Cartoon anti-semita de António: as piadinhas não podem ser instrumento de odiozinho

Os tiques autoritários, totalitários e xenófobos que a esquerda aponta aos outros são um património histórico que zelam com primor e cuidado.

1.Muito gosta a esquerda de perorar sobre o ódio, de insultar a direita por ligações a ideias e projectos tenebrosos do pretérito cuja memória – por si só – fere a nossa sensibilidade humana,  lançando um labéu sobre um vastíssimo sector da comunidade política que é injusto, mentiroso e desonesto. Constatamos – hoje mais do que nunca – que a insistência da esquerda radical (hoje, esta expressão parece uma redundância) em catalogar a direita de “fascista” ou “nazi” esconde, na verdade, um lacerante problema de auto-consciência: a esquerda não vive bem com o seu passado, nem com aquilo que ainda é.

Os tiques autoritários, totalitários e xenófobos que a esquerda aponta aos outros são um património histórico que zelam com primor e cuidado. Efetivamente, à medida que os anos passam e a memória se desvanece, a esquerda começa a revelar, com cada vez mais acuidade, a sua genuína faceta e o lado da História em que se prefere alistar.

2. Já perfeitas mais de sete décadas desde o final da Segunda Guerra Mundial e do período em que se atingiu o “grau zero” da Humanidade, empregando uma expressão tão sugestiva quanto certeira de Hannah Arendt – há sectores da esquerda que já proclamam abertamente que o “problema de Adolf Hitler foi não ter terminado a sua tarefa” (sim, ouvimos esta expressão de um quadro qualificado do PS!). E a Bárbara Reis, no “Público”, só faltou mesmo escrever que Israel é um produto nazi, pois se Hitler não tivesse caído, o problema judeu e da opressão levada a cabo por Israel nos últimos setenta anos  nunca teria ocorrido.

 Veja-se o que está sucedendo com o Partido Trabalhista britânico, sob a liderança de Jeremy Corbin (líder político radical que é tão acarinhado pelas elites esquerdistas portuguesas…): o anti-semitismo virou doutrina oficial (ou, pelo menos, oficiosa) do partido. Veja-se o partido de Mélanchon na França. Veja-se, finalmente, o BE aqui em Portugal, que tem, infelizmente, levado a reboque uma fracção importante do PS.  

Nunca foi, neste contexto, tão relevante evocar as vítimas do Holocausto. Lembrar a humilhação a que foi sujeito o povo judeu, lembrar o seu sofrimento, lembrar o plano de morte animalesco engendrado pelos animais dos nazis (sem querermos ofender os animais, que não merecem tamanha qualificação); lembrar, enfim, sobretudo, não a morte, mas a vida nunca vivida dos nossos irmãos judeus (porque é de irmãos de que aqui se trata, independentemente das crenças religiosas de cada qual).

Vida, essa, que nunca foi esquecida; antes, transformou-se em força, a força converteu-se em “alegria dos justos” e a “alegria dos justos” germinou o Estado de Israel.  De 1948 até aos nossos dias.

3.E para a posterioridade: Israel – à atenção da comunidade internacional, sobretudo dos regimes terroristas islâmicos radicais, que vivem do, para e pelo ódio a Israel e ao Ocidente – viverá para toda a eternidade; será um elemento constante do devir da Humanidade.

 Que nunca se esqueçam os novos “herdeiros de Hitler”, desde os Ayatollhas no Irão teocrata radical até aos grupúsculos que possam surgir por esse mundo fora, que a única “Solução Final” que triunfou (e é indiscutível)  foi (é!)  a solução para a concretização do direito histórico da Nação judaica a ter um Estado, na Terra que lhe pertence. O seu Estado. O seu Israel.

A actual Adminsitração dos EUA, sob a liderança do Presidente Donald Trump, proclamou a passada e semana (de 28 de Abril até 5 de Maio) como a semana da memória do Holocausto e do Heroísmo (“Yom HaShoah Ve-Hagevurah”), instigando os cidadãos norte-americanos a estudar, a rezar, a evocar e a educar as novas gerações para que o massacre nazi nunca se repita.

Mais acrescentou o Presidente Trump, na sua Proclamação oficial, que” jamais nos calaremos perante o rosto do mal”, assumindo o compromisso de prosseguir a luta pela defesa dos direitos humanos, contra o anti-semitismo e combater quaisquer formas de ódio em qualquer  parte do mundo”.

É pena que os líderes europeus não tenham manifestado tal intenção de lutar veementemente contra o anti-semitismo, nesta semana de tamanho simbolismo para o nosso continente, sobretudo face ao momento que vivemos de intersecção entre o passado que deploramos, o presente que nos indigna e o futuro que nos inquieta.

4.Acresce, ainda, que atravessamos presentemente um momento eleitoral para designar os nossos representes nas instituições europeias: seria, pois, de esperar ouvir sinais animadores dos políticos portugueses quanto à sua determinação em combater o anti-semitismo, incluindo nas suas novas vestes de anti-sionismo.

Nada disso: em Portugal – com projecção à escala planetária – assistimos ao inverso: a uma manifestação do mais puro e primário anti-semitismo. Referimo-nos ao famigerado cartoon de António, publicado no “Expresso” (não admira) e irresponsavelmente replicado no “The New York Times”. De repente, ao constatar a ilustração humorística (é o típico exemplo de humor falhado), fomos transportados novamente para os tempos sombrios do século passado.

De facto, o cartoon tem todos os elementos que compuseram a mantra anti-semita nazi: os judeus representados como animais, como seres inferiores, numa tentativa de desumanizar o povo judeu, identificando-os como uma “raça inferior”; a Estrela de David em destaque na trela do cão judeu, identificando-se, desta forma, enfaticamente o “animal”; o mentor, cego, que manobra o povo judeu , guiando-o e conduzindo a conspiração global, causa de todos os males que afectam a comunidade internacional.

5.A Humanidade seria melhor, segundo a argumentação nazi cujos elementos fundamentais se encontram espelhados no trabalho de António, se se livrasse do “animal inferior”….No fundo, ao ver a ilustração de António e as reacções posteriores da esquerda portuguesa (e de alguma direita, é certo), recordámos um dos filmes mais chocantes da história do cinema: “Jew Süss”, um filme absoluta e deploravelmente anti-semita, que serviu de propaganda ao ideário nacional-socialista.

6.Neste monstruoso filme ao serviço de um monstruoso regime, Süss era o vilão judeu, retratado como imoral, como obcecado pelo dinheiro, sem limites éticos ou de qualquer outra espécie, cuja finalidade era destruir as sociedades “puras e superiores”. Os judeus acabam, pois, por ser identificados como animais perigosos, que carreavam vírus que tornavam as sociedades “puras” doentes.

Ah, e claro, não se omitia o plano internacional dos judeus para dominar o mundo, sendo guiados por um mestre, de acordo com os “Protocolos de Sião”: esta teoria da conspiração foi alimentada, no século XX, por todos os regimes totalitários. O que é tristemente extraordinário é que a esquerda (com a conivência de alguma direita) tenha legitimado tal narrativa, com ainda mais violência verbal, em plena democracia constitucional.

O diabólico regime nazi morreu – todavia, o diabo dos tiques totalitários e do apelo ao discurso de ódio contra os judeus teima em não largar certos sectores político-ideológicos europeus, portugueses e, infelizmente, parece alastrar-se aos liberais norte-americanos mais radicais.

7.Claro que se invocou o argumento – ao qual somos sensíveis – da liberdade de expressão: uma visão ultra-maximalista desta liberdade constitucionalmente tutelada, impõe o reconhecimento do direito de satirizar povos, Estados e grupos sociais em termos hiperbólicos, a desafiar os limites da razoabilidade e do bom gosto.

Mau humor ainda é humor constitucionalmente protegido; como argumentações desprovidas de sentido – patéticas – ainda constituem discurso livre objecto de potecção constitucional. Uma democracia robusta, pluralista e tolerante assim o exigiria.

Na verdade, após a decisão (sensata) do “The New York Times” de retirar o cartoon anti-semita de Antonio, a nossa esquerda já estava preparando o discurso: tratar-se-ia de decisão lamentável, que diminuiria a incandescência do farol da liberdade,  avançando-se mesmo que se tratava de uma pressão do “lobby judeu” (lá está, o vírus da narrativa nazi sempre presente…).

 A liberdade de expressão justificaria sempre a publicação do cartoon anti-semita de Antonio e do “Expresso”. Contudo, como o Bloco de Esquerda, entretanto, também se enredou em polémica sobre os limites do humor, a polémica perdeu fulgor – e a maioria dos nossos jornalistas, obedientes aos directórios do PS e do BE, lá largaram o assunto.

8.Não há direitos absolutos; certamente, o discurso baseado apenas no ódio e em preconceitos que atentam contra a dignidade da pessoa humana, apelando ao imaginário de regimes bárbaros que lançaram a carnificina na Europa, não poderá merecer a protecção de uma Constituição personalista, cujo substracto material se identifica com a defesa dos direitos humanos. O domínio das piadinhas não se poderá, pois, converter no domínio do odiozinho.

 E o BE – que havia andado a vender a ideia de que a “política só se faz com humor”, “não concebemos a política sem humor” – lá teve de alterar o discurso: afinal, mesmo o humor pode ser discurso de ódio, conforme defendeu Joana Mortágua, desmentindo a sua mana Mariana (no dia anterior, havia, em entrevista a Vítor Gonçalves, defendido o inverso).

9. Mais: a própria Lei contra práticas discriminatórias, aprovada por este Governo socialista-comunista-bloquista, considera como discriminação ilícita a difusão de ideias que visem a diminuição da dignidade ou a hostilização de alguém apenas em virtude da sua origem étnica, racial ou territorial. O discurso anti-semita é, pois, censurado pelo Direito – constitucional, civil e penal – português; não há liberdade no ódio. E não, o ódio não liberta, ao contrário do que julgam muitas das sumidades intelectuais da esquerda radical.

Não ignoramos a sagacidade e a elevada cultura de António: por isso, o seu cartoon é especialmente censurável – António sabia quais são os elementos históricos que movem os anti-semitas e, subtilmente, conjugou-os na sua ilustração.

O ódio deliberado e premeditado de António mostra à exaustão como o diabo do anti-semitismo continua bem vivo entre nós; ignorá-lo é apenas alimentá-lo. A esquerda é a favor da tolerância, desde que a tolerância seja definida nos termos que lhe sejam convenientes.

Tudo na esquerda, nada contra a esquerda –lembre-se que esta é a única regra (inventada pelo sistema) que verdadeiramente é cumprida entre nós.

10. O crescimento do grupo terrorista do BDS, do discurso anti-Israel que é, objectiva e subjectivamente, anti-semitismo disfarçado – culminam em episódios tristes como o de António e dos jovens da Universidade de Coimbra com o seu vergonhoso carro da queima das fitas (como se sabe, a Faculdade de Letras de Coimbra é dominada pelo BE e por outros grupos radicais de esquerda).

Resta saber quem quer estar do lado certo da história.

Uma coisa é certa: os anti-semitas serão derrotados – com inteligência veemente e veemência inteligente – mais uma vez.

Como sempre foram ao longo dos séculos que já passaram.

Como sempre serão ao longo dos séculos que ainda passarão.

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