter a austeridade sobre a economia, apesar de ter dito que não havia austeridade. E conseguiu resultados espantosos na redução do défice. Todas estas questões não têm nada a ver com a plataforma política com que eles se apresentaram às eleições, incluindo o Partido Socialista, mas sobretudo o Bloco de Esquerda e o PCP. 

Ninguém dava um ano a esta solução e já está a caminho do último ano da legislatura…

Exatamente. Isto não é uma crítica ao Governo, as limitações que esta maioria levanta e todas as negociações que o Governo tem de fazer para continuar são espantosas. Mas em relação àquilo que o país precisa e à política que seria necessária – para que não caíssemos numa situação tão assustadora como já caímos duas ou três vezes neste século – não chega e a economia continua a manifestar grandes debilidades. No quadro internacional, cada dia se torna mais incerto, com mais ameaças, com mais dramas. Tudo isto vai somando preocupações, estamos claramente a construir uma crise. O senhor Trichet disse-o em relação ao mundo, ao lembrar que o endividamento está novamente com níveis parecidos com os que se verificavam em 2007, antes da crise. Tenho de dizer que isso é verdade e que Portugal está outra vez na linha da frente dos mais frágeis porque não fez o que era preciso fazer.

As tais reformas?

Sim, ficaram na gaveta. As reformas estavam todas listadas no memorando de entendimento com a troika, mas grande parte delas nem sequer foram tentadas, outras foram mas andou-se para trás. Esse é que é o drama, nunca seria fácil fazer e, mesmo assim, fomos dos países que mais fizemos reformas porque fomos obrigados. O mundo teve uma crise financeira e graças aos bancos centrais, que injetaram dinheiro, conseguiu-se salvar o pior, não se assistiu ao drama da grande depressão, nem às grandes escaladas do desemprego, nem às falências generalizadas. As desgraças que muita gente previu e que eram de facto plausíveis virem a ocorrer quando rebentou a crise de 2008, não aconteceram porque os bancos centrais salvaram a situação. Mas, por causa disso, não se fizeram reformas, nem a própria economia americana e sobretudo a europeia. As poucas reformas realizadas foram feitas parcelarmente: a união bancária está a meio e as relações de mecanismos internos de estímulo da economia, por exemplo, da Alemanha não existem. Por isso, as reformas não estão só a não ser feitas em Portugal, mas em todo o mundo e não se fizeram por uma boa razão: anestesiou-se o doente e como o doente já não sofre não se fazem intervenções cirúrgicas. O mundo inteiro está a arriscar-se a ter uma nova crise por causa disto e Portugal é um episódio deste fenómeno. A agravar está ainda o facto de acharmos que está tudo bem e que podemos voltar à situação antes da crise. A elite portuguesa nunca admitiu que a culpa da crise é nossa, disseram sempre que a culpa era da troika, que era dos EUA, ou seja, achamos que se não fosse o drama da troika ter vindo cá e ter começado a exigir coisas não teríamos tido problema nenhum, o que é mentira. Portugal caiu naquela situação dramática por causa de decisões internas e nós até éramos dos países que estávamos mais desligados da questão do subprime. Tínhamos era o nosso problema: o Banco Espírito Santo, a Caixa Geral de Depósitos, os bancos estavam com disparates seus e que ainda estão nos esqueletos dos armários dos bancos. E isso é apenas um exemplo, há outros. O nosso orçamento não estava controlado e continua a não estar, continuamos sem reformas estruturais, estamos a ter um défice mínimo sem reformas estruturais. E isto tem uma consequência, o país está frágil como estava em 2008 e, em certos aspetos até está mais do que estava. Agora está a correr tudo bem porque o vento está nas costas, mas não dura sempre e quanto virar vamos ter outra vez uma crise. Será a quarta crise neste século.

Mas os bancos estão mais resistentes?

A banca está de facto mais sólida, mas também está a sofrer uma pressão brutal de transformação tecnológica. As novas formas de financiamento estão a revolucionar o setor e mesmo que estivesse tudo bem e que a banca portuguesa não tivesse um lastro de crédito mal parado que é o segundo ou o terceiro maior da Europa iríamos ter um problema porque todos os bancos europeus estão aflitos. Começam a aparecer novos produtos, novas formas de fazer negócio, e a velha maneira de filial e dos balcões está ultrapassada. A reforma que a banca portuguesa teria de fazer, mesmo que estivesse tudo bem, seria sempre muito difícil. Sem falar que a Caixa Geral de Depósitos é um monstro, em termos de balcões e de pessoas, e teve pressões políticas para emprestar dinheiro a pessoas que não mereciam. E isto é só a Caixa que é a maior e a mais importante, depois temos o Novo Banco que ainda não conseguiu dar dinheiro e que está sucessivamente a pedir sempre mais ao Estado e este ainda vai ter de injetar mais. A solução de dizer que não queremos mais dinheiro público para salvar a banca é perfeitamente compreensível, mas não há dinheiro a não ser no Estado. Se os outros bancos meterem dinheiro para salvar bancos falidos ficam também eles falidos. O que fizemos foi criar uma solução para fingir que não é dinheiro público, mas o único dinheiro que há no fundo de resolução foi o Estado que lá o pôs. E vai ter que pôr mais. Isto significa que, continuamos a pôr dinheiro público na banca, mas qual era a alternativa? Era deixar os bancos cair? Depois caía toda a economia. 

Mas houve quem defendesse a nacionalização do Novo Banco…

Isso era meter o dinheiro do Estado outra vez num banco e tê-lo a gerir. o que não é propriamente uma boa ideia porque não tem sido um sucesso os bancos geridos pelo Estado. É verdade que também nos privados não é melhor. Fez-se disparates em todo o lado. Nacionalizar um banco não é dizer que resolvemos um problema. O primeiro banco que foi abaixo foi o BPN, foi nacionalizado e metemos toneladas de dinheiro para depois ser vendido por meia dúzia de tostões mais tarde. É uma solução excelente para tapar o assunto. Como o BES não foi nacionalizado, o escândalo veio para a rua e com isso ainda temos alguma possibilidade de vir um dia saber o que realmente aconteceu. No BPN não se soube nada porque foi nacionalizado. A ideia de nacionalizar é uma ideia ideológica, é um modelo, podemos apenas discutir se é bom ou mau. 

Os bancos têm vindo a recuperar os lucros. É um déja-vu? 

Quando se está enfiado num buraco há por vezes uma luz ao fundo do túnel, o problema é que o túnel nunca mais acaba. A banca portuguesa está longe de se poder dizer que está livre de sair, precisava de uns 20 ou 30 anos, mas não tem esse tempo para recuperar porque vem aí uma crise antes disso. A situação é muito assustadora e, ainda por cima, os lucros que estão a conseguir é através de financiamento de atividade especulativa e de consumo. E foi isso que nos levou à crise anterior. Estamos a viver nesta ilusão que está tudo bem, que estamos a ter um sucesso estrondoso, o que é ótimo em termos políticos para quem está no poder, mas não dura sempre. É o mesmo erro da crise anterior, é espantoso, mas de facto não aprendemos. Mas se sobrevivemos à anterior, não vale a pena entrar agora em pânico. Da outra vez não foi o fim do mundo, também não vai ser na próxima. E em princípio a próxima crise não vai ser tão má como a anterior que foi a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Nem no 25 de Abril caímos tanto como entre 2008 e 2013. E a culpa não é dos governos, é da sociedade portuguesa que quer ser enganada. Se algum político disser aquilo que estou a dizer nunca mais é eleito. Os políticos não são maus, quem são maus são os eleitores que gostam de ser enganados e quem lhes vende a ilusão eles compram. E não é por desconhecimento porque não só têm acesso aos dados estatísticos como passámos por uma situação semelhante há muito pouco tempo. 

E têm surgido cada vez mais alertas…

Exato. E da última vez pode-se dizer que nunca se tinha visto, agora já viram e sabem que não é mentira. 

Estamos quase em vésperas de apresentação do novo Orçamento do Estado. O que espera do documento?

Vai ser um orçamento eleitoral. Vamos ter duas eleições no próximo ano e não vai ser neste, que é o último da legislatura, que o Governo vai tomar as medidas que já devia ter tomado. Não se pode exigir que faça finalmente o que tem de fazer, provavelmente vamos assistir ao contrário: vamos aumentar o défice e vamos gastar mais dinheiro. 

Nos outros orçamentos carregou nos impostos indiretos…

Toda a redução do défice foi conseguida com a subida de impostos, de receitas porque a despesa subiu. Se este Governo aumentou a despesa só tem menos défice porque subiu mais a receita. O Governo anterior durante a troika reduziu a despesa e subiu a receita e, por isso, o défice foi melhorado pelos dois lados. Agora, assistiu-se a um aumento da receita sobretudo pelos impostos indiretos, porque os diretos até baixaram, foi uma promessa que Costa fez. O problema é que os impostos indiretos são os impostos que os pobres pagam porque os diretos são calibrados ao nível de rendimentos. Embora o nosso imposto seja injusto há uma certa calibragem para o rendimento, o indireto é pago quando a gente compra. E os pobres por serem pobres não têm grandes poupanças, mas consomem. O grande problema é sobrecarregar os impostos indiretos, que já é uma tradição portuguesa, pois Portugal sempre teve um grande problema de evasão fiscal. Os ricos sempre fugiram dos impostos diretos e os pobres é que pagavam porque não conseguiam fugir, por isso recorremos aos impostos indiretos que são ainda mais injustos. Esta solução não é de Esquerda e é contra a justiça social porque são os impostos que pagamos sem darmos por isso. E é também por isso que são tão agradáveis em termos políticos, porque parece que não estamos a pagar impostos. 

Mas passou pelos partidos de Esquerda…

É extraordinário que os partidos de Esquerda tenham aceite a redução do défice quando eram contra isso. Eram os maiores inimigos da austeridade e este Governo fez mais austeridade do que o anterior. Mas nós temos uma Esquerda que há muito tempo abandonou a ideologia e que sobrevive e se mantém saudável, até diria mais saudável do que os nossos parceiros da Europa, porque é extraordinariamente corporativa. Todos os partidos de Esquerda, sobretudo a extrema-esquerda portuguesa está enfeudada a meia dúzia de corporações: sindicatos, setor público, pensionistas que são os seus eleitores e servem esses interesses. E até estão disponíveis a penalizar os pobres com impostos para poderem servir o aparelho estatal que é de facto a sua finalidade. Também é verdade que o aparelho estatal sempre foi de Esquerda. Os pobres não têm voz em Portugal porque são pobres e porque os partidos de Esquerda deixaram de lhes dar voz. E esse é um dos principais problemas da nossa democracia e quem diz os pobres, diz os imigrantes, ou seja, as classes desfavorecidas que não têm ninguém que fale deles porque a Esquerda que tradicionalmente falava é atualmente corporativa e está ligada aos aparelhos à volta do Estado. E a Igreja que também falava deles não tem grande voz em Portugal. 

E com isso não estão a distinguir cidadãos de primeira e de segunda?

É uma velha tradição portuguesa. Portugal é muito corporativo, sempre foi e há um conjunto de setores que controlam a classe política. E esses são claramente de primeira categoria. Tem havido uma discussão em torno dos salários dos professores. A OCDE fez um estudo e revelou que estão entre os mais bem pagos da Europa, quando eles se estão a queixar que são os piores da Europa. E como toda a gente pensava isso, ficámos todos surpreendidos com este estudo. Há aqui uma série de injustiças, Portugal continua a ser o mais desigual da Europa e ninguém fala nisso. E quando se fala nisso é para dar mais para os tais outros. Fala-se muito em subir o salário mínimo, mas subir o salário mínimo vai penalizar os os mais pobres. Então porque é que defendem isso? Porque depois sobem outros salários. Os sindicatos estão a favor do aumento do salário mínimo, mas não há nenhuma pessoa do sindicato que receba o salário mínimo e quem recebe esse valor não é sindicalizado porque não tem dinheiro para pagar as quotas. Qual é a finalidade disto? Primeiro é uma maneira ótima do Governo ganhar votos sem gastar um tostão porque o Estado não paga salários mínimos, quem paga são as empresas. Só quando aumenta as pensões é que gasta muito dinheiro e é, por isso, que sobe pouco. E depois os sindicatos são a favor porque os outros salários têm de subir e alguns deles até são indexados ao salário mínimo e vai tudo por ali acima. E o que acontece realmente aos pobres, aqueles que recebem o salário mínimo? Os estudos estão feitos, as empresas mais fracas vão abaixo porque não conseguem pagar isso e essas pessoas vão para o desemprego. Isso é que assusta, é uma lógica que alegadamente é a favor dos pobres, mas que afeta os mais fracos de forma negativa. É uma ilusão muito bem montada e depois dizem-me que eu é que sou inimigo dos pobres porque não quero que se suba o salário mínimo.

E o aumento para os 600 euros não resolve a situação de quem está mais débil…

É completamente irresponsável e a questão dos 600 euros é só porque é um número bonito. Então porque não se sobe para mil euros? É uma discussão completamente irresponsável, ninguém vê os estudos. Eu não sou especialista, aliás, o maior especialista em mercado de trabalho é o ministro das Finanças que fez vários estudos sobre a área laboral. Há vários estudos que falam sobre isso, não estou a inventar nada. E esses estudos dizem que são os mais fracos, as mulheres, os idosos e os jovens que perdem o emprego quando se sobe o salário mínimo. Há impactos negativos e as pessoas propõem essa coisa em nome dos pobres e depois estragam a sua vida. 

As confederações patronais estão geralmente contra essa subida nas reuniões de concertação social…

Mas depois são vistos como os maus da fita porque continuamos a ter o mito que temos maus capitalistas. Costumo dizer que Portugal é um país de esquerda, mas depois temos os muito de esquerda e os poucos de esquerda. Desde o CDS ao Bloco é tudo de esquerda, não temos nenhum respeito pelos empresários, pelo capital, achamos uma coisa horrível e que não é necessário. E acreditamos em soluções que são mágicas, mas que são horríveis para os próprios. Por que temos tanta precariedade nos trabalhos jovens? Porque os mais velhos estão completamente blindados nos empregos, mesmo quando não são produtivos. Temos uma geração após 25 de Abril que conseguiu blindar os seus direitos e que ainda está no mercado de trabalho, só agora é que estão a começar a chegar à reforma. E isso é uma injustiça sobre os mais fracos em nome dos trabalhadores, em nome da defesa dos direitos, mas os direitos não são dos trabalhadores são apenas de alguns. Na altura da troika fez-se algumas reformas de liberalização e, por isso, é que o desemprego começou a descer. Portugal tinha o mercado de trabalho mais rígido de todos os países da Europa, parecidos com a nossa situação só na Indonésia, Índia e China. Durante a troika tivemos a maior liberalização dos contratos de trabalho de toda a Europa e continuamos a ter os contratos de trabalho mais rígidos da Europa. Quando se está a falar em liberalizar na França, em Itália, nesses países estão a liberalizar uma lei que é muito mais liberal do que a nossa. Toda esta situação deve-se ao problema dos sindicatos. O caso mais espantoso é o dos professores, mas os médicos e os funcionários públicos também o são. Sem dúvida que a situação dos professores é mais caricata porque há cada vez menos alunos porque estamos a ter menos filhos. E mesmo não havendo alunos conseguem manter uma série de regalias. Os professores são sempre vistos como uns desgraçados e até achamos que deviam ter mais regalias. O mesmo acontece com os médicos e com os funcionários públicos e os outros que paguem essas regalias com os seus impostos. E além de ser um problema de injustiça entre setores e de injustiça social também já é um problema de justiça geracional. O futuro dos jovens está a ser evidentemente prejudicado porque os mais velhos capturaram o sistema a seu favor. E isto é simplesmente um fenómeno democrático, os velhos são muitos e votam e os jovens são poucos e não votam e os políticos têm de ser eleitos. Quem é que vai confrontar isso? A consequência seria perder as eleições. Estamos a hipotecar o futuro do país por causa de uma geração e foi a minha geração que deu cabo disto. E esse problema vai-se manter durante várias gerações, não vai acabar de um dia para o outro. Temos a taxa de fertilidade mais baixa da Europa, das mais baixas do mundo. Temos um problema enorme de falta de capital, o país foi vendido ao estrangeiro. Trabalho e capital são as duas bases de desenvolvimento. A produtividade também é das mais baixas da Europa e continua a cair. Tudo isto são sinais absolutamente assustadores. Ouviu falar destas questões nos debates políticos dos últimos anos? Não se fala. 

Mas isso também caberia aos partidos da oposição?

Eles também fazem parte do mesmo sistema. Se começarem a ser mais ativos nunca mais serão eleitos, têm de fazer os jogos deles. Se começarem a dizer estas verdades estão perdidos. Neste momento, o líder do PSD é um economista reputado, vamos lá ver o que é que vai fazer. 

Mas já está envolvido em problemas internos…

Exatamente. Mas mais uma vez digo que o problema não está nos políticos, é um problema da má qualidade dos eleitores. É um problema da ilusão que as pessoas querem comprar. Já tivemos no poder todas as forças políticas, aliás o PS é o único partido que já fez eleições com todos e teve sempre a mesma política. E o PSD é muito parecido. Portugal não tem neste momento uma clivagem política, não está dividido, e responde a poderes instalados que estão a destruir o país. Desde que nos começámos a fascinar com o crédito da Europa e a viver acima das possibilidades e com um endividamento brutal que ainda lá está – ainda não pagámos a dívida total e esta não desceu muito – e já estamos a tentar voltar aos níveis de vida que tínhamos. E sempre que nos conseguimos endividar mais um bocadinho ficamos todos contentes, isso é uma festa e isso é verdade há mais de 20 anos. 

Acha que o novo partido de Santana Lopes pode trazer uma lufada de ar fresco?

Não sou analista político, mas posso-lhe dizer que nunca houve nenhum que mudasse isto. A nossa estrutura política é a mesma em quarenta e tal anos em democracia. Todas as tentativas não conseguiram funcionar. Nas últimas eleições tínhamos mais partidos novos do que alguma vez tínhamos tido e nenhum deles fez coisa de espécie nenhuma, a não ser um que conseguiu ser eleito. Não tivemos nenhuma força política que se tivesse afirmado como força plausível. 

Mudando do conversa, sendo católico, o que acha do trabalho deste Papa? 

É um grande Papa. É um dos grandes Papas da história. É um homem extraordinário, tem um estilo completamente diferente dos anteriores, tal como os anteriores também o eram para a sua altura. Tem um estilo novo, muito virado para este tempo. Mas se olharmos para cada um dos Papas dos últimos 100 anos tem sido assim. Cada época, o Espírito Santo ressuscita o Papa que é preciso. 

Identifica-se mais com este?

Identifico-me com quem lá estiver. Sigo Pedro, sigo a Igreja e o sucessor de Pedro é quem eu sigo. Este Papa escreveu um livro com 500 páginas, onde também abordou os desafios económicos. É o primeiro Papa que fala com uma displicência dos assuntos económicos que os outros não falavam. Alertado por isso, fui ler o que falou sobre a economia e escrevi um livro sobre isso. 

Como vê os escândalos em torno da Igreja?

Primeiro, com grande sofrimento, sobretudo pelas vítimas, mas é muito importante não nos escandalizarmos. O escândalo quer dizer cometer pecados causados por outros. A Igreja sempre foi uma Igreja de pecadores e na sua história dos dois mil anos vê-se coisas horríveis. Mas mesmo com estes nossos pecados Cristo consegue salvar o mundo. Não estamos cá por causa dos pecadores, estamos cá por causa de Cristo e por causa da salvação que se sente no meio do nosso pecado. Isto é verdade na minha vida: o pouco de bom que fiz foi o Senhor que fez em mim, eu só estraguei. Mas a verdade é que isto está a criar uma perseguição à Igreja e, tudo indica, que vamos entrar numa época de grande perseguição à Igreja. Era o que acontecia há 100, 150 e 200 anos. Ainda há pouco tempo saiu das maiores perseguições horríveis e já está a ser perseguida na China e nos países muçulmanos. A perseguição à Igreja é uma coisa habitual, na Europa Ocidental as perseguições nos finais do século XIX foram inacreditáveis. Portugal fez uma perseguição brutal na primeira República e estamos a falar de uma coisa que ainda não fez 100 anos. É verdade que o tema muda e desta vez é um tema esquisito que é sobre uma pequena minoria de padres que terá feito coisas horríveis e, com isso, estamos a criticar toda a Igreja. É o mesmo que dizer que, sabendo que alguns políticos portugueses foram corruptos, todos os portugueses são corruptos e, como tal, agora temos de começar a perseguir os portugueses. Os católicos são 1500 mil milhões no mundo inteiro e estamos a falar de uma pequena minoria. Isso não tira o drama horrível das pessoas que tinham autoridade religiosa e abusaram dessa autoridade perante os mais fracos. Isso é inaceitável, é um pecado demoníaco. E aqueles que colaboraram com isso ou que não denunciaram como deviam, também cometeram um pecado, claro que não tão grave como o primeiro. Mas isto foi novidade há 20 anos e ainda andamos com isto, pois a maior parte dos casos denunciados são antigos. 

A Igreja está a conseguir reagir bem? 

O Papa tem feito coisas espantosas, mas já o anterior tinha feito o mesmo. A verdade é que a Igreja nunca consegue ter uma boa imagem. Dizer mal do Papa, dos bispos e da Igreja é uma coisa normal. Aliás fomos avisados para isso, o Nosso Senhor avisou: «ai de vós quando disserem bem de vós e bem-aventurados quando forem perseguidos, por isso», não estamos à espera de outra coisa. Estou a prever que vamos passar por períodos muito difíceis. Já há dioceses nos EUA que estão falidas, o que quer dizer que, os pobres vão deixar de beneficiar dos serviços que a Igreja fazia, os desgraçados que eram acompanhados deixaram de o ser por causa de três ou quatro padres que fizeram coisas horríveis. Parece-me uma maneira um bocadinho tonta de resolver o problema porque ninguém foi tratar dos pobres e dos doentes que a Igreja tratava. Isso é horrível para os mais infelizes da sociedade. Mas estas perseguições sempre aconteceram. Quando o Marquês de Pombal expulsou a Companhia de Jesus foi a maior catástrofe da Educação portuguesa de toda a história. A raiva que tinha contra a Companhia de Jesus era muito maior do que o amor que tinha pela Educação dos portugueses. E penso que vamos assistir a um fenómeno parecido. 

Como é que a religião entrou na sua vida?

Entrou naturalmente. Sou religioso desde pequeno, os meus pais já o eram. E quando começo uma coisa gosto de a levar a sério. E isso é verdade em tudo. E quando acredito, acredito mesmo. Não é uma coisa só para fazer ao fim de semana, é para fazer totalmente. É o centro da minha vida. No centro da minha vida está Jesus Cristo e a Igreja. 

Foi uma das vozes críticas contra o aborto e chegou a dizer que a despenalização tornaria o aborto «tão banal como um telemóvel». Ainda pensa assim?

O que disse na altura é que olhando para a estatística via exatamente um salto na utilização do aborto igual ao salto do uso do telemóvel. E isso é estatisticamente testável e continuo a dizer o mesmo. A Igreja sempre disse que isso é uma barbaridade, estamos a matar crianças antes de nascerem por capricho. Aquilo é uma vida e que, segundo o código civil, pode herdar, pode ser perfilhado, ou seja, tem enormes características de pessoa e que, se por acaso não der jeito, podemos matar. É uma coisa que o mundo sempre percebeu que é horrível e que este tempo também percebe mas prefere ir contra.

A sociedade evoluiu. Permite o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo…

Claro, e também permite o roubo, a corrupção, a mentira. A sociedade sempre negou os princípios da Igreja. Os princípios da Igreja são difíceis de aplicar na prática e isso sempre aconteceu ao longo da história. Por isso é que tivemos escravatura quando a Igreja sempre disse que não devíamos ter. Mas como é que a gente se guia? É pela maioria do momento ou é por alguns princípios que são válidos sempre? Se formos por aquilo que a sociedade pensa vamos fazer coisas horríveis. A sociedade portuguesa pensava coisas horríveis, era racista, era machista até há pouco tempo e devíamos ser assim?