Deixar andar

Às vezes não me apetece acabar uma história, um livro, uma amizade, uma relação. Faltam-me a vontade, o sentido, a energia, a paixão, ou a força para o fazer.

às vezes, prefiro que o tempo passe e, à sua maneira, dissolva o que for passível de se ir apagando, sem que eu tenha de escrever as últimas páginas, escolher quem morre ou quem apanha o avião para vladivostok, esclarecer mal entendidos, ou respirar fundo e preparar-me para aquela última conversa – que raramente é a derradeira – como se fosse um debate político.

há um ditado chinês que diz que quando queremos muito uma coisa, o melhor é sentarmo-nos à porta de casa e esperar que venha ter connosco. e se moramos numa rua longe do centro onde não passa ninguém? e se há greve de comboios? e se chove tanto e a ventania é tão forte que ninguém se atreve a enfrentar a intempérie?

o ocidental desespera, envia sms e e-mails, convoca os amigos, contrata emissários e reúne aliados, não dorme nem descansa, dia e noite, a pensar como é que o que mais quer lhe pode vir parar às mãos. o oriental bebe chá, lê filosofia e espera. se for uma oriental dos nossos tempos, mune-se de três ou quatro romances do murakami e de um ipod com uma selecção musical que oscila entre mozart e foo fighters, joão gilberto e bob marley, tom waits e chopin, petisca bagas goji e espera.

o oriental sabe esperar, o ocidental, não. esse ritual de espera que pulsa de forma suave, sincopada e hipnotizante na obra de murakami, é uma lição de vida que nós, os ocidentais, ainda não aprendemos. habituámo-nos a lutar por tudo aquilo em que acreditamos. não é um mau princípio, mas não serve todos os propósitos. é por isso que fico sempre vagamente incomodada quando oiço uma mulher dizer que ‘luta’ pela sua relação. se algum dia eu tivesse de ‘lutar’ por um senhor, fosse contra outros adversários, ou contra ele – ainda que em certos casos contra ele também seria por ele – divorciava-me rapidamente. os conflitos fazem parte da vida, do amor e das relações e acredito que nada avança sem conflito, mas daí até munir-me de uma espada, de um escudo e de uma cota de malha para lutar por um homem, vai um passo que não quero dar. d. inês de castro também lutou dez anos pela sua relação com d. pedro e todos sabemos como acabou: nova, linda e decapitada.

há uma enorme diferença entre saber esperar, saber gerir, saber encaixar o que não queremos ver ou ouvir, treinar a paciência, respirar fundo e ganhar fôlego para ver o que é que o futuro nos traz, e lutar por uma história de amor. até porque quando chegamos ao ponto de ter de lutar é porque já perdemos, e então mais vale atirar a toalha ao chão, mandar recolher os soldadinhos de helicóptero, deitar fora cartas e outras memórias físicas e passar para outra. e fazer tudo isto, subtilmente, como diriam os ingleses, with no fuss, e deixar andar, deixar correr, deixar cair, deixar morrer, deixar que a vida se encarregue por si mesma de restabelecer uma ordem natural nesta desordem que rege a existência. vai uma baga goji?