Governantes investigados

Augusto Santos Silva, Vieira da Silva, Pedro Marques, Maria Manuel Marques Leitão, Manuel Heitor e Marcos Perestrelo são membros do atual Governo que estavam no Executivo de Sócrates e contra os quais a Associação dos Juízes apresentou queixa, em 2012, por uso de cartões de crédito para benefício pessoal. A PGR confirmou ao SOL a…

O Ministério Público está a investigar vários ministros e secretários de Estado do segundo Governo de José Sócrates por suspeitas de ilegalidades no uso de dinheiros públicos e o caso, que envolve membros do atual Executivo, tem já arguidos. Tudo teve início em 2012, com uma queixa-crime da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, que, após análise às contas dos gabinetes daquele Executivo, em funções entre 2009 e 2011, considerou haver indícios de uso indevido de dinheiro dos cofres públicos. 

Contactada esta semana pelo SOL, a Procuradoria-Geral da República confirmou que a investigação inédita ainda está a decorrer: «O inquérito relativo à matéria em causa continua em investigação». Oficialmente, o gabinete de Joana Marques Vidal assegurou que já foram constituídos arguidos, recusando no entanto divulgar a sua identidade ou referir se se trata de algum atual ministro. É a primeira vez que o Ministério Público está a investigar despesas pagas por governantes no exercício de funções. 

A queixa-crime apresentada pela Associação dos Juízes contra 14 ministros e 35 secretários de Estado surgiu após ter sido solicitado pelos magistrados o acesso a documentação relativa a despesas de representação, de deslocações, pagas com cartão de crédito do Estado, bem como as faturas de telemóvel. 

Entre o leque de ex-ministros investigados encontram-se dois membros do atual Governo: Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, e Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Segurança Social.

Mas na queixa-crime apresentada pelos juízes ao Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa também constavam secretários de Estado da era Sócrates que desempenham agora as funções de ministro, como é o caso de Pedro Marques, que tem a pasta do Planeamento e das Infraestruturas, de Manuel Heitor, ministro da Ciência e do Ensino Superior, e de Maria Manuel Leitão Marques, ministra da Presidência e da Modernização Administrativa.

Para além dos atuais ministros, há ainda o secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello.

Em causa estão indícios de que «alguns membros do anterior Governo, não obstante terem recebido despesas de representação por inteiro durante todo o período de exercício de funções, utilizaram cartões de crédito e telefones de uso pessoal pagos pelo Orçamento do Estado [para 2011] sem regulamentação e enquadramento legal ou violando o enquadramento legal», lê-se no comunicado da Associação Sindical dos Juízes, com data de 2012, consultado pelo SOL.

Demora criticada por juiz

O antigo presidente da Associação Sindical de Juízes António Martins, que subscreveu a queixa enviada ao Ministério Público, considera excessivo o tempo desta investigação. «Claramente, não consigo compreender este tempo de investigação», disse o magistrado quando confrontado com a informação de que o inquérito ainda está em aberto. 

A queixa resultou de um desentendimento entre os juízes e o Governo que, desde 2010, tinham vindo a negociar alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais. A intenção do Executivo liderado por José Sócrates era tributar o subsídio de renda dos juízes.

Como resposta, os magistrados decidiram pedir a todos os Ministérios (17), incluindo o gabinete do primeiro-ministro, que lhe fosse enviada documentação relativa às despesas dos governantes pagas em representação, ou consideradas como ajudas de custo, durante o exercício de funções. Neste sentido, os juízes pediram «cópias das resoluções e atos normativos que autorizavam e regulamentavam o uso de cartões de crédito e telefones de uso pessoal por ministros, secretários de Estado e chefes de gabinete com despesas suportadas pelo Orçamento do Estado [para 2011] e identificação dos respetivos beneficiários». Foram pedidas ainda «cópias dos documentos de processamento e pagamento das despesas de representação dos mesmos membros do Governo», lê-se no documento elaborado pela Associação Sindical dos Juízes. 

A documentação foi exigida pelos juízes ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) e, ainda assim, foi negada pelas tutelas do Governo de Sócrates. 

Como justificação para a recusa da informação, os Ministérios  recorreram a vários argumentos.  Desde logo, entenderam que o pedido dos juízes traduzia um «abuso de direito de acesso aos documentos» por «desnecessidade» ou  «desvirtuamento da LADA». Alegaram ainda «ilegitimidade material», «desproporcionalidade» e  «redundância de controlo». 

Para os juízes, todos estes argumentos traduziam apenas que o Governo de então «não só não estava interessado em revelar os procedimentos adotados para atribuir cartões de crédito e telefones para uso pessoal e processar as despesas de representação» como ainda «parecia querer esconder os gastos daí decorrentes».  

Só Justiça e Agricultura mostraram as despesas

Com a recusa dos Ministérios, a Associação dos Juízes decidiu recorrer aos tribunais administrativos para «assegurar o direito de acesso aos documentos e obrigar o Governo [em funções] a cumprir a lei». Destes processos, e «após várias sentenças e recursos», houve cinco acórdãos, total ou parcialmente favoráveis aos juízes, sendo que o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Central Administrativo Sul «condenaram o governo a fornecer os referidos documentos», lê-se no comunicado. 

Ainda assim, depois de intimados a cumprirem aquelas decisões judiciais, apenas «dois Ministérios cumpriram integralmente» – o Ministério da Justiça, tutelado por Alberto Martins,  e o Ministério da Agricultura, tutelado por António Serrano -, «um não deu qualquer resposta» – o Ministério da Defesa, tutelado por Augusto Santos Silva – e outros «forneceram informações e documentos incompletos».    

Foi então que os juízes decidiram fazer uma queixa-crime junto do Ministério Público, acompanhada pela entrega da documentação recolhida de forma a que fossem apuradas «eventuais responsabilidades criminais e civis».

Apesar de a queixa-crime visar apenas 14 dos 16 ex-ministros e 35 ex-secretários de Estado, o inquérito pode ter sido alargado a todo o Executivo para apurar se houve ou não uso indevido de verbas, como, na altura, noticiou o jornal i.