Eu e a Vanessa afastámo-nos. Aliás, foi por isso que interrompi estas crónicas. Sim, eu sei que ela é minha amiga desde a faculdade, mas às vezes, até com os amigos, é preciso “dar um tempo”. Com a idade as coisas mudam. As energias têm que ser melhor distribuídas. Primeiro achamos que é trágico, depois conformamo-nos. As únicas duas pessoas que conheço que fazem agora a mesma vida que faziam aos 30 anos é a Vanessa e o meu amigo V. O caso do meu amigo V. é totalmente especial e merecia não só uma crónica mas até um livro inteiro. A questão com a Vanessa é que, além de gastar desvairadamente a sua energia pessoal, extorquia-me boa parte da minha. Tive que dar um tempo. Não é que nos tenhamos zangado de uma forma absoluta. As zangas radicais também são um gasto de energia dispensável. É sempre possível fazer aquela coisa de combinar jantares e depois adiar sine die até conseguirmos reduzir a relação àqueles mínimos em que dizemos “temos que ir beber um café”. Ora, qualquer cidadão sabe que quando dois amigos chegam ao ponto do “temos que um dia ir beber um café” é porque não há nenhum café que seja objeto de desejo. Um café ou uma pessoa.
Claro que os desejos são coisas misteriosas e a ideia de que possam incluir alguma considerável ração de racionalidade é falsa. Há uns desejos que me comovem particularmente: aqueles que perduram no tempo sem que tenhamos consciência disso. Como quando vemos um amigo de quem a vida nos afastou (e não foi por querermos dar um tempo, é mais a coisa do longe e da distância) e conseguimos pegar na conversa com quando a interrompemos no ano 2000. Aconteceu-me há pouco tempo com uma pessoa de olhos azuis, numa ilha bonita. Reparem que eu escrevo “pessoa”, mas isto não é porque tenha embarcado na cena do género neutro, mas porque neste caso concreto não me apetece divulgar o género envolvido. Ou o sexo, como se dizia dantes.
Quando esta semana a Vanessa me telefonou, depois de meses de sumiço por mútuo consentimento, acabei a ter quase a mesma sensação que tive com a pessoa de olhos azuis da ilha pequena e bonita: a boa ilusão de que nada muda quando conseguimos pegar na conversa no lugar onde a deixámos muito tempo antes.
Talvez, de vez em quando, nada mude.
– E o que me dizes a isto do Santana Lopes? Estou tão entusiasmada! O homem vai mesmo ganhar aquela coisa?
Aquela coisa é evidentemente o PPD/PSD. Até agora, só Pedro Santana Lopes falava do seu partido pelo nome completo. Vá lá saber-se porquê, o primeiro-ministro agora também se associou à “mania”. Será campanha indireta por Santana Lopes? É duvidoso.
– Eu estou mortinha, mesmo mortinha, para ver o Santana ganhar! O homem merece. Afinal, éramos ou não éramos mesmo felizes em 2004? Eu cá era! Houve o Europeu de futebol, as bandeiras nas janelas, o Scolari, isto andava cheio de gajos giros. Eu tenho saudades do tempo em que Santana Lopes era primeiro-ministro. Lembras-te que até o Sampaio recebeu o Marcelo porque ia ser despedido da TVI? E a quantidade de comentadores que foram despedidos depois disso e nunca mais houve nenhum Presidente para as receber? E agora até o Marcelo recebe o Santana Lopes! Eo Santana diz bem do Marcelo! Eu cá estou a adorar isto.
A Vanessa falava como se a sua paixão antiga por Santana Lopes estivesse a ser retomada no momento em que foi interrompida. Como quando reencontramos as pessoas com quem suspendemos conversas e as continuamos como se nada fosse.
– Viste que o homem disse que assumia “tudo o que fez”? Isto quer dizer que até assume que usou na campanha a música do “menino guerreiro”!
A Vanessa parecia-me estar a começar a embargar a voz, mas era só um princípio de laringite.