Arquitectura: A utopia que mudou a face do Japão

Chamaram-lhe ‘a primeira vanguarda não-ocidental’ e ‘o último  momento  de optimismo’. A história do Metabolism, um movimento de arquitectos japoneses  da década de 60, é agora recuperada num livro assinado por uma dupla de luxo

num dia agitado
de 1995, o arquitecto
holandês rem koolhaas ia apanhar um avião para hong kong quando entabulou uma
conversa sobre metrópoles asiáticas com o curador hans-ulrich obrist. ‘já que
estamos a discutir cidades asiáticas, por que não fazê-lo numa?’, pensaram.
obrist, umas horas depois, estava a entrar para o avião com destino a hong
kong, e puderam prosseguir a conversa durante o voo.

em 2005, dez anos depois desse voo para
hong kong, o arquitecto japonês kaoyoko ota propôs à dupla que as suas
pesquisas sobre as cidades do oriente se focassem no metabolism, um movimento
arquitectónico nascido em tóquio no ano de 1960. estava dado o primeiro passo
para a realização de project japan. metabolism talks (taschen), o livro
que reúne abundante documentação sobre a primeira vanguarda não-ocidental.

obcecado por entrevistas

os autores são figuras de peso._koolhaas, o
celebrado autor da casa da música, venceu o pritzker em 2000. obrist,
responsável pela serpentine gallery, em londres, é uma espécie de globetrotter
do mundo da arte contemporânea, marcando presença em exposições e bienais quase
simultâneas em todo o mundo. nascido na suíça, ganhou protagonismo quando, em
1993, fez uma exposição na cozinha de sua casa. desde então fez um sem-número
de exposições e publicações. obcecado por entrevistas – desde 1991 acumulou
cerca de 2.500 horas de gravações – fundou o the interview project, do qual já
se editaram 26 volumes). em 2009 ocupou o primeiro lugar da lista das 100
pessoas mais influentes do mundo da arte da artreview.

na década de 1930, o japão era uma potência
regional com um problema de espaço. a sua indústria precisava de se desenvolver
e os 64 milhões de habitantes só com dificuldade cabiam no arquipélago.
iniciou-se assim a política expansionista que haveria de estar na origem do
alastramento da ii guerra mundial ao pacífico. foram estabelecidas colónias na
manchúria, norte da china (onde chegou a haver um milhão e meio de soldados japoneses),
para as quais se propuseram megaprojectos de urbanismo e arquitectura. mas em
45 o japão era devastado. «os mesmos arquitectos e urbanistas que, na década
de 30, tinham projectado várias novas colónias no estrangeiro eram agora
confrontados com as suas próprias cidades transformadas em entulho radioactivo.
da utopia ao apocalipse em menos de meia geração…»
, escrevem os autores.

reduzido a escombros, o país rapidamente
inicia uma recuperação espectacular. equaciona-se redireccionar os projectos outrora
previstos para as colónias chinesas para a reconstrução. é nesse ambiente que
em 1960, durante a conferência mundial de design, nasce o metabolism. o
movimento mistura optimismo, tecnologia, novos conceitos de urbanismo,
projectos arrojados e preocupações ecológicas; tradição e futuro. muitos dos
seus projectos distinguem-se pelo seu carácter megalómano ou utópico.

kenzo tange, o autor do icónico ginásio
nacional para os jogos olímpicos de 1964, em tóquio, era o mestre e o íman que
atraía até si e desenvolvia os talentos da geração mais nova. entre eles estava
kisho kurokawa, o primeiro arquitecto a atingir o estatuto de estrela. em 1970
assinou a torre cápsula, um edifício composto por módulos pré-fabricados e um
dos poucos projectos icónicos do metabolism a ser construído.

o movimento conheceu a apoteose em 1970 com a exposição universal de
osaka. ali, o espaço de uma cobertura idealizada por tange (não muito diferente
da pala de siza na expo 98) era cruzado por robôs. olhando retrospectivamente,
koolhaas define a exposição de 1970 como um «momento em que poderíamos
sentir-nos eufóricos acerca do futuro do mundo. talvez o último»
,
acrescenta. foi o canto do cisne do metabolism. em seguida, o movimento
pulverizou-se mas agora, graças a project japan. metabolism talks, os
seus sonhos saíram do esquecimento.

jose.c.saraiva@sol.pt